Da Necessidade de Condenação por Dano Moral Coletivo dos Indivíduos que Desviaram Doações e Aplicaram Golpes em Meio às Tragédias no Rio Grande do Sul

Da Necessidade de Condenação por Dano Moral Coletivo dos Indivíduos que Desviaram Doações e Aplicaram Golpes em Meio às Tragédias no Rio Grande do Sul

judges-gavel-book-wooden-table-law-justice-concept-background

Introdução

O presente artigo expõe a necessidade de condenação por dano moral coletivo aos indivíduos que desviaram doações e aplicaram golpes em meio às tragédias ocorridas no Rio Grande do Sul.

Baseando-se em princípios constitucionais, previsões legais, jurisprudência dos Tribunais Superiores e teorias sobre o dano moral coletivo, objetiva-se demonstrar que, além da condenação criminal relativa aos crimes praticados, essas pessoas cometeram atos graves o suficiente para agredir os mais basilares valores éticos da sociedade, o que faz nascer o dever de indenizar.

A conclusão do presente escrito reforça a importância da reparação desse dano, não apenas para fins compensatórios, mas sancionatórios e pedagógicos.

Fundamentos Legais e Constitucionais do Dano Moral Coletivo

A nossa Carta Magna, em seu art. 1º, III, destaca a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

Não resta dúvida de que a conduta de desviar doações, sejam elas em dinheiro ou em mantimentos, bem como a aplicação de golpes a fim de receber valores para si em nome das vítimas do Rio Grande do Sul em meio a uma tragédia sem precedentes, certamente afronta diretamente esse e outros princípios básicos, pois atinge a dignidade das incontáveis vítimas e toda a coletividade que se mobilizou em auxílio.

A atitude acima destacada é extremamente grave, primeiro porque tira dinheiro e mantimento de quem realmente necessita, que está em uma situação crítica, segundo porque desencoraja as pessoas sensibilizadas pela calamidade a fornecer ajuda, o que é grave, porque um cidadão que poderia auxiliar deixar de assim fazer.

Portanto, é indiscutível que esses criminosos, sejam os criadores de auxílios falsos ou aqueles que desviam mercadorias para revenda, violam a dignidade humana e retiram o acesso ao mínimo para incontáveis pessoas, aumentando o sofrimento daquela comunidade que está em extrema vulnerabilidade.

A mesma Constituição, quanto aos direitos fundamentais, no seu artigo 5º, V e X da assegurou a todos os brasileiros o direito à indenização moral decorrente da violação à intimidade, vida privada, dignidade, honra, imagem e demais direitos personalíssimos.

Tais direitos são fundamentais e inalienáveis, e a violação deles justifica a reparação pelo dano moral coletivo. Indo além, no Código Civil, percebemos que o seu artigo 11 “reconhece aos direitos da personalidade, em regra, os caracteres de irrenunciabilidade e intransmissibilidade” (ZOGHBI, 2021).

Portanto, as violações aos direitos sociais, humanos, à dignidade e aos direitos personalíssimos das incontáveis vítimas são patentes e extremamente visíveis, dispensando maiores provas, tratando-se de algo inegociável, devendo ocorrer a condenação dessas organizações criminosas, de seus integrantes e dos indivíduos que tentaram se apropriar das doações para revenda por dano moral coletivo, por afronta aos valores minimamente éticos e essenciais da sociedade.

O dano moral coletivo está igualmente amparado no Código Civil, em especial na expressão “dano” do artigo 944, tal conclusão facilmente se extrai da leitura do Enunciado 456 da V Jornada de Direito Civil.

Para encerrar o presente tópico, não podemos deixar de mencionar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), ao lermos o seu texto, em especial o artigo 11, temos que ele assegura a proteção da honra e da dignidade, estabelecendo que toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade, protegendo-a das inúmeras ofensas ilegais, tal artigo é importante, visto que houve uma afronta massiva à honra, dignidade e reputação das incontáveis vítimas diretas e indiretas das enchentes no Rio Grande do Sul.

Conceito de dano moral coletivo e a jurisprudência do STJ

 O dano moral coletivo está ligado à lesão injusta da esfera moral de toda a coletividade, violando valores éticos e morais sociais. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, já nos esclareceu que a conduta geradora de um dano deve conter “um alto grau de reprovabilidade e transborde os lindes do individualismo, afetando, por sua gravidade e repercussão, o círculo primordial de valores sociais” (STJ, REsp 1.473.846⁄SP, DJe 24.02.2017).

No caso aqui debatido, não há a menor dúvida de que a ação dos responsáveis por desviar doações para fins de revenda e/ou aplicar golpes utilizando a tragédia ora estudada impacta diretamente a moral e os valores sociais coletivos das vítimas das enchentes e também de quem se mobilizou com doações, trabalho voluntário e demais formas para socorrer quem mais precisava no Rio Grande do Sul. Sobre o tema, é importante citarmos a doutrina jurídica:

o dano moral coletivo caracteriza-se como a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Assim, quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial (BITTAR FILHO, 1994).

Não custa reforçar que as agressões à coletividade, no presente caso, foram completamente injustas e sem qualquer justificativa, visto que um grupo de pessoas decidiu enriquecer-se e angariar patrimônio às custas de quem sofre e chora, configurado está o dano moral coletivo, dispensando maiores provas, cabendo ao Ministério Público apenas demonstrar ao Juízo que o réu da Ação Civil Pública participou desses crimes para assim ser condenado a indenizar toda a coletividade. Pondera-se que o Superior Tribunal de Justiça e a doutrina são favoráveis à aplicação do dano moral coletivo in re ipsa:

O dano moral coletivo é aferível in re ipsa, ou seja, sua configuração decorre da mera constatação da prática de conduta ilícita que, de maneira injusta e intolerável, viole direitos de conteúdo extrapatrimonial da coletividade, revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral. (STJ, REsp 1.610.821⁄RJ, DJe 26.02.2021).

O dano moral coletivo é observado in re ipsa, quer dizer, faz-se perceptível e se verifica em decorrência da conduta ilícita que viola de maneira grave interesses de natureza transindividual.

Nesse sentido, não se cogita de prova de prejuízo para a configuração do dano moral coletivo, considerando que esse dano se evidencia do próprio fato da violação — este sim (o fato em si) passível de comprovação. (MEDEIROS NETO, 2015).

Em razão do exposto, não há dúvidas de que o dano moral coletivo restou configurado. É indefensável a prática de desviar doações, revendê-las, criar ‘vaquinhas fakes’, desviar valores e enriquecer-se de maneira criminosa em detrimento das vítimas das enchentes e da boa-fé de quem quer ajudar.

Conclusão

Diante do exposto e considerando o que foi analisado e estudado, é evidente que os atos de desviar produtos doados e aplicar golpes virtuais com doações falsas cometidos em meio às tragédias no Rio Grande do Sul configuram um claro exemplo de dano moral coletivo.

Não podemos tratar esses atos de outra forma, visto que não apenas lesaram individualmente as vítimas das enchentes, mas atingiram profundamente os valores éticos mínimos da comunidade e a moralidade da sociedade como um todo, retirando o básico de quem estava em extrema situação de vulnerabilidade e gerando receios em todo o país para se fazer doações, pois o cidadão que queria ajudar poderia ser vítima de um golpe financeiro.

Portanto, defende o presente escrito que a condenação dos responsáveis deve contemplar a reparação do dano moral coletivo, além das penalidades criminais inerentes aos delitos cometidos, devendo ser observados os critérios de proporcionalidade, moderação e razoabilidade, além de cumprir com a função sancionatória e pedagógica da indenização, já ficando criticada a condenação em valores irrisórios, devemos trabalhar algo significativo, pois as condutas foram gravíssimas e retirou de quem estava necessitado.

O Ministério Público, conforme estabelecido na Legislação (Lei n. 7.347/1985 c/c Lei Complementar n.  75/1993), possui legitimidade para propor Ação Civil Pública contra as pessoas que cometeram esses ilícitos e/ou integraram organizações criminosas para esse fim, podendo pleitear a condenação solidária de todos os envolvidos, conforme apurado pelas investigações policiais nos inquéritos competentes e nos processos criminais.

 

Referências

___________________

BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 12, p. 44-62, out./dez. 1994

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.473.846/SP. Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Terceira Turma. Julgado em 21 fev. 2017. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 24 fev. 2017.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.610.821/RJ. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Quarta Turma. Julgado em 15 dez. 2020. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 26 fev. 2021.

MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. O dano moral coletivo e a sua reparação. 2015. Disponível em: Link. Acesso em: 2 jun. 2024.

ZOGHBI, Priscila Kühl. Poder de Controle e Direito à Privacidade do Trabalhador nas Redes Sociais, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2021.

Compartilhe nas Redes Sociais
Anúncio