As duas inéditas e recentes fugas de presídio federal de segurança máxima localizado em Mossoró, no Estado do Rio Grande do Norte, podem ter trazido à tona a fragilidade, até então não revelada, do Sistema Penitenciário Federal.
Os estabelecimentos penais federais (todos eles considerados de segurança máxima) possuem como finalidade a promoção e a execução administrativa das penas privativas de liberdade impostas pelo Poder Judiciário a presos provisórios ou condenados, sejam eles nacionais ou estrangeiros.1
Além disso, é Missão institucional do Sistema Penitenciário Federal: “combater o crime organizado, isolando suas lideranças e presos de alta periculosidade, por meio de um rigoroso e eficaz regime de execução penal, salvaguardando a legalidade e contribuindo para a ordem e a segurança da sociedade”2
E para que as finalidades e a missão confiadas ao sistema penitenciário federal sejam alcançadas, o Regulamento Penitenciário Federal, criado através do Decreto nº. 6.049/2007,3 apresenta as seguintes características comuns aos estabelecimentos penais federais:
Art. 6º. O estabelecimento penal federal tem as seguintes características:
I – destinação a presos provisórios e condenados em regime fechado;
II – capacidade para até duzentos e oito presos;
III – segurança externa e guaritas de responsabilidade dos Agentes Penitenciários Federais;
IV – segurança interna que preserve os direitos do preso, a ordem e a disciplina;
V – acomodação do preso em cela individual; e
VI – existência de locais de trabalho, de atividades socioeducativas e culturais, de esporte, de prática religiosa e de visitas, dentro das possibilidades do estabelecimento penal.
Essas características, certamente, visam, além de objetivos relacionados à segurança dos estabelecimentos federais e dos próprios presos, a efetivação dos direitos fundamentais não atingidos pela sentença penal condenatória, respeitando-se a integridade física e mental do preso, e um processo de ressocialização mais eficiente quando comparado ao sistema prisional comum (Estados e Distrito Federal).
Notadamente, os direitos fundamentais estão previstos na Constituição Federal e em diversos outros diplomas normativos, dentre eles na Lei nº. 7.210/198944 (Lei de Execução Penal), que diz o seguinte:
Art. 41 – Constituem direitos do preso:
I – alimentação suficiente e vestuário;
II – atribuição de trabalho e sua remuneração;
III – previdência Social;
IV – constituição de pecúlio;
V – proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;
VI – exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;
VII – assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;
VIII – proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;
IX – entrevista pessoal e reservada com o advogado;
X – visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;
XI – chamamento nominal;
XII – igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;
XIII – audiência especial com o diretor do estabelecimento;
XIV – representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;
XV – contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.
XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente.
Sendo assim, todos esses direitos, previstos no art. 41 da Lei de Execução Penal, devem ser assegurados às pessoas privadas da liberdade em presídios dos Estados, do Distrito Federal e da União (presídios federais), pois tratam-se de direitos não atingidos pela sentença penal condenatória, e quem os garante no interior dos presídios brasileiros são os policiais penais e os demais funcionários que exercem suas atividades laborais no sistema penitenciário.
Obviamente, diversos problemas são enfrentados ao longo de anos no sistema penitenciário dos estados e do distrito federal, e no sistema penitenciário federal essa realidade não é diferente.
Problemas decorrentes da má administração, do déficit de policiais penais federais, médicos, psicólogos(as) e demais funcionários essenciais prestação de um serviço eficiente no interior dos presídios federais de segurança máxima vem fazendo com que problemas comuns aos estabelecimentos penais dos estados e do distrito federal sejam também vivenciados nos presídios federais de segurança máxima.
Desses problemas surgiu o, até então, mais inesperado: a fuga de dois presos, integrantes de organizações criminosas e de alta periculosidade, que cumpriam pena no presídio federal de segurança máxima localizado em Mossoró – RN. O primeiro registro de fuga desde a criação do sistema penitenciário federal, no ano de 2006.
Ademais, uma série de fatores negativos vêm sendo presenciados há alguns anos nos estabelecimentos penais federais de segurança máxima, dentre eles casos envolvendo a prática do crime de corrupção e morte, como a ocorrida de forma misteriosa, em decorrência de um suposto suicídio do preso Elias Pereira da Silva, conhecido como “Elias Maluco”, em setembro de 2020, no presídio federal de Catanduvas. Caso que foi pouco divulgado na mídia e não comentado de forma ampla e clara pelo Governo Federal até hoje.
Desde então, o sistema penitenciário federal vem enfrentando diversos problemas que colocam à prova os títulos de presídios de segurança máxima.
Por estabelecimento penal de segurança máxima compreende-se o fato de ser considerado um local altamente seguro para presos, policiais e demais funcionários, bem como para a sociedade, que de fato deposita grande esperança na eficiência dos cinco presídios federais atualmente existentes em nosso país.
Esses problemas e falhas estruturais, que já estão presentes nos estabelecimentos penais federais de segurança máxima, podem resultar em mortes de presos, resgates e fugas, como foi o caso das primeiras, e recentes, registradas em um presídio federal desde sua inauguração.
No contexto de pessoas privadas da liberdade, isto é, que cumprem pena privativa de liberdade ou medida de segurança, fuga é o ato de fugir (ou evadir-se), com ou sem colaboração interna ou externa, de estabelecimento penal ou outro similar, como uma delegacia de polícia ou hospital de tratamento e custódia, por exemplo.
O ato de fugir, por si só, não configura crime, pois não havendo o emprego de violência contra a pessoa não há se falar em crime previsto em nosso ordenamento jurídico, por ausência de previsão legal.
Apesar disso, comete falta disciplinar de natureza grave a pessoa que fugir do estabelecimento do qual cumpre pena privativa de liberdade ou está submetida à medida de segurança, conforme previsão legal contida no art. 50 da Lei de Execução Penal:5
Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:
[…]
II – fugir.
As faltas disciplinares cometidas durante o cumprimento da pena privativa de liberdade são apuradas mediante a instauração de procedimento administrativo disciplinar (PAD) e sancionadas conforme o previsto no art. 53 do mesmo diploma legal:
Art. 53. Constituem sanções disciplinares:
I – advertência verbal;
II – repreensão;
III – suspensão ou restrição de direitos (artigo 41, parágrafo único);
IV – isolamento na própria cela, ou em local adequado, nos estabelecimentos que possuam alojamento coletivo, observado o disposto no artigo 88 desta Lei.
V – inclusão no regime disciplinar diferenciado.
Por outro lado, havendo o emprego de violência contra a pessoa, no ato de fugir ou de tentar fugir, isto é, se para escapar de estabelecimento penal, por exemplo, o preso emprega violência contra a pessoa (qualquer pessoa), estaremos diante da figura típica prevista no art. 352 do Código Penal,6 que diz:
Art. 352 – Evadir-se ou tentar evadir-se o preso ou o indivíduo submetido a medida de segurança detentiva, usando de violência contra a pessoa:
Pena – detenção, de três meses a um ano, além da pena correspondente à violência.
É importante destacar, ainda, que a tentativa de fuga, com o emprego de violência contra a pessoa, também configura crime punido com pena de detenção, de três meses a um ano, além da pena correspondente à violência, isso porque o preceito primário do art. 352 do Código Penal pune, também, a tentativa.
Posto isto, caso a pessoa privada da liberdade empregue violência contra outra pessoa no ato de fugir, responderá pela prática do crime previsto no art. 352 do Código Penal e, também, a procedimento administrativo disciplinar, a ser apurado pela direção do estabelecimento, podendo resultar na imposição das sanções disciplinares previstas no art. 53 da Lei nº. 7.210/1984, (Lei de Execução Penal).
Dessa forma, no caso que envolve os dois fugitivos (já recapturados) do presídio federal de segurança máxima localizado em Mossoró – RN, não há se falar em cometimento do crime previsto no art. 352 do Código Penal, pelo fato de não terem empregado violência contra a pessoa no ato de fugir do estabelecimento do qual cumpriam suas penas, restando a eles responder, tão somente, pelo cometimento de falta disciplinar de natureza grave, que os sujeitará às punições previstas na Lei de Execução Penal (Lei nº. 7.210/1984).
Apesar de serem os presídios federais de segurança máxima localizados longe dos centros urbanos, as fugas ocorridas no presídio federal nos demonstraram como a fragilidade dos presídios federais, agora revelada, afeta a vida da sociedade, principalmente a de pessoas que residem em cidades próximas a esses presídios, e como o crime organizado tem o poder de atuar favorecendo fugitivos.
Esperamos, enquanto cidadãos, que nunca mais ocorram fugas dessa natureza, em especial em presídios federais de segurança máxima.
Referências
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1 CESTARI, Daniel Pheula. e LOVATTO, Daniel Correa. Sistema Penitenciário Federal.
2 Portaria DEPEN nº. 103/2019).
3 BRASIL. Decreto nº. 6.049 de 27 de fevereiro de 2007. Aprova o Regulamento Penitenciário Federal. Disponível em: link. Acesso em 13.04.2024.
4 BRASIL. Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em: link. Acesso em 13.04.2024.
5 BRASIL. Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em: link. Acesso em 13.04.2024.
6. BRASIL. Decreto-Lei nº. 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: link. Acesso em 13.04.2024.