O Carnaval de Belo Horizonte se destaca por ser uma celebração — desde a sua retomada em 2009 — genuinamente política. A disputa pelo direito à cidade, a construção de uma consciência ético-política, subversiva e plural, borra todas as fronteiras entre folia, diversão e crítica social. Esses pressupostos são atravessados na composição de uma festa popular que não renuncia a nenhuma corporalidade e, mais, desfaz as amarras políticas da norma, ao valorizar as diferenças.
O direito à cidade, tão atacado por políticas discriminatórias e higienistas, se torna uma realidade inegociável, sobretudo pela presença de corpos posicionados como dissidentes celebrando e gozando dos espaços públicos, do direito à felicidade — na contramão dos interesses hegemônicos que, de forma reiterada e como projeto de poder, ritualiza sofrimento e violação —, da possibilidade de existir e coabitar de forma afirmativa, são indicativos que o Carnaval de Belo Horizonte ultrapassa a folia e se direciona à construção de uma festa popular consciente de que não se constrói cidadania, de fato, retroalimentando ausência de pessoas negras, mulheres, pessoas LGBTQIAPN+, pessoas com deficiência, pessoas periféricas e demais corpos negligenciados pela construção política hegemônica de uma cidadania marginalizante.
Em Belo Horizonte, o Carnaval confunde a cabeça dos caretas que acreditam que corpos dissidentes são carnes prontas para o abate. No arranjo político da vida e da afirmação da diferença, essas carnes são transmutadas em corpos, vidas e presenças coletivamente interessadas pela construção de uma cidade justa e, de fato, democrática. Ao, por exemplo, valorizar a cultura e a ancestralidade negra (Bloco Angola Janga), ao desafiar as normas de gênero e sexualidade tão administradas para amordaçar mulheres e pessoas LGBTQIAPN+ (Truck do Desejo e Abalô-caxi) e ao vocalizar a crítica dos ambulantes ao monopólio das cervejas como gargalo dos trabalhadores e trabalhadoras, compreendemos que, em Belo Horizonte, carnavalizar é sinônimo de consciência crítica, de denúncia das contradições da Cidade e, por ser uma festa popular, de saída da margem ao centro.