Cifras Negras: a verdade numérica por trás dos crimes praticados contra a mulher no âmbito da violência doméstica no Brasil

Cifras Negras: a verdade numérica por trás dos crimes praticados contra a mulher no âmbito da violência doméstica no Brasil

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O Brasil ocupa atualmente uma posição preocupante no ranking de países mais violentos do mundo. O número assusta ainda mais quando se trata de violência praticada contra mulheres, em especial no contexto do ambiente doméstico e familiar, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU).1

Você deve estar se perguntando o que as chamadas Cifras Negras têm a ver com a violência doméstica? Explico.

Contudo, para que seja possível compreender a relação das cifras negras com a violência doméstica e familiar contra a mulher, é necessário, primeiramente, entender seu significado.

Para Barros (2023),2 cifra negra é o nome dado à diferença entre a real totalidade dos delitos praticados e aquela que é apresentada, isto é, que chega ao conhecimento dos órgãos responsáveis pela persecução penal.

Assim, trazendo o conceito apresentado acima para o contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher, significa dizer que os números que já aparentam ser assustadores, em virtude do alto índice de ocorrência de crimes dessa natureza em nosso país, é maior ainda.

Ademais, muitos dos crimes praticados em desfavor da mulher, no âmbito doméstico e familiar, não são levados ao conhecimento das autoridades por uma série de fatores. Dentre eles podemos citar o medo e a dependência emocional e/ou financeira da vítima.

Em relação ao fator medo, podemos destacar que não se trata apenas do medo que a própria mulher vítima de violência doméstica e familiar sente, mas sim em relação a todo o contexto que envolve esse tipo de crime.

Isso quer dizer que o fator medo, mencionado acima, influencia também as pessoas que se deparam com crimes que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher e não somente a própria vítima.

Diante disso, podemos citar, por exemplo, o medo despertado nos vizinhos, que muitas vezes tomam ciência da prática de crimes contra a mulher no ambiente doméstico e familiar e que, por medo, não levam a notícia ao conhecimento das autoridades, pois, de fato, estar-se-á criando um inimigo íntimo, pronto para promover represálias em desfavor daquele que leva o crime a conhecimento do poder público.

É importante ressaltar, ainda, que, nesse caso, por se tratar de crime apurado por meio de ação penal pública incondicionada, isto é, aquele que não depende da representação da vítima, basta que qualquer pessoa leve a notícia a autoridade competente ou até mesmo faça a denúncia de violência doméstica e familiar contra a mulher por meio de telefonema para o número 180, podendo neste último caso, ser, inclusive, realizada de forma anônima.

Outro fator relevante no contexto das cifras negras e sua relação com os crimes praticados contra a mulher no ambiente doméstico e familiar é a dependência emocional e/ou financeira da vítima com o agressor. Fato bastante comum.

Em relação ao fator emocional, que está intrinsecamente ligado ao psíquico da mulher, este muitas vezes prevalece, fazendo com que a mulher, vítima de violência doméstica, não leve a notícia do crime ao conhecimento das autoridades públicas pelo fato de ter um forte vínculo emocional com o agressor, muitas vezes seu companheiro a anos e pai de seu(s) filho(s).

Por outro lado, e não menos importante, o fator da dependência financeira está ligado ao fato de que, muitas vezes, a vítima não exerce atividade remunerada e, consequentemente, não possui condições de prover seu próprio sustento, dificultando o término do relacionamento afetivo com o agressor.

Ainda nesse sentido, a situação se agrava mais ainda quando a mulher, vítima de violência doméstica e familiar, possui filho(s) com o agressor, tornando esse tipo de dependência ainda mais acentuada.

Visando coibir qualquer tipo de violência praticada contra a mulher no ambiente doméstico e familiar, o art. 40-A da Lei nº. 11.304[3] prevê que:

Art. 40-A. Esta Lei será aplicada a todas as situações previstas no seu art. 5º, independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência e da condição do ofensor ou da ofendida. (BRASIL, 2006).

O art. 5º da Lei nº. 11.340/2006 traz o conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher, mediante a prática de qualquer ação ou omissão baseada no gênero, causando-lhe morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto.

As previsões legais contidas na Lei visam garantir os direitos da mulher vítima de violência doméstica e familiar, contudo, apesar do esforço empenhado por parte do Poder Legislativo, em tentar coibir a prática de tais atos, o Brasil é um dos países onde mais se registram atos de violência contra a mulher no ambiente doméstico e familiar.

De mais a mais, em razão deste triste histórico de violência contra mulheres em nosso país, a Lei Maria da Penha passa, constantemente, por alterações para que haja sua efetiva aplicação, com vistas a evitar que mal maior ocorra, qual seja: o feminicídio[4].

Essas são, portanto, as ligações entre as chamadas cifras negras e a real prática de crimes contra a mulher no ambiente doméstico e familiar, bem como as características que impedem suas devidas apurações por parte das autoridades públicas.

 

Referências

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1. Organização das Nações Unidas. Taxa de feminicídios no Brasil é a quinta maior do mundo.

2. Manual de Criminologia. 3ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Juspodivm, 2023.

3. Lei “Maria da Penha”, em homenagem à Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de violência doméstica e familiar no ano de 1983.

4. Ato de matar mulher em razão da condição do sexo feminino.

BARREIRAS, Mariana Barros. Manual de Criminologia. – 3 ed., rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2023.

BIANCHINI, Alice; BAZZO, Mariana; CHAKIAN, Silvia. Crimes contra as mulheres: Lei Maria da Penha, Crimes Sexuais, Feminicídio e Violência Política de Gênero. – 6.ed., rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2024.

BRASIL. Lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006. Disponível em: link. Acesso em 27/10/2024.

ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Taxa de feminicídios no Brasil é quinta maior do mundo; diretrizes nacionais buscam solução. Disponível em: link. Acesso em 27/10/2024.

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