A lentidão dos processos judiciais é uma marca registrada do sistema processual brasileiro. Não é incomum relatos de pessoas que, ao terem seus direitos violados, hesitam em buscar o judiciário em razão da sua morosidade.
Inclusive, essa lentidão se mostra ainda mais acentuada na fase executória, apontada como o “calcanhar de Aquiles” do sistema brasileiro por Lenio Luiz Streck e Dierle Nunes.
Conforme destacado por HUMBERTO THEODORO JR., o processo é o meio pelo qual o Estado, por intermédio do Poder Judiciário, ampara as partes para solucionar lides, o que faz por meio da atividade de cognição para reconhecer direitos. Já quando é concretizado o direito de uma das partes e modifica a situação da outra, utiliza-se a atividade da execução.
FREDIE DIDIER JR., PAULA SARNO, LEONARDO CUNHA E RAFAEL ALEXANDRIA (2017, p. 45), preceituam que “executar é satisfazer uma prestação devida”.
Assim, a execução pode ser entendida como um meio do qual o principal objetivo é a satisfação de um direito reconhecido no processo de conhecimento, em decorrência de uma sentença judicial, seguirá as regras do cumprimento de sentença (art. 515 do CPC/15,) caso for um título executivo extrajudicial líquido e certo, seguirá as normas aplicáveis ao procedimento de execução autônomo (art. 784 do CPC/15.), desse modo, o procedimento a ser adotado dependerá do título executivo.
Ocorre que, frequentemente enfrentamos uma série de desafios processuais ao executar decisões judiciais, que é o ponto alto da tutela jurisdicional, resultando em atrasos consideráveis na efetivação da justiça, é o famoso “ganhou, mas não levou”. O rótulo de “calcanhar de Aquiles” não é apenas uma figura de linguagem, mas uma avaliação crítica que demanda uma análise mais detalhada.
Este cenário evidencia uma preocupante realidade em que a demora nos processos judiciais impacta diretamente a eficácia e a acessibilidade do sistema legal, desencorajando muitos indivíduos a buscarem reparação diante de violações, em razão do descredito que tem sido perpetrado.
Destarte, as consequências dessa morosidade não se limitam à ineficácia da tutela jurisdicional, estendendo-se para prejuízos econômicos, perda de bens e uma perda gradual da confiança na justiça como solucionadora efetiva de conflitos.
Portanto, não basta que se tenha o direito reconhecido na fase de cognição se não for possível efetivá-lo na fase executória, isto não condiz com os princípios do devido processo legal e ainda fere o direito fundamental do acesso à justiça.
Nesse ponto é importante destacar que são diversos os fatores que contribuem para demoras significativas nos processos executórios, como: A infraestrutura limitada do Poder Judiciário, complexidade e burocracia dos procedimentos; a cultura de litigiosidade no Brasil, que ainda tem bastante resistência à adoção de métodos alternativos de resolução de conflitos, aliada à preferência por levar disputas até a última instância, dentre outras.
Para superar esse “calcanhar de Aquiles”, é necessário considerar abordagens que modernizem o sistema judicial, investindo em tecnologia e automação. Além disso, a promoção de métodos alternativos de resolução de conflitos e o fortalecimento da cultura de precedentes podem ser fundamentais. Somente por meio de uma abordagem coletiva será possível revitalizar a efetividade do sistema de justiça brasileiro e resgatar a confiança da sociedade.
O professor MARCOS YOUJI MINAMI, em referência a aplicação do Art.139, IV do CPC preceitua que diante de determinadas circunstâncias concretas, em que não há na legislação o procedimento executivo a ser utilizado, ou quando existem, não são aptos a satisfação da tutela executiva, a melhor saída é a utilização dos meios atípicos, reforçando a ideia da flexibilização de procedimentos jurisdicionais na busca pela efetivação da tutela executória.
O artigo supramencionado ampliou o poder geral de efetivação concedido ao magistrado que, além das medidas executivas já existentes, típicas, para obrigar o devedor a cumprir com sua obrigação, poderão também aplicar outras medidas que entenderem necessárias para o cumprimento da obrigação, ou seja, atípicas, de ofício ou mediante requerimento.
O objetivo da tutela executiva é proporcionar a satisfação do direito do credor, previsto em um título executivo judicial ou extrajudicial, quando o devedor se torna inadimplente. Para isso é necessário recorrer a tutela do Estado que dispõe de técnicas e mecanismos para tanto. Todavia, conforme exaustivamente mencionado neste texto, essas técnicas e mecanismos, podem não serem suficientes para proporcionar a tutela pretendida, neste contexto, não há dúvidas de que as medidas atípicas são um importante instrumento de efetivação das decisões, sendo o seu principal objetivo, conforme preconizado no próprio art. 139, IV, do CPC “para assegurar o cumprimento de ordem judicial”, ou seja, corroborar com a eficácia da ordem jurídica, buscando proporcionar de forma satisfativa e célere a tutela devida ao jurisdicionado, nos limites do devido processo legal.
No entanto, importante mencionar que, conforme já discutido e decidido pelos tribunais, em que pese a aplicação do Art. 139, IV, do CPC, ter como principal escopo a contribuição com a celeridade e efetividade dos processos executórios, existem parâmetros de controles que devem ser observados, quais sejam: a aplicação subsidiária das medidas atípicas ante o esgotamento das medidas típicas que se mostrarem ineficazes, sendo possível a relativização desse critério para que a medida atípica possa ser aplicada imediatamente, dependendo do caso concreto.
Ademais, a análise do caso concreto é que dirá se a medida aplicada é proporcional e adequada para alcançar a satisfação da tutela, observando ainda os princípios que regem toda a execução, como por exemplo, o princípio da menor onerosidade, evitando excessos para que a medida coercitiva não se transforme em medida sancionatória. Tudo isto mediante uma decisão fundamentada e que respeite o contraditório e os demais ditames do devido processo legal, como deve ser qualquer ato jurídico.
Portanto, cabe ao magistrado verificar todos estes critérios para aplicar as medidas atípicas, evitando-se decisões arbitrarias, em desacordo com o ordenamento jurídico e que violem o devido processo legal constitucional, bem como os direitos e garantias do executado, fazendo com que este importante dispositivo que tem por finalidade a busca por uma tutela executiva efetiva e célere, se torne um instrumento de abusos e retrocessos.
Dessa forma, em que pese o avanço na busca em solucionar esta morosidade nos processos judiciais brasileiros, este ainda é um grande desafio e, para superar esse obstáculo, é necessário um esforço conjunto para modernizar o sistema, adotar práticas mais eficientes e garantir que a aplicação de medidas atípicas seja feita de maneira justa e equilibrada, em conformidade com os princípios fundamentais do direito.
Referências
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MINAMI, Marcos Youji; Da Vedação ao Non Factibile: uma introdução às medidas executivas atípicas – Salvador: Editora JusPodivm, 2018; consultado em janeiro 2024.
CÂMARA, Alexandre Freitas. O princípio da patrimonialidade da execução e os meios executivos atípicos: lendo o art. 139, IV, do CPC. In: TALAMINI, Eduardo; MINAMI, Marcos Youji (coord.). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: JusPODIVM, 2018. v. 11. Coleção Grandes Temas do Novo CPC. consultado em janeiro 2024.
DIDIER Jr., Fredie, Medidas Executivas atípicas – coleção grandes temas do novo CPC, Juspodivm, 2018. consultado em janeiro 2024
DIDIER Jr. Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução. 8.ed. Salvador: Juspodivm, 2018.
STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle. Como interpretar o artigo 139, IV, do CPC? Carta branca para o arbítrio? 2016. Disponível em: link. consultado em janeiro 2024
TALAMINI, Eduardo; MINAMI, Marcos Youji (coord.). Coleção Grandes Temas do Novo CPC: medidas executivas atípicas, volume 11. Salvador: JusPODIVM, 2018. v. 11. Coleção Grandes Temas do Novo CPC. consultado em janeiro 2024.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, volume 1. 59. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018 consultado em janeiro 2024.