Conceitos-Chave Do Feminismo: Androcentrismo, Patriarcado, Sexismo e Gênero

Conceitos-Chave Do Feminismo: Androcentrismo, Patriarcado, Sexismo e Gênero

hands-reaching-each-other-covered-with-ribbon

A teoria feminista desenvolveu quatro conceitos-chave que, intimamente relacionados, servem como instrumentos de análise para examinar as sociedades atuais, identificar os mecanismos de exclusão, conhecer suas causas e propor soluções. É sobre tais conceitos-chave que iremos tratar a seguir:

 Androcentrismo

Androcentrismo é um termo criado pelo sociólogo americano Lester F. Ward em 1903,1 que diz respeito às perspectivas que levam em consideração o homem como foco e análise do todo. Tal conceito está intimamente ligado à noção de patriarcado. Todavia, o termo não se refere apenas ao privilégio dos homens, mas também a forma com que as experiências masculinas são tidas como as experiências de todos os seres humanos e consideradas como uma norma universal, tanto para homens quanto para mulheres.

Nas palavras de Carla Cristina Garcia: “O mundo se define em masculino e ao homem é atribuída a representação da humanidade.”2 Androcentrismo também pode ser definido como a tendência para colocar o masculino como sendo o único paradigma de representação coletiva, estando o pensamento masculino acima de todos os outros.3 Nesse viés ocorre uma supervalorização dos pensamentos e ideias masculinas, especialmente as conservadoras, moralistas e machistas, que não levam em consideração a busca das mulheres por igualdade de direitos.

Isso é o androcentrismo, considerar o homem como medida de todas as coisas. A noção androcêntrica distorceu a realidade, tendo grave influência na ciência, na sociedade e na maneira de pensar do coletivo, cujas consequências perduram até os dias atuais. Os estudos, analises, pesquisas partiam unicamente da perspectiva masculina, e suas conclusões eram aplicadas para todo o resto. Um bom exemplo de androcentrismo são os meios de comunicação, a visão androcêntrica decide e seleciona quais fatos, acontecimentos ou personalidades serão primeira página, a quem será dedicado tempo e espaço. Essa mesma visão decide quem estará diante dos microfones, quem dará as principais notícias, quem aparecerá no horário nobre do jornal.4

A distorção do androcentrismo e suas consequências também são sentidas em outras áreas como a medicina. Vejamos, popularmente sabe-se que os sintomas do infarto são dor e pressão no peito e uma dor intensa no braço esquerdo, mas poucas pessoas sabem que esses são os sintomas masculinos. Nas mulheres os sintomas são queimação e pontadas na região do peito,5 dor abdominal, náuseas e pressão no pescoço.6

A tendência quase universal de se reduzir a raça humana ao termo “homem” é um exemplo excludente que ilustra o comportamento androcêntrico.

Patriarcado

Até a teoria feminista redefinir o termo, patriarcado era considerado como o governo dos patriarcas, cuja autoridade derivava de sua sabedoria. A partir do século XIX, quando começaram a ser desenvolvidas teorias que explicam a hegemonia masculina, passou-se a utilizar o termo em seu sentido crítico. 7

O patriarcado é um sistema social baseado em uma cultura, estruturas e relações que favorecem os homens, em especial o homem branco, cisgênero e heteressexual. No sistema patriarcal, o homem desfruta de uma posição de privilégio e de poder social, econômico e político, enquanto a mulher e outros sujeitos que fogem da norma, seja em relação ao gênero, a raça ou a orientação sexual, são menosprezados e invisibilizados.8

Foi o feminismo radical, a partir dos anos 70, que passou a utiliza o termo como peça-chave de suas análises. Para este o patriarcado pode ser definido como:

Forma de organização política, econômica, religiosa, social baseada na ideia de autoridade e liderança do homem, no qual se dá o predomínio dos homens sobre as mulheres; do marido sobre as esposas, do pai sobre a mãe, dos velhos sobre os jovens, e da linhagem paterna sobre a materna. O patriarcado surgiu da tomada de poder histórico por parte dos homens que se apropriaram da sexualidade e reprodução das mulheres e seus produtos: os filhos, criando ao mesmo tempo uma ordem simbólica por meio dos mitos e da religião que o perpetuam como única estrutura possível. 9 

Boa parte da riqueza teórica do feminismo surge a partir da análise do patriarcado como um sistema político, o que significou descobrir até onde se estendia o domínio e o controle dos homens sobre as mulheres.

Ao se dar conta de que o controle patriarcal se estendia também às famílias, às relações sexuais, trabalhistas e demais esferas, as feministas popularizaram a ideia de que o pessoal é político.10 Dessa forma as mulheres tomaram consciência que o que pensavam ser um problema individual na verdade eram problemas comuns a todas, fruto de um sistema opressor.

Essa tomada de consciência foi ponto determinante para a análise da violência de gênero, pois, durante séculos as mulheres acreditavam que a culpa da violência que sofriam eram delas. Milhares de mulheres pensavam que sofrer maus-tratos era normal até que os movimentos feministas conseguissem que essa temática aparecesse nos meios de comunicação e fosse tratada com a visibilidade e importância necessária.

Imprescindível ressaltar que a existência do patriarcado não quer dizer que as mulheres não tenham nenhum tipo de poder ou direito, porém podemos chamar as conquistas políticas nesse sistema de “vitórias paradoxais”, isso porque

[…] nas sociedades ocidentais contemporâneas, as mulheres conseguiram o direito à educação e ao trabalho remunerado, mas a maioria daquelas que trabalham fora de casa, tanto as assalariadas quanto as autônomas, continua encarregada do trabalho doméstico e do cuidado com os filhos. É a dupla jornada ou a dupla presença. Mesmo aquelas que conseguem delegar essa tarefa também o fazem sobre outras mulheres mais pobres ou mais velhas: as empregadas domésticas e as avós.11 

As formas do patriarcado variam de acordo com a sociedade e momento histórico, por exemplo, em um país como a Arábia Saudita onde as mulheres não possuem nenhum direito fundamental, sua realidade é diametralmente oposta a das europeias que, ao menos formalmente, conseguiram seus direitos. Porém, na Europa o patriarcado utiliza outros instrumentos para manter os estereótipos e os papéis sexuais, a discriminação no mundo do trabalho e a violência de gênero.

Os que não levam em conta a existência do patriarcado afirmam que a situação da mulher mudou drasticamente, porém quem o percebe sabe que as coisas não mudaram tanto assim, foram os problemas que mudaram, sem desaparecer.

Sexismo

Embora sua origem não seja clara, o termo sexismo emergiu da “segunda onda” do feminismo dos anos 1960 até os anos 1980, tendo sido provavelmente inspirado no termo racismo do movimento pelos direitos civis.12

O sexismo consiste na discriminação baseada na crença de que os homens são superiores às mulheres, trata-se, pois, de uma discriminação fundamentada no sexo.

O sexismo não se trata de costumes, de piadas ou de manifestações do poder masculino, o sexismo se refere a toda uma ideologia que prega a subordinação das mulheres, bem como aos métodos utilizados para que essa desigualdade se perpetue.

O sexismo se define como o conjunto de todos e cada um dos métodos empregados no seio do patriarcado para manter em situação de inferioridade, subordinação e exploração o sexo dominado: o feminino. 13 

O sexismo está fundado na crença de que um sexo – o masculino – é superior ou mais valioso do que o outro -o feminino-, e essa crença acaba por impor limites sobre o que homens e meninos podem e devem fazer e o que mulheres e meninas podem e devem fazer.

Gênero

Os estudos de gênero começaram nas universidades norte-americanas na década de 1970 e se espalharam por universidades de todo o mundo incorporados às ciências humanas.14

O conceito de gênero é a categoria central da teoria feminista, tal análise originou a percepção e compreensão de que o feminino e o masculino não são fatos naturais ou biológicos, mas sim oriundos de construções culturais. Como corrente intelectual o feminismo busca denunciar as desigualdades de gênero existentes na sociedade e compreender como as noções de gênero influenciam na configuração cultural, social e econômica da sociedade.15

Nas palavras de Simone de Beauvoir:

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino.16 

Entende-se por gênero todas as normas, obrigações, comportamentos, pensamentos, capacidades e até mesmo o caráter exigido das mulheres simplesmente por serem biologicamente mulheres. Necessário destacas que quando falamos de sexo estamos nos referindo à biologia, que diz respeito as diferenças físicas entre os corpos, e ao falarmos de gênero, estamos nos referindo as normas e condutas determinadas para homens e mulheres em função do sexo, tal como o clássico “menino brinca de carrinho e menina brinca de casinha” ou “rosa é cor de menina e azul é cor de menino”.

Necessário acrescentar diferenças biológicas homem-mulher são determinadas pela natureza, mas como seres culturais e sociais, a biologia não é capaz de determina nosso comportamento. O propósito principal dos estudos de gênero ou da teoria feminista é o de desmontar o preconceito de que a biologia determina o ser feminino, enquanto é o meio cultural e social o responsável por essa idealização.17

Ao falarmos de gênero fazemos referência a um conceito construído nas últimas décadas pelas ciências sociais com a finalidade de analisar a construção sócio-histórica das identidades masculina e feminina. Trata-se de um sistema de crenças que especificam o que é característico de um e outro sexo e, a partir daí, determinam os direitos, os espaços, as atividades e as condutas próprias de cada sexo.

____________________

Sarah Batista Santos Pereira

 

Referências

________________________________________

1. OLIVEIRA, Francisco Malta de; FERREIRA, Maria da Luz Alves. A atuação feminina na polícia militar: considerações sobre a segregação sexual do trabalho. REDD: Revista Espaço de Diálogo e Desconexão, Araraquara, v.7, n.1, jul./dez. 2013, p. 9. Disponível em:  https://bit.ly/30IXYxn. Acesso em: 18 out. 2021.

2. GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. São Paulo: Claridade, 2011, p. 15.

3. DICIONÁRIO ONLINE DE PORTUGUÊS. Androcentrismo. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3G4ah7C. Acesso em: 18 out. 2021.

4. GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. São Paulo: Claridade, 2011.

5. ALTA. Infarto Feminino: Saiba identificar os sintomas e o que fazer. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3aRYon1. Acesso em: 18 out. 2021.

6. GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. São Paulo: Claridade, 2011.

7. GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. São Paulo: Claridade, 2011.

8. FOLTER, Regiane. O que é o patriarcado? Politize. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3aUj11W. Acesso em: 18 out. 2021.

9. REGUANT, Dolores. La mujer no existe. Bilbao: Maite Canal, 1996, p. 20. In: Victoria Sau. Diccionario ideológico feminista, vol. III. Barcelona: Içaria, 2001 apud GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. São Paulo: Claridade, 2011, p. 17.

10. GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. São Paulo: Claridade, 2011.

11. GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. São Paulo: Claridade, 2011, p. 17-18.

12. ECYCLE. Sexismo: o que é, origem e como combate-lo.2021. Disponível em: https://bit.ly/3G1FRml. Acesso em: 18 out. 2021.

13. GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. São Paulo: Claridade, 2011, p. 18-19.

14. GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. São Paulo: Claridade, 2011.

15. RAMOS, Jéssica da Cunha. O Gênero dentro da perspectiva feminista e sua relação com o direito. Niterói. 2016. Disponível em: https://bit.ly/3G6TzV1. Acesso em: 18 de out. 2021.

16. BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: A experiência vivida. 2º Edição. Difusão Europeia do Livro. 1980, p. 9.

17. GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. São Paulo: Claridade, 2011, p. 20.

Compartilhe nas Redes Sociais
Anúncio