O presente artigo tem por finalidade explorar os conceitos de boa fé na publicidade de produtos alimentícios e os desafios associados à propaganda enganosa, especialmente no que diz respeito às discrepâncias entre as imagens nas embalagens e o conteúdo real do produto. A boa fé na publicidade é um princípio fundamental que garante que as empresas apresentem seus produtos de maneira honesta e precisa. No entanto, a prática da propaganda enganosa, especialmente quando as imagens nas embalagens não correspondem à realidade do produto, tem se tornado uma preocupação crescente.
Esse artigo examina o impacto da propaganda enganosa na confiança do consumidor e na integridade do mercado. Segundo Eduardo Tomasevicius Filho em seu livro “O princípio da boa-fé no Direito Civil” a boa-fé significa agir corretamente, dessa forma, a boa-fé impõe o bom andamento das relações jurídicas ou não, mediante a inserção de deveres de coerência, informação e de cooperação, os quais, caso respeitados, dificultam o comportamento oportunista. Nesse artigo, a boa-fé será referida como a honestidade e transparência que uma empresa deve manter ao promover seus produtos, sendo um princípio legal e ético que visa proteger o consumidor de práticas enganosas e garantir que as informações apresentadas sobre um produto sejam precisas e verídicas.
Em muitos países, a publicidade é regulada por leis e normas que visam prevenir práticas enganosas. No Brasil, a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (o Procon) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (a ANVISA) desempenham papéis importantes na supervisão da publicidade de produtos alimentícios.
Frequentemente, em produtos alimentícios diversos, os termos “imagem meramente ilustrativa” ou “imagem ilustrativa” são encontrados em letras miúdas em um canto da embalagem do produto. Essas imagens mostram o produto de forma idealizada, o que pode criar expectativas irreais para os consumidores. Essas discrepâncias podem envolver a quantidade, a qualidade e a aparência do produto. E essa percepção negativa pode afetar a lealdade do cliente e a reputação da marca.
Segundo o doutrinador brasileiro Luiz Antonio Nunes Rizzato, “ a publicidade não é uma obrigação e sim um direito do fornecedor em exercê-la de forma correta. Tem o fornecedor a faculdade de fazer ou não fazer a publicidade de seu produto ou serviço, contudo, se exercer esse direito deve respeitar as normas que regem o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que esse exercício lhe gera obrigações.”
No Brasil, atualmente, a ordem jurídica tem a função de trazer harmonia para as relações de consumo. A publicidade, no começo de sua história, tinha a finalidade de servir como um meio informativo sobre a existência do produto. Contudo, nos dias atuais dá para notar que a publicidade está agindo além de ser um meio de informação, a publicidade atual age com um meio de persuasão, um artifício para seduzir novos consumidores em potencial.
Com o advento da tecnologia, a publicidade está cada vez mais frequente na vida dos usuários, por isso, é necessário admitir que o tema é de grande relevância, visto que a publicidade tem a capacidade de criar desejos e necessidades no consumidor. Segundo o artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor “A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.”
Assim sendo, todo tipo de publicidade, sejam imagens em embalagens, peças publicitárias de produtos ou serviços devem obedecer o princípio da boa-fé mediante os deveres de coerência e informação descritos no livro de Tomasevicius, sendo proibidas práticas que possam conduzir o consumidor ao erro.
O consumidor muitas vezes não têm consciência dos direitos que efetivamente possui, desta forma faz-se necessário a atenção do legislador para esta questão, a fim de que se assegure de fato a real proteção aos consumidores.
No Brasil, em dezembro de 2010, o deputado Edmar Moreira (PR- MG) criou o Projeto de Lei 7228/10, que proíbe o uso de fotos ou imagens “meramente ilustrativas” em propagandas de produtos veiculadas em jornais, revistas, panfletos, televisão, embalagens, entre outros. A proposta obriga os anunciantes a retratar o conteúdo real do produto. De acordo com a proposta do deputado, o produtor ou revendedor que descumprir a regra será punido com uma multa no valor de R$1000,00, e no caso de reincidência a multa será de R$10.000,00 e o estabelecimento poderá ser fechado. Segundo Edmar Moreira, hoje as empresas que utilizam imagens irreais dos produtos nas propagandas não podem ser punidas se incluírem o alerta “foto ilustrativa”. E por isso o Deputado criou a PL para tentar acabar com essa prática.
Mesmo que o Projeto de Lei ainda não foi aprovada, é importante o consumidor estar ciente de que é possível fazer reclamações caso o produto não lhe agrade, como no caso em 2022 do hambúrguer de Costela da rede Burguer King, que levava o nome e uma imagem vinculada como se o hambúrguer realmente fosse de costela bovina, quando na realidade era feito com carne suína e aroma idêntico ao natural de costela bovina, e depois de uma série de reclamações ao Procon SP, o lanche foi tirado de circulação e retornou neste ano de 2024 agora com as mudanças devidamente feitas.
Os casos envolvendo os lanches de redes de fast food são bem comuns, inclusive, houve um caso em 2012 onde a diretora de marketing da rede do Canadá, Hope Bagozzi, explicou a diferença entre imagem e realidade, Hope comprou um quarteirão com queijo e levou para ser fotografado e comparado com o mesmo sanduíche das fotos promocionais pelos profissionais encarregados de fazê-lo. Em sua pesquisa, Hope constatou que os ingredientes usados pelo profissional fotógrafo de comida foram os mesmos dos restaurantes, com a diferença que a produção para a foto demora muitas horas para serem feitas, enquanto os lanches do dia a dia são preparados rapidamente, além do programa de photoshop utilizado para acentuações de cor, luz e disposição dos ingredientes no sanduíche, a fim de mostrá-los todos.
Fato é que o photoshop é utilizado para deixar o produto mais apetitoso ao consumidor, como por exemplo quando alguém entra em uma lanchonete e vê uma imagem belíssima de um hambúrguer novo em uma rede de fast food, a mente da pessoa rapidamente é conduzida a acreditar que aquela é a realidade com a qual irá se deparar. Mas infelizmente o lanche real nem sempre é idêntico ao da foto, e só por ter a frase “imagem ilustrativa” as pessoas evitam reclamações, uma vez que elas já foram avisadas que a ilustração nem sempre corresponderá ao produto em si. E, apesar de não ser muito ético, agora essa é uma realidade que será custosa para ser retirada.
Muitos consumidores certamente serão decepcionados, e esse caso, que poderia ser mais perseguido por órgãos fiscalizadores, acaba muitas vezes sendo negligenciado. Imagens também são informações, e a partir do momento que uma empresa passa aos seus clientes informações dos seus produtos que não condizem com a realidade, ela está agindo com má-fé e, por conseguinte, passando uma informação enganosa, o que deve ser encarado como propaganda enganosa.
Diante do exposto, fica evidente que as empresas, ao associarem imagens que não correspondem à realidade do produto, estão agindo de má-fé em relação aos seus consumidores. Algumas medidas que podem ser tomadas para melhorar a transparência e a responsabilidade das empresas para com seus clientes, como por exemplo uma revisão das práticas de embalagem, visto que com revisões regulares de qualidade será possível manter a conformidade do produto. E fortalecer a regulamentação e a fiscalização sobre publicidade enganosa também pode ajudar a proteger os consumidores e promover práticas mais transparentes.
Por fim, como foi mostrado ao longo deste artigo, a boa-fé na publicidade é essencial para manter a confiança do consumidor e a integridade do mercado. Casos de propaganda enganosa, especialmente aqueles envolvendo discrepâncias entre a imagem da embalagem e o produto real, destacam a necessidade de maior transparência e responsabilidade por parte das empresas, visto que esses aspectos são cruciais para enfrentar esses desafios e promover um mercado mais ético e justo.
Referências
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Tomasevicius, Eduardo. O princípio da Boa-fé no Direito Civil.pg 86.
Wishart, Leandro. Aspectos jurídicos da publicidade e da imagem meramente ilustrativa no Direito do Consumidor. Jus Navigandi.Publicado:13/02/2019.Disponível em: link
Código do Direito do Consumidor. Disponível em: link
Santos, Edson. Projeto torna obrigatório o uso de imagem real em propaganda. Camâra dos Deputados. Publicado:21/10/2010. Disponível em: link
Dois anos após ser acusado de propaganda enganosa, Burguer King anuncia hambúrguer com costela e agradece Procon-SP. Globo G1. Publicado: 13/06/2024. Disponível em:link
Imagens meramente ilustrativas: Ilusão ou ilegalidade?. O Consumidor News. Publicado: 04/06/2024. Disponível em:link
O que é na realidade a “Imagem Meramente Ilustrativa” e a Guerra do Photoshop – Parte 1. O Arquivo. Publicado:10/02/2009. Disponível em: link