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Cadê meu celular? Eu vou ligar pro 180

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Cadê meu celular?
Eu vou ligar pro 180
Vou entregar teu nome
E explicar meu endereço
Aqui você não entra mais
Eu digo que não te conheço
E jogo água fervendo
Se você se aventurar
[…]
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim
– Elza Soares – Maria da Vila Matilde

 

A cantora e compositora Elza Soares nasceu no dia 23 de junho de 1930, no subúrbio do Rio de Janeiro, entretanto, sua infância terminou cedo, aos 11 anos foi obrigada a se casar com Lourdes Antônio Soares, um amigo do pai, bem mais velho que ela.

Durante a adolescência, transformada em uma mulher adulta pelo casamento precoce, Elza sofreu do primeiro marido agressões e violências sexuais que a marcaram pelo resto da vida — e que se transformaram em protestos que ela apresenta por meio de sua música1

Em 1966 veio o segundo casamento, com o jogador de futebol Mané Garrincha. A relação conturbada durou mais de 17 anos e foi marcada por uma onda de polêmicas e agressões. Depois da aposentadoria dos campos, o atleta tornou-se alcoólatra e passou a agredir fisicamente Elza, que apesar de em uma ocasião ter chegado a ficar com dentes quebrados, não denunciou o caso.2

Elza é o retrato da mulher brasileira que sofre violência doméstica, mantem a relação conjugal e não denuncia o agressor. Dessas experiências de violência doméstica, muitos anos mais tarde, surgiu a canção Maria da Vila Matilde, que muito me toca. A canção representa o grito, a afirmação do poder feminino, incentiva a força para denunciar e não se calar – “Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim”.

Elza Soares é uma lenda. Premiada pela BBC como uma das maiores cantoras do milênio no ano 2000,3 ela passou por inúmeras provações e, como uma fênix, sempre foi capaz de reerguer-se e reinventar-se de maneira brilhante.

A criação da Linha Telefônica 180 (Lei nº10.714/03) foi implementado pelo Governo Federal em 2005. Até o ano de 2015, quando completou 10 anos, o Ligue 180 havia realizado 4.708.978 atendimentos, sendo que desse total, 552.748 foram relatos de violência, em que se destacaram os casos de violência física (56,72%) e violência psicológica (27,74%).

Durante todos esses anos, a Central de Atendimento à Mulher foi se consolidando como canal de informações sobre os direitos das mulheres, especialmente os relacionados à violência, dando orientações e encaminhamentos para serviços especializados da rede de atendimento para mulheres que estão em situação de violência.4 No ano de 2018 a cada 3 minutos e 50 segundos o Ligue 180 recebia uma denúncia de violência contra a mulher.5

Segundo Andreza Colatto, Secretária Nacional de Políticas para Mulheres no ano de 2019, o Ligue 180 é o projeto de enfrentamento à violência mais importante da Secretaria.

É um instrumento humanizado e próprio para a mulher. Ele conta com o apoio das delegacias especiais de atendimento à mulher (Deams), mas também atua nas pequenas cidades onde não existe Deam. Ele dá assistência para essa mulher, tira de situação de risco iminente de morte.6 

Conforme dados verifica-se que a pandemia de Covid trouxe consigo o aumento na violência de gênero. Em tempos de distanciamento social, as famílias foram obrigadas a conviver mais em casa e essa aproximação causou um aumento substancial de denúncias de Violação a Direitos Humanos e Violência Doméstica e Familiar. A falta de dinheiro, o medo do desconhecido, a pressão e o aumentou do estresse, por sua vez, aumentaram os conflitos… agressor e vítima passaram a dividir o mesmo teto 24 horas por dia.

Segundo pesquisa do Instituto Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP),7 uma em cada quatro mulheres acima de 16 anos afirmam ter sofrido algum tipo de violência no ano de 2020. No último ano o Brasil teve 105.821 denúncias de violência contra a mulher registradas pelo Ligue 180- Central de Atendimento à Mulher e pelo Disque 100- Direitos Humanos.

Os canais de disque denúncia recebem denúncias de violações a diversos grupos vulneráveis, como crianças e adolescentes, pessoas idosas, pessoas com deficiência, pessoas em restrição de liberdade, população LGBT e população em situação de rua. Segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, as denúncias de violências contra a mulher representam cerca de 30% de todas as denúncias realizadas em 2020.8

Atualmente o disque 180 é o principal canal de denúncia no enfrentamento da violência de gênero, há uma tendencia de jogar para debaixo do tapete, a mulher sente vergonha da agressão e a primeira barreira a superar é a denúncia. A divulgação do disque-denúncia é essencial, qualquer um pode denunciar, vizinho, amigo, parente, é anônimo, não precisa se identificar. No primeiro sinal de violência lembre-se: “Cadê meu celular? Eu vou ligar pro um 180”.

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Sarah Batista Santos Pereira

 

Referências

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1. FERNANDES, Camila. Biografia de Elza Soares, a mulher do fim do mundo. 2020. Disponível em: https://bit.ly/31c0BbE. Acesso em: 25 dez.2021.

2. FUKS, Rebeca. Biografia de Elza Soares: Cantora e compositora brasileira. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3qrusFy. Acesso em: 25 dez.2021.

3. O TEMPO BRASIL. Elza Soares vai apresentar clássicos do samba no Sexta Melhor. 2008. Disponível em: https://bit.ly/3zcpznF. Acesso em: 25 dez. 2021.

4. INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO – DADOS & FONTES. Ligue 180 – Balanço 10 Anos da Central de Atendimento à Mulher (SPM, 2015). 2015. Disponível em: https://bit.ly/3HmrFEw. Acesso em: 25 dez. 2021.

5. AGÊNCIA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Ligue 180 é o mais importante projeto de enfrentamento à violência contra a mulher, diz secretária. Disponível em: https://bit.ly/3z9locb. Acesso em: 25 dez. 2021.

6. AGÊNCIA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Ligue 180 é o mais importante projeto de enfrentamento à violência contra a mulher, diz secretária. Disponível em: https://bit.ly/3z9locb. Acesso em: 25 dez. 2021.

7. PAULO, Paula Paiva. Uma em cada quatro mulheres foi vítima de algum tipo de violência na pandemia no Brasil, aponta pesquisa. 2021. Disponível em: https://glo.bo/3ECni6y. Acesso em: 25 dez. 2021.

8. MARTELLO, Alexandro. Brasil teve 105 mil denúncias de violência contra mulher em 2020; pandemia é fator, diz Damares. 2021. Disponível em: https://glo.bo/3za1tdf. Acesso em: 25 dez. 2021.

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