Da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais: uma abordagem moderna à luz da aplicabilidade das normas constitucionais

Da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais: uma abordagem moderna à luz da aplicabilidade das normas constitucionais

Grupo de Pessoas

Introdução

A doutrina liberal clássica limitou, por muito tempo, a aplicação dos direitos fundamentais à regência das relações públicas em que o Estado fazia parte de um dos polos da relação jurídica. Os direitos fundamentais possuem função de limite ao poder coercitivo estatal que, por sua vez, não se aplicava à esfera das relações privadas. Entretanto, a partir da virada axiológica pelo iluminismo, a doutrina liberal burguesa demonstrou que a visão apenas de direitos fundamentais em sua forma vertical Estado/particular é anacrônica, uma vez que existe violência e opressão na esfera privada, presentes, por exemplo, no mercado, na família, na sociedade civil e empresarial. Nesse sentido, a incidência dos direitos fundamentais nas relações entre particulares é incontornável e necessária para preservar a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, C.F.).

Não obstante, para continuar os estudos acerca da constitucionalização do Direito Privado, é demasiadamente importante estudar conceitos como Direitos Humanos e a sua evolução a partir do pós Revolução Francesa (1789), bem como a terminologia dos Direitos Fundamentais, pois são importantes para a verificação que será analisada posteriormente das teorias e hipóteses de incidência dos direitos fundamentais. O debate acerca do tema iniciou a partir da Lei Fundamental de Bonn (Alemanha Ocidental, 1949) em que delimitou a teoria de eficácia horizontal direta e indireta e, do outro lado da ponte, surgiu a teoria do state action nos Estados Unidos em que não haveria incidência dos direitos fundamentais na esfera privada.

Nessa perspectiva, nota-se que o objetivo do presente trabalho é analisar as hipóteses de incidência da eficácia horizontal dos direitos fundamentais e sua efetiva aplicação nas relações privadas. O método adotado foi o dedutivo com a utilização de instrumentos procedimentais bibliográficos. Verifica-se, em especial, a utilização de teses sobre o tema no direito pátrio e comparado. Almeja-se, como resultado deste trabalho, contribuir para mitigar a relutância na aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas, em homenagem ao fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana.

Do conceito de direitos humanos: uma abordagem moderna e aplicada

Os direitos humanos consistem em um conjunto de direitos os quais são considerados indispensáveis à uma vida humana digna, pautada pelos princípios da liberdade, igualdade e dignidade. Não há, nesse sentido, um rol determinado desses direitos essenciais a uma vida fraterna. As necessidades humanas, dia a dia, variam, e, de acordo com a virada histórica da humanidade, novas demandas sociais e jurídicas são traduzidas juridicamente e inseridas no âmbito dos direitos humanos, demonstrando esse sentido de volatilidade. Portanto, à medida que a sociedade civil evolui, novos direitos humanos surgem para que possamos assistir-lhes (RAMOS, p. 19, 2022).

No decorrer do tempo, uma das lutas mais importantes que aconteceram foi a busca pelos direitos humanos e sua proteção. Nesse sentido, é necessário entender que o direito representa uma faculdade de exigência, ora perante o Estado, ora perante o particular, de determinada obrigação. Existem várias denominações acerca de suas classificações, tendo em vista seu caráter unívoco, porém, é interessante destacar alguns conceitos de direitos humanos trazidos pelo professor André Carvalho Ramos a se classificar como direito-pretensão, direito-liberdade, direito-poder e, por fim, direito-imunidade (RAMOS, p. 19,  2022).

O direito-pretensão significa a busca de algo e, por outro lado, gera o dever  de outrem prestá-lo ou não violá-lo. O direito-liberdade consiste na discricionariedade de agir de determinada forma e, consequentemente, gera um dever negativo de atividade relacionada ao Estado ou a outrem. O direito-poder é a possibilidade de um sujeito exigir determinada prestação ou atividade do Estado ou de outra pessoa. Por fim, o direito-imunidade compreende na autorização dada por um texto normativo a determinado sujeito que o impeça de ser interferido de qualquer maneira (RAMOS, p. 20, 2022).

Da classificação e topografia dos Direitos Fundamentais: uma mudança necessária

De modo inicial, destaca-se a importância da terminologia acerca dos direitos fundamentais na Constituição de 1988, haja vista que foi a primeira vez na história a ser incluída na Carta Magna brasileira. A expressão utilizada na constituição de 1824 era ”Garantia dos Direitos Civis e Políticos”. Em 1891, inspirada nas Declarações de Direitos dos séculos XVII e XVIII, na Inglaterra, Estados Unidos e França, utilizou-se a expressão “Declaração de Direitos” a qual se manteve na Constituição de 1934, de 1937, 1946 e 1967. Nessa perspectiva, ao adotar a expressão Direitos e Garantias Fundamentais, o constituinte originário trouxe uma virada ontológica dos direitos a partir da tendência mundial que surgiu com as Constituições de Portugal de 1946, da Espanha de 1978 e da Lei Fundamental de Bonn, na Alemanha Ocidental, de 1949 (MARTINS, p. 307, 2023).

A Constituição Federal de 1988 trouxe uma mudança secular da topografia do tema em destaque, tendo em vista que os direitos e garantias fundamentais iniciam os primeiros artigos da Constituição, ficando atrás, apenas do título I (Dos princípios fundamentais), e, logo após, surge o título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais). Essa mudança se deu por inspiração da Lei Fundamental de Bonn de 1949, e, em vista disso, foi inspiração para a Constituição da Colômbia, 1991, e do Equador, 1998 (MARTINS, p. 307, 2023).

A topográfica dos Direitos e Garantias Fundamentais demonstra a mudança de valores realizada pela Assembleia Constituinte em 1988, a qual buscou colocar a pessoa humana como preocupação primária e não mais a organização do Estado com seu aspecto formal puro. A preocupação do Estado passa a ser o bem-estar das pessoas, os direitos básicos, que busca dar valor à vida humana, garantindo moradia, lazer, segurança, liberdade, enfim, o mínimo existencial necessário, como preconiza o preâmbulo da Constituição (MARTINS, p. 307, 2023).

Da eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais

O assunto acerca da eficácia horizontal dos direitos fundamentais se desenvolveu principalmente na Alemanha Ocidental, com a Lei Fundamental de Bonn (1949), em que foram gestadas as teorias da eficácia horizontal direta (imediata) e indireta (mediata) na incidência das relações privadas. A partir disso, vale destacar as principais teorias acerca do tema. Nos Estados Unidos, criou-se a teoria do state action, que apregoa a não aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações interpessoais, ou seja, existe uma negação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Essa teoria inicia a partir do pacto federativo americano, em que compete aos Estados legislar acerca do direito privado em detrimento da União (SARMENTO, 2010).

Em sequência, cuida-se da teoria da eficácia horizontal indireta (mediata) a qual determina que a aplicação dos direitos fundamentais necessita da atividade do poder legislativo, ou seja, tem-se uma norma de eficácia limitada. Essa teoria foi desenvolvida por Gunter During na Alemanha Ocidental em 1956. A teoria da eficácia horizontal direta (imediata) dos direitos fundamentais foi desenvolvida por Hans Carl Nipperdey em 1950 e foi a teoria adotada pelo Brasil. Nessa teoria, não há necessidade do legislador como intermediário, pois se aplica diretamente às relações privadas. É um dever que decorre propriamente da Constituição,

Em relação às teorias, ainda que o tema não tenha sido debatido de maneira ampla e aprofundada em nossos tribunais superiores, e que nossa Constituição Federal silencie a respeito, observa-se que prevalece no Brasil a incidência da teoria da eficácia direta/imediata envolvendo Direitos Fundamentais e relações privadas (STEINMETZ, 2004).

Considerações Finais

A eficácia horizontal dos direitos fundamentais é um assunto de muita relevância para o direito constitucional brasileiro. A partir da constitucionalização do direito privado, as relações privadas passaram a ser limitadas no direito pátrio, uma vez que a relação de opressão e violência, como delimitada a doutrina liberal clássica, não está apenas na relação entre particular e o Estado.

Dessa maneira, pode-se concluir que a sociedade atual, em face da globalização econômica e das mudanças sociais, pode intervir nas relações sociais diretamente e acarretar graves danos nos direitos fundamentais como na liberdade, na autonomia, na privacidade e na dignidade. A teoria da eficácia horizontal direta é a que melhor se alinha à efetivação dos direitos fundamentais nas relações interpessoais.

Apesar de a Constituição Federal não tratar diretamente do tema, com cautela, logo no início ela reserva o título II para tratar dos Direitos e Garantias Fundamentais. Portanto, é mister que haja uma mudança de entendimento acerca das hipóteses de interferência dos direitos fundamentais, buscando-se um olhar moderno e crítico, pois as mudanças sociais demonstraram que a esfera interpessoal do direito privado pode acarretar grande desigualdade nas relações privadas. Dessa maneira, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais ingressa no direito constitucional pátrio para trazer estruturas de ponderação e observância dos princípios fundamentais, florescendo-se, assim, um direito mais justo e digno.

 

Referências

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MARTINS, Flávio. Curso de direito constitucional. São Paulo: SRV Editora LTDA, 2023. E-book. ISBN 9786553626010. Disponível em: link. Acesso em: 18  jul. 2024.

RAMOS, André de C. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: SRV Editora LTDA, 2022. E-book. ISBN 9786553622456. Disponível em: link. Acesso em: 18  jul. 2024.

SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil in: A nova interpretação constitucional. Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. (Luís Roberto Barroso – Org.). Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 193-284.

SILVA, Virgílio Afonso Da. A constitucionalização do direito. Os direitos fundamentais nas relações entre particulares.  São Paulo: Malheiros, 2014.

STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004.

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Bruno Marini: Doutorando em Saúde e Desenvolvimento na Região Centro-Oeste pela UFMS. Mestre pela UCDB e Professor de Direito da UFMS. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6574884465123441. E-mail: bruno.marini@ufms.com.br

Pedro Almeida: Acadêmico do 7º semestre em Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5722863224033878. E-mail: garcia.almeida@ufms.br

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