Consciência negra: por um humanismo anticolonial

Consciência negra: por um humanismo anticolonial

black-fist

O dia 20 de novembro é marcado pela intencionalidade política de desarticular a consciência hegemônica, colonial e retroalimentadora da branquitude, um sistema político sedimentado na exploração radical da humanidade de sujeitos negros. Sistema, inclusive, que, por meio de suas articulações ideológicas, pedagógicas e normativas, faz com que nós, negros/as/es, sejamos sequestrados/as/es de processos afirmativos das nossas identidades, pois, se a identidade é construída na relação, a branquitude se encarrega de fazer com que as nossas relacionalidades sejam marcadas por instrumentos, imagens e significados de mundo que nos alocam, de forma sistemática, no não lugar.

A consciência negra, como afirmei há pouco, é uma intencionalidade que não se limita às abstrações teóricas. Ela, ao contrário das pretensões coloniais de universalidade, neutralidade e não localização, nasce da presença política, concreta e subversiva de sujeitos que recusam as práticas de extermínio interessadas em mitigar a sua humanidade. Aqui, consciência não é uma constatação por analogia da presença do outro, mas, sim, uma disputa pelos espaços de poder roubados pela herança de devastação implementada pelo colonialismo; tampouco se limita às molduras restritivas de reconhecimento do outro. Farsa facilmente percebida no instante em que consideramos que o reconhecimento é processo de significação e de legitimação da existência do outro, processo esse completamente estilhaçado pelo racismo.

De forma reiterada, a branquitude, enquanto sistema de poder, faz com que circulem máximas: “é preciso uma consciência humana”, “não devemos ver a cor, pois somos todos iguais, humanos”. Vale ressaltar que raça não é uma categoria essencial, tampouco biológica e, por isso, nossa discussão é mais profunda que essas aspirações demasiadamente comprometidas com a anulação das diferenças, projeto marcadamente colonial. Antes de dizer que somos todos humanos, como uma atualização das teses humanistas modernas, é preciso saber que esse humanismo foi sedimentado na exploração radical de corpos, territórios e sentidos do mundo, significados à distância desse pacto de “igualdade”.

Da mesma maneira, é importante perceber que não há mobilização antirracista no Brasil que se esquive dos insistentes projetos políticos, institucionais, econômicos e pedagógicos comprometidos com a manipulação injuriosa das identidades negras e indígenas. Logo, não ver cor é um exercício de irresponsabilidade radical, uma forma de convencer a si mesmo de que as assimetrias sociais podem ser vencidas no momento em que você diz “não existe, pois eu não acredito ou porque não quero ver”. Todavia, o racismo não surge da crença ou não crença particular de cada um de nós; a sua gênese é histórica, é política, e pavimenta nossas experiências sociais e, por isso, o seu combate deve acontecer também nessas esferas, de modo a implodir as estruturas que nos ensinam, desde cedo, a odiar.

O que está em jogo não é a perda de humanidade de sujeitos não racializados, pois ela foi salvaguardada pelos contratos políticos, modernos e contemporâneos, alimentados pela norma branca, masculina, ciseterobrutal, privilegiada econômica e territorialmente. A importância da consciência negra se desdobra da necessidade de fazer ruir esse pacto, contrato e atmosfera de poder que se beneficia do aniquilamento, de forma multiarticulada do protagonismo, da voz, dos saberes e afetos de sujeitos negros. Logo, não tratamos de separação – pois os que se beneficiam de projetos historicamente separatistas incutidos na racialização colonial não somos nós –, mas, sim, de uma crise no humanismo manchado com o sangue dos/das nossas ancestrais, rumo ao devir de humanismos – no plural – que sejam, inclusive, anticoloniais.

Compartilhe nas Redes Sociais
Anúncio