Bullying Escolar: Violação De Direitos Fundamentais

Bullying Escolar: Violação De Direitos Fundamentais

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VIOLAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

A prática de bullying afeta o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como os direitos da personalidade, pois a prática reiterada dessa espécie de violência faz que a vítima perca cada vez mais o seu espaço e suas oportunidades nos ambientes escolares e sociais. Afeta, ainda, os direitos da personalidade que possuem particularidades e são destinados à proteção da pessoa, com o objetivo de assegurar a dignidade como valor fundamental.

A dignidade da pessoa humana pode ser entendida como o rol de valores intrínsecos e absolutos pertencentes à pessoa, ou seja, o direito à vida, à liberdade, à igualdade, ao respeito, dentre outros. Dessa forma, esses valores já nascem com a pessoa, são absolutos, intransmissíveis, imprescritíveis, extrapatrimoniais, impenhoráveis e oponíveis erga omnes. Nesse aspecto, o respeito à dignidade da pessoa humana encontra asilo nas normas constitucionais, bem como nas legislações nacionais e internacionais.1

Portanto, mesmo tendo o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos preceitos fundamentais, as relações interpessoais naturalmente resultam em conflitos, estes podem ser entendidos como embate, oposição ou pendência, no vocabulário prevalece o sentido de entrechoque de ideias ou de interesses, em razão dos quais se instala uma divergência entre fatos, coisas ou pessoas em ambientes sociais e escolares.2

Nesse cenário, surge o conflito que pode ser desenvolvido também em ambiente escolar, ocasionando danos aos envolvidos; para isso, as instituições devem desenvolver técnicas e projetos para diminuí-los, uma das medidas que pode ser implantada é a mediação de conflitos, com foco na pacificação dos conflitos e potencializar os rendimentos dos escolares.3

Pode-se ainda diferenciar uma simples brincadeira do bullying, pois neste caso, ocorrem agressões verbais ou físicas dirigidas, reiteradas, sádicas, ofensivas e humilhantes, estabelecendo assim um ciclo, no qual o agressor sempre encontra força para continuar atacando a vítima e causando prejuízos psicológicos e sociais.

O bullying, assim como qualquer espécie de violência, fere as relações, pois coloca a pessoa em situação de desproporção e vulnerabilidade. Ainda, pode acarretar danos permanentes e irreparáveis, como a depressão, exclusão social e até mesmo a morte. Portanto, faz-se necessário discutir sobre as teorias em torno dos conflitos e as medidas eficazes para a identificação e a pacificação de violência.

Nesse contexto, como o bullying é enquadrado como violência escolar, os estudos analisados apontam que a moralidade pode auxiliar no convívio escolar. De tal forma, para Piaget,4 o julgamento moral está ligado ao desenvolvimento cognitivo das crianças que, na fase da terceira infância, podem tecer julgamentos de forma concreta, utilizando como base de análise diversos pontos de vista sobre uma mesma situação.

Dessa feita, no primeiro momento do desenvolvimento, existe a moralidade de restrição, em que o pensamento é resistente, existindo somente uma forma certa e uma errada. Já no segundo momento, ocorre a moralidade da cooperação, momento em que a criança apresenta plasticidade e maleabilidade no seu julgamento moral, em outras linhas, ela combina as suas experiências pessoais com as vividas pelos adultos ao seu redor, possibilitando que formulem novas ideias de moralidade.

FATORES QUE INFLUENCIAM O BULLYING ESCOLAR

Pazo5 disserta que a violência escolar pode estar relacionada com os fatores econômicos ou até mesmo em função da separação deles. Percebe-se que todos os países possuem uma fatia da população que passa por problemas financeiros e familiares. A violência exercitada em casa em todas as fases da criança e do adolescente refletem de forma negativa, uma vez que os abusos sofridos em casa podem ser reproduzidos em ambiente escolar.

Nota-se que a cultura da violência escolar não pode ser relacionada apenas com os fatores familiares, pois muitas famílias, apesar de não possuírem uma boa condição financeira, mantêm em casa a convivência harmônica.

Assim, a delegação não pode estar direcionada apenas à escola, mas aos pais que precisam dar maior atenção aos sinais que a criança ou o adolescente apresenta em casa. Um dos sinais mais recorrentes é o medo e a baixa produtividade, os quais resultam em reprovações ou até mesmo desistência dos estudos em fases iniciais.

Conforme Zequinão et al.,6 as pessoas de sexo masculino possuem maior incidência na prática de bullying em ambiente escolar. Diversos fatores podem ser levados em consideração para essa qualificadora da prática. Uma delas é a cultura do machismo presente nas casas e nas escolas, em que o gênero masculino, por questões culturais, possui necessidade de decisão, de domínio, de chefia, provedor e dominador nas relações entre homens e mulheres. Do mesmo modo, pessoas do sexo masculino geralmente resolvem os seus conflitos com o uso de violência e opressão, como se o diálogo e outras ferramentas mediadores não existissem e todas as possibilidades de pacificação resultassem em casos de violência.

Outro fator que pode ocasionar a prática de bullying em ambiente escolar é a violência vivida em casa ou até mesmo nos casos em que a criança ou o adolescente a presencia entre seus pais ou representantes. De tal modo, o convívio familiar, baseado em discussão, briga e violência, pode atuar como um mecanismo de replicação de violência, ou seja, os pais resolvem os conflitos e educam seus filhos com base na violência e ameaça. Logo, a vítima de violência doméstica pode utilizar a mesma dinâmica violenta para solucionar os seus litígios na escola.

Outra consequência da prática de bullying nas escolas é o desencadeamento de problemas à saúde dos jovens, principalmente aqueles que possuem dificuldade de verbalizar as ameaças e agressões recebidas e pedir ajuda. Para tanto, faz-se necessário que as instituições possam identificá-los e utilizem as ferramentas para remanejá-los, com o objetivo de reduzir o ciclo de violência. Por outro lado, destaca-se a necessidade de os profissionais estarem devidamente treinados e atualizados sobre os meios de prevenção a violência.7

Dessa feita, não se pode imaginar as escolas utilizando ferramentas unilaterais e inflexíveis, pois as práticas devem ser baseadas nas diferentes realidades sociais de cada região.  Portanto, para que a instituição de ensino alcance o patamar cidadão e democrático, faz-se necessário ir além da prática pedagógica, investir em técnicas interdisciplinares e mecanismos de mediações de conflitos, com o apoio da sociedade e de profissionais habilitados no campo da Psicologia, Direito e Medicina, possibilitando, assim, a identificação e encaminhamento dos casos de conflitos que resultam em violência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse sentido, se a unidade escolar não abre espaço para que o aluno busque ajuda ou orientação, essa instituição fecha as suas portas para a boa convivência e fica de olhos vendados frente aos acontecimentos violentes. Ainda, como recomendação, muitas das escolas deveriam adotar o método de mediação de conflitos, possibilitando uma gestão de portas abertas com a participação de profissionais de outras áreas e inclusive da sociedade.

Nesse método, os alunos teriam espaço para denunciar violência e, sobretudo, para que a escola pudesse traçar um planejamento estratégico para combater a violência institucional, aguçando, assim, a pacificação de conflitos escolares. A não pacificação de bullying em ambiente escolar pode trazer dados irreparáveis para a vítima que não encontra na instituição espaço para ouvir e ser ouvida e, ainda, deixa de ser protagonista de relações sadias em seu cotidiano.

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Michel Canuto de Sena

 

Referências

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1. SENA, Michel Canuto de. et al. Mediação de conflito escolar como ferramenta de prevenção ao bullying: ação em saúde pública. Multitemas, p. 45-69, 2020.

2. TARTUCE, Fernanda. Vulnerabilidade processual no Novo CPC. Defensoria Pública. Salvador: Juspodivm, p. 283-312, 2015.

3. TARTUCE, Fernanda. Vulnerabilidade processual no Novo CPC. Defensoria Pública. Salvador: Juspodivm, p. 283-312, 2015.

4. PIAGET, Jean. O juízo moral na criança. Grupo Editorial Summus, 1994.

5. PAZO, Pedro Jacinto. Entre la violencia familiar y la violencia escolar. Investigaciones sociales, v. 22, n. 42, p. 19-36, 2020.

6. ZEQUINÃO, Marcela Almeida. et al. Physical punishment at home and grade retention related to bullying. Journal of Human Growth and Development, v. 30, n. 3, p. 434-442, 2020.

7. PIGOZI, Pamela Lamarca; MACHADO, Ana Lúcia. Bullying na adolescência: visão panorâmica no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 20, p. 3509-3522, 2015.

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