Por vezes nós somos interpelados com frases como: “não seria melhor discutir a consciência humana?”; “se somos todos iguais, faz sentido falar de consciência negra?”; “esse recorte não é um reforço discriminatório?”. Essas questões revelam um caráter sofisticado de poder que se manifesta a partir da dinâmica tecnopolítica da raça. Todas elas se sustentam na farsa política, moderna e colonial da igualdade e da abstração como recursos que, ao não marcarem os sujeitos que se enxergam como hegemônicos, não enfrentam com honestidade as assimetrias sociais que surgem na manipulação hostil da diferença. Vale ressaltar que diferença e desigualdade só se tornam termos sinônimos nos limites de um contrato social formado para rebaixar sistematicamente os que são marcados à distância da norma. Logo, o fetiche pela igualdade circula apenas nos limites de reconhecimento implementados pelos acordos e pactos formados para restringir a vida dentro das molduras da brancura, ciseteronorma, masculinidade e demais parâmetros de clivagem e de exclusão.
É importante frisar que a categoria “humanidade” não é essencial, abstrata e descolada das disputas históricas. Podemos observar que, por exemplo, no período colonial, ser humano significava, entre outros fatores, deter propriedade e que, nesse mesmo cenário, outras subjetividades eram desidratadas e transformadas em propriedade. Assim, compreendemos que ser reconhecido como humano é ser admitido em enquadramentos de legitimidade, de reciprocidade. Nesse sentido, a raça, o gênero, a sexualidade, a classe e o território, por exemplo, podem ser acionadas como marcas que impedem o reconhecimento, pois desprezam — no interior das relações políticas e sociais — o rosto de outras subjetividades. Faz sentido grifar a importância subversiva da consciência negra e das demais subjetividades desprezadas pelas bases políticas que ao determinarem distâncias radicais entre os sujeitos, transformam corpos em novas colônias, isto é, em territórios passíveis a exploração e a destruição. Não admitir a diferença significa, ao mesmo tempo, não ser capaz de refutar as políticas discriminatórias que são acionadas diante de corpos marcados como dissidentes. Trata-se de uma dissimulação sofisticada para manter em vigência as práticas discriminatórias e dos privilégios de grupos hegemônicos que essas práticas alimentam.
Ao contorcer o discurso dizendo que a “consciência negra seria uma forma discriminatória”, o que se faz é pressupor que a vítima é o algoz e, assim, manter segura a motivação discriminatória que sustenta a realidade social. Não é a consciência negra que cria a discriminação, mas, sim, as políticas discriminatórias que criam a necessidade de resistência, de insurgência e de denúncia do apagamento histórico, político, epistêmico e cultural, que o racismo provoca. Essa tática, ou seja, de inversão do discurso, também se manifesta como uma forma de restituir uma ordem de mundo onde grupos subalternizados são mantidos aquém da agência. A importância da consciência negra está em destituir a autoridade discursiva, política e excludente, do racismo, enquanto tecnologia política que dizima sujeitos racializados e sua presença no mundo. Essa importância se manifesta como uma prática de descontinuidade, subversiva e ciente de que a tentativa de fazer com que corpos se transformem em alvos não será mais perpetuada sem que se denuncie os interesses perversos dos sistemas discriminatórios.