Carnaval, Cor e a Crônica da Subalternidade em BH

Carnaval, Cor e a Crônica da Subalternidade em BH

Carnaval

Belo Horizonte, março de 2025. Uma capital outrora discreta, agora floresce como um vibrante polo carnavalesco, atraindo multidões e injetando vida nova em cada esquina. Mas, como um observador atento das encruzilhadas organizacionais e sociais, não posso deixar de notar as sombras que se alongam sob o sol da folia, revelando as fissuras de uma sociedade que ainda não encontrou o caminho para a igualdade.

Este ano, troquei a caneta pela caixa de isopor e as teorias de minhas pesquisas acadêmicas pela “prática” do trabalho de ambulante. Ao lado de um amigo, um homem negro de pele retinta, que se dispôs a me ajudar nesta empreitada, percorri os circuitos da festa, na intenção de, como tantas e tantos outros, fazer o famoso “extra”. E foi ali, no meio da multidão, que a crua realidade do racismo se apresentou em nuances tão sutis quanto perturbadoras. A cada passo, a cada olhar, a cada interação, pude observar o peso de uma hierarquia não escrita, mas profundamente internalizada.

Como todos aqueles que foram credenciados para esse trabalho neste ano,  eu usava o colete de vendedor dado pela empresa patrocinadora do evento. Mas surpreendentemente, era ele, invariavelmente, o alvo dos foliões sedentos de suas bebidas no calor da festa de Carnaval. Mesmo sem a vestimenta que identificava os vendedores e apesar de sua aparência impecável, sempre vestido como um folião, era a cor da sua pele que parecia gritar mais alto. Era como se o tom da pele fosse um atalho para identificar o corpo subalterno, o servidor, o “colaborador”. Eu, por outro lado, era frequentemente ignorado, quase como se fosse invisível ante a presença dele. Essa dinâmica revelava uma triste verdade: em um ambiente onde a igualdade deveria ser a regra, o racismo ainda é o guia silencioso que orienta as interações.

A ironia mordaz é que meu amigo, imerso nessa engrenagem desde sempre, já não a percebia girando. A naturalização da discriminação já não o surpreendia para as microagressões diárias, para o racismo que o colocava, automaticamente, em uma posição de serviço. E essa é a tragédia: a opressão internalizada, a aceitação tácita de um papel imposto, que transforma vítimas em cúmplices involuntários de sua própria marginalização.

O carnaval, com sua explosão de cores e ritmos, escancara as mazelas de uma sociedade que insiste em enxergar hierarquias na melanina. A dinâmica observada nas ruas de BH ecoa em todos os cantos, transcendendo a festa e o trabalho informal. Está no elevador social quebrado, nas oportunidades negadas, nos olhares enviesados. É um reflexo de uma sociedade que ainda não encontrou o caminho para a igualdade, onde a cor da pele continua a ser um fator determinante na distribuição de oportunidades e respeito.

Mudar essa percepção, subverter a lógica da subalternidade, é um desafio urgente. Não basta maquiar o racismo com discursos politicamente corretos ou esconder as mazelas sob o manto da festa. É preciso desconstruir estereótipos, questionar privilégios, amplificar vozes silenciadas. É preciso, em suma, reconhecer a humanidade plena em cada tom de pele, para que o carnaval seja, de fato, uma festa para todos, e não apenas um espetáculo que mascara as desigualdades profundas de nossa sociedade.

Compartilhe nas Redes Sociais
Anúncio