O direito à privacidade é o pilar central da proteção de dados, sendo ainda, que a noção de “privacidade” possui um alcance extremamente amplo no ordenamento jurídico conforme Marcel LEONARD,1
Para Danilo Doneda:
O termo é específico o suficiente para distinguir-se de outras locuções com as quais eventualmente deve medir-se, como a imagem, honra ou a identidade pessoal; e também é claro o bastante para especificar seu conteúdo, um efeito da sua atualidade. Mas esta escolha não é consequência somente das fragilidades das demais opções: ao contrário, ela revela-se por si só a mais adequada justamente por unificar os valores expressos pelos termos intimidade e vida privada.2
Nos últimos anos há um aumento no interesse da sociedade quanto à proteção de sua privacidade e de seus dados pessoais. No entanto, a história nos mostra que esta preocupação não se reserva somente a sociedade atual, mas nos revela que este processo de buscas pela privacidade permeou diversas épocas sempre se amoldando ao contexto existente à época.
O direito à privacidade originou-se inicialmente no contexto doutrinário, sendo reconhecido legislativamente em meados do século XX, pois até o século XIX, não há conhecimento ou registro de uma tutela diretamente ligada à privacidade, pois a mesma era protegida sob fundamento jurídico já existente e sedimentado pela doutrina e jurisprudências ocidentais, tais como o direito à propriedade, à honra, Direito contratual ou, no plano do Direito Público, o direito à inviolabilidade de domicílio e correspondência e à liberdade.3
O reconhecimento legislativo tornou-se necessário em razão do surgimento de novos instrumentos tecnológicos que passaram a possibilitar o acesso e divulgação de fatos de cunho totalmente privado de indivíduos,4 fatos esses que deram início a uma nova era a “era da informação” o que gerou a atualmente conhecida “sociedade da informação”, expressão cunhada por Robert Castells.
Para Manuel Castell o avanço tecnológico é inevitável ele defende ainda que a sociedade caminha a uma verdadeira revolução tecnológica baseada em tecnologia da informação, processamento e comunicação,5 uma realidade já bem presente nos dias atuais.
O acontecimento mais relevante do qual se tem conhecimento onde visualiza o início à formatação de um direito à privacidade e que constitui o marco doutrinário para a tutela da privacidade foi a publicação na Harvard law Review, em 1980, do artigo por título The Right to Privacy escrito pelos advogados Samuel Dennis Warren e Luois Dembitz Brandeis, na ocasião o referido artigo se deu em razão dos excessos cometidos pela imprensa local que divulgou fatos referentes a vida familiar de Samuel Warren, nele há uma construção doutrinária baseada em análises de precedentes referente as quebras de contrato e confiança o breach of contract and confidence, à propriedade, violação de direitos autorais e também alguns casos de difamação.
A publicação deste artigo tornou-se um momento histórico, pois acendeu um debate que proporcionou o início do chamado right to privacy, ou o direito à privacidade, sendo ainda que após 3 anos de sua publicação o Tribunal da Geórgia6 em julgamento do caso Pavesich v. New England Life Ins. Co., em que o autor Paolo Pavesich não teria concedido autorização para o uso de sua fotografia em um anúncio de seguros nem teria declarado as afirmações contidas neles, utilizou argumentos do artigo para embasar a sua decisão.7
Em 1965 o direito à privacidade teve seu reconhecimento constitucional nos Estados Unidos através da 14ª emenda no julgamento do caso Griswold v. Connecticut8 no qual a Corte Americana declarou a inconstitucionalidade de uma lei do estado de Connecticut que proibia o uso e a destituição de contraceptivos, por entender que esta lei feria the right of marital privacy, ou seja, o direito a privacidade conjugal. A partir destes entendimentos o direito à privacidade foi se consolidando, ganhando cada vez mais o reconhecimento jurídico.
O artigo escrito por Warren e Brandeis revela uma preocupação cada vez mais constante da sociedade com a privacidade já naquela época, pois os avanços tecnológicos ocorrem e com ele a busca por informação se tornaram constante de modo os autores identificam essa rápida evolução.
Danilo Doneda reafirma que esse marco doutrinário propôs um novo direito à privacidade ou diga-se um novo right to privacy, assim temos:
[…] é mais que mero reflexo de uma época, fazendo estender sua influência por algumas de suas características: (i) partia-se de um novo fato social, que eram as mudanças trazidas para a sociedade pelas tecnologias de informação (jornal, fotografias) e a comunicação de massa, fenômeno que se renova e continua moldando a sociedade futura; (ii) o novo “direito à privacidade” era de natureza pessoal, e não se aproveitava da estrutura da tutela da propriedade para proteger aspectos da privacidade (iii) no que interessas somente aos EUA, o artigo abriu caminho para o reconhecimento (que, porém ainda retardaria décadas) do direito à privacidade como um direito constitucionalmente garantido.9
O direito a privacidade alcançou sua expressão como um direito autônomo em um âmbito internacional, pela primeira vez, na realização da IX Conferência Internacional Americana realizada em 1948 em Bogotá, com a declaração Americana dos Direitos e Deveres do homem, ao dispor em seu art. 5º que: “Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra os ataques abusivos à sua honra, à sua reputação e à sua vida particular e familiar”. 10
Em 10 de dezembro de 1948 uma Assembleia Geral das Nações Unidas, através do art. 12 da Declaração Universal de Direitos do Homem a privacidade foi reconhecida como direito autônomo com texto: “Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques”.11
Em 1950 foi editada a Convenção Europeia dos Direitos do Homem em seu art. 8º com texto semelhante ao da Declaração Universal de Direitos do Homem, sedimenta a existência do direito à privacidade.12
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Referências
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1. LEONARDI, Marcel. Tutela e privacidade na internet. 11ª ed. Pg. 47 São Paulo: Saraiva, 2012
2. DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. 1º ed. Pgs. 111-112. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
3. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado. Pg. , 88, 439-459. Revista da Faculdade De Direito, Universidade De São Paulo,1993.
4. MENDES, Laura Schertel. Transparência e privacidade: violação e proteção da informação pessoal na sociedade de consumo. Dissertação de Mestrado. Brasília, 2008.
5. CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. Vol 1. A sociedade em rede. Trad: Roneide Venâncio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
6. LIMBERGER, Têmis. O direito à intimidade na era da informática: a necessidade de proteção de dados pessoais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
7. ZANINI, Leonardo Estevam de Assis. O surgimento e o Desenvolvimento do Right of Privacy nos Estado Unidos. Pg. 237. Revista da Ajufe. Associação dos Juízes Federais do Brasil, São Paulo, Letras Jurídicas, 2000.
8. ZANINI, Leonardo Estevam de Assis. O surgimento e o Desenvolvimento do Right of Privacy nos Estado Unidos. Pg. 245. Revista da Ajufe. Associação dos Juízes Federais do Brasil, São Paulo, Letras Jurídicas, 2000.
9. DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. 1º ed. Pg. 139. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
10. OLIVEIRA, Rógério Donizetti Campos. Direito a intimidade e sua proteção baseada nos direitos humanos no mundo. Disponível em: https://bit.ly/3oYEaAf. Acesso em: 12/01/2020
11. Ibidem.
12. Ibidem.