Combate ao etarismo e o direito fundamental à trabalhabilidade

Combate ao etarismo e o direito fundamental à trabalhabilidade

idosa

Em recente decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho, a 2ª Turma manteve a decisão do Tribunal Regional da 5ª Região (BA), que constatou a ocorrência de despedida discriminatória, em razão da idade da reclamante/autora. O flagrante caso de etarismo em ação que no polo passivo figurava também o Estado da Bahia, tratou-se de mais uma lide em que o Poder Judiciário tardou em dar resposta adequada a servidora já aposentada, que ainda estava na ativa, mas faleceu no transcurso do processo. Sustentando suas alegações na vida que dedicou ao trabalho para a reclamada, a reclamante, que já estava em idade avançada e com recente diagnóstico de mal de Parkinson, argumentou que após a extinção contratual estava “sem chance de colocação no mercado de trabalho1.

Em breve síntese, a trabalhadora ajuizou ação trabalhista em face de seu empregador, por não entender as razões que motivaram a sua despedida sem justa causa, após mais de 30 anos de trabalho dedicados a empresa e precedido do diagnóstico de Parkinsonismo. A reclamada, a sua vez, sustentou que despediu a reclamante de forma imotivada, mesmo ciente de que a mesma fora diagnosticada com a doença. A sua vez, a reclamante, defendendo que a motivação ocorreu com flagrante cunho discriminatório, buscou o Poder Judiciário para tornar nulo tal ato.2

No contra-ataque, a reclamada afirmou que estaria enfrentando dificuldade de obter recursos financeiros, causando-lhe profunda crise, obrigando-a a reduzir custos e o seu pessoal. Na esteira de sua defesa, nas mais de 80 páginas afirmou, que por toda principiologia que é natural da administração pública, no sentido de preservar o erário, não estaria agindo de forma negligente nem se – o caso fosse – de encerrar contrato por baixa produtividade, ou por impossibilidade de manutenção dos empregos, pois ainda assim, estaria dentro dos parâmetros esperados daquilo que se deve preservar aos administrados por padrões públicos. Rechaçando o discurso da reclamante e buscando (também) evitar prejuízos sociais, reitera que o critério utilizado para extinção dos contratos, foi o do desligamento de empregados que possuíam outras fontes de renda, em especial, os aposentados, pois estes, em tese, sofreriam menores prejuízos, pois teriam segunda renda quando comparados aos demais sem mais recursos.3

Em sede de sentença, a reclamante não teve a declaração da nulidade de sua despedida, mas foi através da interposição de recurso ordinário, este, provido, que obteve o reconhecimento da nulidade de sua despedida, além da condenação da reclamada ao pagamento de quinze vezes o seu último salário contratual à título de indenização, que depois fora mantido pelo TST.  E o que se extrai de decisão exitosa apenas após a morte daquela que buscou o Poder Judiciário para ver seus direitos preservados? A necessidade urgente do reconhecimento de novos direitos, ou a transmutação daqueles já existentes no ordenamento brasileiro.

Não é de hoje que está autora manifesta4, que se o direito fundamental ao trabalho, já reconhecido constitucionalmente, transbordar-se no reconhecimento à trabalhabilidade, muitos dos problemas poderiam ser resolvidos, ou respostas mais adequadas o direito daria através das decisões judiciais. Evidente que em nem em todos as lides, nem mesmo todas as respostas, mas boa parte dos casos hoje existentes – tal qual como este –, seriam melhores acomodados judicialmente, a julgar pela transmutação daquilo que já se existe, basta reconhecer.

Neste espaço, pensar-se-ia em direito precursor, direito que transborda a vida do cidadão, direito a possuir e ver garantido o exercício de sua trabalhabilidade. Isto, porque, em sendo reconhecido tal direito, a trabalhadora poderia ter sido submetida ao ensino de novas atividades dentro das redomas empresariais, e a dita produtividade insatisfatória, desapareceria frente as novas funções. Então, o investimento em sua trabalhabilidade, proporcionar-lhe-ia5.

“readaptar-se constantemente ao cenário laboral através de seus próprios predicados; é um trabalhador que se vale de sua própria vocação para o exercício de sua lida; alguém capaz de ressignificar durante todos os dias de sua vida a prática de seu trabalho, proporcionando para si (e para a sociedade) novas e melhores formas de atingir metas e resultados em toda e qualquer atividade. Ou seja, possuir trabalhabilidade é transbordar o que há de melhor através do exercício laborativo, desprovendo-se de rótulos previamente enlaçados, vez que, aos possuidores de tal virtude, a realização laboriosa fundar-se-á em um incessante descobrir novos (e melhores) caminhos a serem navegados.”

É inacreditável que em pleno século XXI, ainda se tenha notícias lamentáveis como esta, seja pelo etarismo evidente anunciado pelo caso concreto, seja pelo estigma carregado pelo rótulo de não mais ser possível aprender e/ou não estar capacitado para tanto, diante do emaranhado de meios tecnológicos que auxiliam no exercício do trabalho. Dupla penalização: preconceito e rotulação de alegada impossibilidade na tentativa de readaptação ao cenário laboral.

De toda sorte, o alerta fica para todas as empresas que duvidam da capacidade de readaptação do sujeito – seja lá qual for a sua faixa etária –, especialmente considerando que o mundo mudou, e a instrumentalização tecnológica tende a facilitar o trabalho, e isso independe a idade do trabalhador. Neste gizar, da mesma forma, clama-se para que o Poder Público destine atenção (ou precaução) ao reconhecimento do direito fundamental ao trabalho em sua versão transmutada, reconhecendo o direito à trabalhabilidade, tanto para garantir tal direito, quanto para que, se necessário for, reconfigurar políticas públicas voltadas aos parâmetros que se adequam ao que se entende por reacomodação de trabalhadores aos postos contemporâneos.

De nada adianta letras positivadas na lei, notoriamente apenas as que penalizam pecuniariamente os empregadores que cometem danos contra os trabalhadores, pois continuar-se-á na política da indenização pós-dano, não evitando-o, mas indenizando-o. É preciso pensar em precaução e, em sendo factível tal caminho, as empresas deverão nutrir postura que vise desprenderem-se de rótulos e possibilitar o exercício ao trabalho em sua plena atuação. Neste compasso, ao Poder Público caberá a fiscalização e implementação de políticas públicas de readequações e/ou retorno ao mercado de trabalho, tal qual como, há muito, têm-se outras reconhecidas pelo seu caráter social-protetivo, como por ex: seguro-desemprego, etc.

 

Referências

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1. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região. ROT 0000491-66.2018.5.05.0016 (Análise de Recursos – Gabinete Processante de Recursos). Disponível em: Página inicial – Consulta Processual – TRT-5. Acesso em 18 ago. 2025. Petição inicial.

2. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região. ROT 0000491-66.2018.5.05.0016 (Análise de Recursos – Gabinete Processante de Recursos). Disponível em: Página inicial – Consulta Processual – TRT-5. Acesso em 18 ago. 2025.

3. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região. ROT 0000491-66.2018.5.05.0016 (Análise de Recursos – Gabinete Processante de Recursos). Disponível em: Página inicial – Consulta Processual – TRT-5. Acesso em 18 ago. 2025. p. 43 da defesa.

4. ALVES, Andressa Munaro. A Trabalhabilidade como direito social fundamental: O critério da ponderação como alternativa à sua realização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2023.

5. ALVES, Andressa Munaro. A Trabalhabilidade como direito social fundamental: O critério da ponderação como alternativa à sua realização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2023. p. 139.

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