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Capacitismo Etarista no Ambiente de Trabalho

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“Excluir significa deixar de fora, impedir a participação, negar a possibilidade de pertencer a espaços, grupos, situações, por razões diversas.” (Carvalho – Freitas e Santos, 2023, local. 342)

 

A discriminação baseada na idade cronológica, ou na percepção social da idade, possui diferentes denominações: etarismo, idadismo, ageísmo, idosismo, velhismo. A violência incide sobre pessoas individualmente ou grupos que compartilhem a(s) característica(s) objeto da discriminação. Para Dórea (2020, local. 170), “É o único preconceito considerado universal e também o mais pernicioso, pois é um preconceito contra o futuro de todos.”

Em muitas realidades organizacionais é uma discriminação silenciosa, apesar de seus efeitos lesivos, cuidadosamente ocultada pela administração, motivação principal à realização de nossos estudos no GEPDT (Grupo de Estudos e Pesquisas em Direito do Trabalho).

A produção desse texto foi orientada pelo propósito de discutir o capacitismo etarista no ambiente de labor da pessoa idosa (critério legal) ou considerada idosa (critério social). As falas capacitistas inferiorizam e estigmatizam, plasmando uma realidade iníqua para a pessoa discriminada. Projeta-se, desta forma, uma incapacidade ficta que interdita trajetórias profissionais, à revelia de qualquer evidência fática ou fundamento crítico.

As condutas capacitistas, de modo geral, têm origem na lógica corpo-normatividade, que classifica socialmente as pessoas em normais e anormais. “Em uma cultura, como a brasileira, em que o corpo é um capital, o envelhecimento parece ser vivido como um momento de grandes perdas (de capital).” (Goldenberg, 2011, local. 356)

É nesta esteira que a pessoa idosa experencia o desvalor de diferentes maneiras no ambiente de trabalho:

  • pelo isolamento social impulsionado pela formação de grupos de afinidade e interesse, criando feudos corporativos;
  • pelo esvaziamento das atribuições ao longo do tempo;
  • pelo sugestionamento à demissão voluntária, uma espécie de jubilamento organizacional;
  • pela infantilização da comunicação;
  • pela comicidade desdenhosa e perversa dirigida para as pessoas mais velhas;
  • pelo rebaixamento e descarte social;
  • pela redução gradativa de oportunidades, para muito além do local de trabalho;
  • pelo desprestígio conferido às suas falas e opiniões (perda da influência social);
  • pelas promoções preteridas;
  • pelo desempenho desacreditado, em muitos casos até negado, para justificar ou aplainar a culpa pelo preconceito;
  • pelo apagamento das histórias de vida;
  • pelo despertencimento forçado;
  • pelo estranhamento de corpos;
  • pelos rótulos lançados e falas capacitistas;
  • pela perda de posições de autoridade;
  • pela divisão estrutural do “nós”, que cria a condição ideal para o funcionamento da engrenagem estrutural de opressão;
  • pela binariedade nefária que associa a pessoa idosa a incapacidade (normal-anormal, capaz-incapaz, novo-velho, útil-inútil), enfim;
  • pelas ofensas diretas à sua dignidade.

A boa saúde do(a) trabalhador(a), as competências profissionais, a jornada e a experiência desenvolvidas ao longo do vínculo empregatício, em algumas situações, não são aspectos fortes o suficiente para afastar a discriminação.

Essas condutas são, muitas vezes, sutis ao ponto de dificultar a percepção, até mesmo, pelas pessoas-alvo da opressão, padrão que possui diferentes explicações (não excludentes entre si):

  • a maneira como aprendemos a lidar com o envelhecimento (demasiadamente negativa, pessimista, desnaturalizada);
  • o etarismo estrutural que atribui um prazo de validade ao(à) trabalhador(a);
  • as dificuldades de coletar evidências de violação dos direitos da pessoa considerada idosa, essencial para uma adequada responsabilização interna (organizacional) e jurídica. A maioria de nós não reconhece os próprios preconceitos. É mais fácil negar a sua existência do que assumi-lo;
  • a normalização da opressão no ambiente laboral, acelerada pela competição predatória no mundo do trabalho, que transforma pessoas em meros sujeitos de desempenho;
  • a insuficiência de alianças intergeracionais ou redes de apoio, por decorrência da fragmentação social;
  • a violência da positividade, que se traveste do “bem” para justificar discursos gerencialistas voltados para a produtividade e entrega (nem que seja da própria dignidade);
  • as visões da idade, que nos encaminham a atalhos mentais acríticos e desprovidos de razoabilidade, produzindo estereótipos assentados em narrativas malfazejas do processo de envelhecimento. De fato, considerando que essas visões são construções sociais, o enquadramento como pessoa idosa advém meramente de indícios culturais, uma vez que não há um indicador biológico específico e preciso;
  • a produção social dos paradigmas de beleza e, por derradeiro, das expectativas em relação ao outro;
  • a predominância de estímulos sociais que fortalecem o etarismo e enfraquecem os movimentos de resistência;
  • a subnotificação (denúncias) no ambiente organizacional de situações de etarismo;
  • as dificuldades de desconstruir os vieses implícitos relacionados às visões negativas da idade;
  • a abordagem casuística do problema, resultante da imprecisão e inespecificidade da definição da conduta discriminatória;
  • a relação continente das condutas de discriminação etária e de assédio moral;
  • a pouca atenção destinada à discriminação baseada na idade, marcando o desinteresse empresarial em discutir a longevidade no mundo do trabalho;
  • a existência de um vieses implícitos, que são de difícil identificação, aceitação e mitigação;
  • a idealização e hierarquização de corpos e subjetividades, afetando expectativas de reconhecimento;
  • a invisibilidade das pautas. A discriminação baseada na idade parece ser mais naturalizada ou tolerada relativamente a outras formas de discriminação;
  • a interseccionalidade do fenômeno, que complexifica o problema;
  • a elasticidade da prerrogativa patronal no comando da relação de emprego.

As explicações citadas neste texto, frutos de nossos estudos, certamente, não são exaustivas, demandando um olhar atento para a questão e as camadas que conformam as diferentes experiências. Tematizar o etarismo (antecedentes, variáveis estruturais, iniciativas mitigadoras, intersecções com outras formas de preconceito) e problematizá-lo em pesquisas de campo é fundamental para o desenho de políticas afirmativas de inclusão. É que, curiosamente,

(…) o idadismo é um fenômeno disseminado e que contrariamente a outras formas de discriminação, incluindo racismo e sexismo, é aceitável socialmente; fortemente institucionalizado e amplamente não detectado e não confrontado.” (Dórea, 2020, local. 188)

O etarismo apresenta interessantes e diferentes recortes (delimitações temáticas), as quais superam os estereótipos que marcam a sua expressão mais recorrente. Mas, por que compreender e identificar os estereótipos é importante e recebe tanta atenção?

Os estereótipos culturais negativos da idade introjetados mudam a relação com o nosso corpo e a imagem (autovisão), produzindo reações implosivas de desvalor, estima e desconforto social, influenciando o modo como pensamos e nos relacionamos com o mundo.

Somos turbinados por clichês etaristas: “Você não é o(a) mesmo(a) de antes.”; “Você não tem mais idade para …”; “Perdão mas, qual é a sua idade?” “Você tem a energia de um jovem!”; “Você nem demonstra ter a idade que tem!”; “Você não é mais um(a) garoto (a)!; “Você é bem conservado para a sua idade.”; “Você precisa descansar.”; “Você precisa dar um tempo.”; “Infelizmente, o seu tempo aqui acabou.”; “Você precisa se atualizar.”; “Os tempos são outros.”; “Seu tempo de glória já passou!”; “Precisamos oxigenar as nossas práticas.”; “Essa roupa não é adequada pra você”; “Complicado esse lance de idade.”; “Você é do tempo da onça!”; “Você é das antigas.”; “Isso é coisa de gente velha!”; “Já está na hora de se aposentar!”; “Já deu o que tinha que dar aqui.”; “Esse trabalho não é mais pra você.”; “Você já está no lucro.”.

Observe que algumas falas sugerem um elogio, embora carregadas de preconceito. São os eufemismos da violência! Significa dizer que quando a sua “imagem” deixar de refletir a expectativa social relacionada (linearmente) à sua idade, certamente, você será descartado(a)! As práticas etaristas são marcadamente monoculares, pretenciosas, arrogantes e depreciativas.

Nessa direção de pensamento, Goldenberg (2020, local. 108) destaca que, “Muitos brasileiros, mesmo que de forma inconsciente, reproduzem e fortalecem os preconceitos e estigmas sobre a velhice.”

Os adjetivos atribuídos à pessoa idosa são, igualmente, destrutivos: caquética, depreciada, acabada, bugada etc. Ah! Também não faltam rótulos: velho/velha/véio/véia, coroa, escle(rosada), velharia, cacareco, bicha velha, ranzinza, véio da lancha, cavalo velho, capim novo, panela velha etc.

No centro dessa engrenagem violenta, a natureza constitutiva da pessoa e a temporalidade do ciclo da vida são constantemente desafiadas pela pressão social. O mundo do trabalho não escapa a esse embate cruel.

Embora sejamos seres sociais atravessados por valores, essas assimilações se dão de modo inconsciente, dificultando a compreensão e percepção dessa captura psíquica (viés implícito).

Pois é, e assim as preferências se estabelecem. Não há neutralidade nessa dinâmica, que é ideologicamente performada. A despeito de ser um processo biológico, o envelhecimento deve ser lido e interpretado sob outras perspectivas.

Com efeito, o viés implícito tem um aspecto dual porque ao mesmo tempo que é reflexo do viés estrutural, o mantém vivo na sociedade, “(…) na medida em que a discriminação reforça o poder dos que estão em posição de autoridade, ao mesmo tempo que tira o poder dos marginalizados.” (Levy, 2022, p.17)

Os estereótipos são disposições mentais simplificadas, não necessariamente oriundas de uma experiência concreta ou observada, mas sempre de um processo acrítico de apropriação.

A discriminação profissional da pessoa idosa se dá tanto na fase pré-contratual, obstaculizando o acesso ao emprego digno, como na fluência e término da relação empregatícia, o que amplia o raio de investigação.  Importa reforçar que os efeitos sobrevivem ao vínculo.

Tavares (2020, local.95) pontua que, “A desumanização do idoso é monstruosa porque rouba a história, as realizações e os sonhos de pessoas que deixaram sua marca neste planeta.”

As consequências do etarismo são existencialmente danosas, tendo em vista que aprofundam a vulnerabilidade econômica, social, física e psíquica da pessoa idosa, ao ponto de minar a autoestima e interditar caminhos, incompatibilizando o desenvolvimento e o envelhecimento por meio de relações antagônicas. Precisamos conversar sobre etarismo e refletir juntos sobre estratégias de enfrentamento!

 

Referências

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FALK, Gerhard. Stigma: How we treat outsiders. New York: Prometheus books, 2001.

GOLDENBERG, Mirian. A invenção de uma bela velhice: projetos de vida e a busca da felicidade. Rio de Janeiro: Record, 2020.

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HADDAD, Eneida Gonçalves de Macedo. A ideologia da velhice. São Paulo: Cortez, 2017

KARNAL, Leandro e FERNANDES, Luiz Estevam de Oliveira. Preconceito: uma história (Portuguese Edition). São Paulo: Companhia das Letras, 2023.

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