Assistente virtual da Apple (Siri), proteção de dados pessoais e direito ao sossego

Assistente virtual da Apple (Siri), proteção de dados pessoais e direito ao sossego

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A Apple reiteradamente tem se envolvido em polêmicas no tocante a proteção de dados pessoais. Em 2021, pode-se destacar a criação por parte da empresa de um sistema de verificação automática de mídias, com o intuito de encontrar indícios de material que possam envolver o abuso de crianças, tal ação, ainda que positiva sob um viés protetivo de crianças e adolescentes, proporciona uma fragilidade no tocante a proteção de dados dos usuários da marca.1

E mais recentemente voltou ao debate público a questão referente a potencial violação de privacidade, por parte da assistente de voz Siri, com a finalidade de ofertar produtos direcionados aos consumidores. Em processos movidos contra a Apple, usuários alegam que tem sofrido com captações de áudio indevidas, tal qual: discussões privadas com médico sobre um novo tratamento cirúrgico, que culminaram em anúncios direcionados para aquele tratamento; discussões sobre tênis Air Jordan, óculos de sol Pit Viper e Olive Garden, que igualmente culminaram em anúncios direcionados àqueles produtos ou serviços.2

Por si só, já é preocupante a questão atinente a violação à privacidade, mas é ainda mais preocupante quando ocorre por parte de uma empresa que é utilizada por 64% da população dos Estados Unidos.3

Frisa-se que a mera disponibilização de uma assistente virtual com capacidade de captação de áudio é lícita, tornar-se-á ilícita somente quando feita em desconformidade com o que preceitua as legislações locais acerca da Proteção de Dados Pessoais.

Para a legislação brasileira, as empresas somente podem tratar os dados caso solicitem ao titular ou ao responsável legal, um consentimento destacado para finalidades específicas (art.11, I, LGPD), por se tratarem dados pessoais sensíveis (art.5º, II, LGPD).4

Essas e outras medidas visam impedir que os dados cedidos tomem caminhos diversos daqueles inicialmente pretendidos, saindo do campo de visão do titular para atenderem às exigências de mercado. Essa proteção se deve, não porque se espera de antemão uma má-fé do agente de tratamento, mas sim porque os dados pessoais se tornam, em muitos casos, intermediários, prepostos entre a pessoa e a sociedade, os quais nem sempre são “autorizados e capazes”, seja representando em parte a situação dos indivíduos, incorrendo em imprecisão, seja revelando informações em excesso, tornando-os livros abertos nas mãos de terceiros.5 

No caso em tela, a preocupação não decorre tão somente da violação a privacidade, mas também pelo assédio de consumo, em total violação ao princípio da boa-fé objetiva.

A preocupação não é tão somente pelo direito violado, na medida da perturbação do sossego do consumidor, mas da elaboração, do planejamento e da prática exercida pelos fornecedores nas publicidades de consumo, assediando ao consumo e descumprindo os necessários deveres de boa-fé, isto é, ignorando os deveres de evitar, prevenir e cooperar para que danos, inclusive na esfera psíquica, não ocorram. Ainda assim, cabe destacar que as práticas publicitárias importunadoras, na maioria das vezes, se instrumentalizam por meio de dados pessoais utilizados de maneira indevida, violando, portanto, indiscutível direito fundamental.6 

Inclusive, o referido assédio de consumo é considerado como prática ilícita pelo CDC, na medida em que há o aproveitamento da fraqueza ou ignorância do consumidor, levando em consideração suas condições pessoais, como a saúde ou a idade, para impingir-lhe seus produtos ou serviços (artigo 39, IV).7

O dano decorrente pela importunação do assédio de consumo, é passível de ensejar responsabilização civil do fornecedor.

As reflexões expostas revelam que a ideia de a pessoa não ser importunada pelas publicidades virtuais de consumo é uma necessidade social contemporânea, própria da Sociedade da Informação, exigindo do Direito, portanto, uma resposta capaz de tutelar as pessoas. Esse direito deve instrumentalizado a partir da responsabilidade civil, tendo em vista que é este um dos instrumentos jurídicos aptos a garantir a tutela dos direitos fundamentais frente às relações entre pessoas privadas, impondo limites e obrigações.8 

Historicamente, reconhece-se a importância do direito a privacidade e da proteção de dados pessoais,9 esse último ganhando ainda mais destaque na era da sociedade da informação. É imperioso que se continue a tutelar a pessoa humana, sobretudo quando na condição de consumidores, e por consequente hipervulneráveis, e portanto inibir que o consumidor seja insistentemente molestado por publicidades virtuais, nessa interim o instituto da responsabilidade civil mostra-se especialmente importante, pois é instrumento hábil a perfectibilizar a proteção do consumidor, por intermédio da realização de suas funções preventiva e reparativa.

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Clayton Douglas Pereira Guimarães

Glayder Daywerth Pereira Guimarães

 

Referências

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1. GUIMARÃES, Clayton Douglas Pereira; GUIMARÃES, Glayder Daywerth Pereira. Apple, Pornografia infantil e Proteção de Dados. Magis – Portal Jurídico. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3kVtSNE. Acesso em: 05 set. 2021.

2. APPLE terá que responder a processos de privacidade nos EUA envolvendo Siri. Forbes. 2021. Disponível em: https://bit.ly/38Govfh. Acesso em: 05 set. 2021.

3. 64% da população dos Estados Unidos usa algum dispositivo da Apple. Canaltech. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3yPFgzr. Acesso em: 05 set. 2021.

4. KREPKE, André Felipe. Observações iniciais a sobre proteção de dados na sociedade da informação. Magis – Portal Jurídico. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3yNvIVx. Acesso em: 05 set. 2021.

5. KREPKE, André Felipe. Observações iniciais a sobre proteção de dados na sociedade da informação. Magis – Portal Jurídico. 2021. Disponível em: https://bit.ly/2X1ISkV. Acesso em: 05 set. 2021.

6. BASAN, Arthur Pinheiro. Publicidade digital e proteção de dados: o direito ao sossego. Indaiatuba: Editora Foco, 2021. [E-book].

7. BRASIL. Lei 8.078. Código de Defesa do Consumidor, 1990. Disponível em: https://bit.ly/38PugHz. Acesso em: 05 set. 2021.

8. BASAN, Arthur Pinheiro; FALEIROS JÚNIOR. José Luiz de Moura. A proteção de dados pessoais e a concreção do direito ao sossego no mercado de consumo. Civilistica. a.9. n.3. 2020. p. 17. Disponível em: https://bit.ly/38MdObj. Acesso em: 05 set. 2021.

9. Para saber mais recomenda-se a leitura de: MACIEL FILHO, Pedro Alberto Alves. Proteção de Dados: Resgate Histórico. Magis – Portal Jurídico. 2021. Disponível em: https://magis.agej.com.br/protecao-de-dados-resgate-historico/. Acesso em: 05 set. 2021

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