Direito à trabalhabilidade e os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU

Direito à trabalhabilidade e os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU

Agenda 2030

Muitos falam sobre o futuro do trabalho, mas poucos efetivamente se preocupam com ele. Estes autores entendem, que para iniciar toda e qualquer reflexão sobre o porvir do labor, urgente é considerar que não há trabalho exercido amanhã sem que se investa em trabalhabilidade1.

Avançando nesta preocupação, interessante são os estudos que entendem que os ODS da ONU2 formam uma bússola para políticas públicas, investimentos empresariais e sociais ao redor do mundo, como outro caminho fértil para melhor desenvolver o trabalho saudável e sustentavel no amanhã. E, a partir do destaque frente a imprescindível discussão sobre as transformações do mundo do trabalho frente aos avanços tecnológicos e às metas globais de desenvolvimento sustentável, esta reflexão visa responder:  como a inteligência artificial e a automação afetam a trabalhabilidade dos trabalhadores brasileiros, e de que forma os 17 ODS da ONU podem orientar o Direito do Trabalho na construção de políticas públicas e parcerias eficazes para garantir inclusão e proteção social?

A automação e a inteligência artificial (IA) têm remodelado profundamente as relações de trabalho, especialmente ao substituírem atividades humanas por sistemas autônomos em setores como indústria, logística e serviços. De acordo com reportagem da CNN Brasil3, tecnologias como robôs colaborativos e sistemas automatizados vêm ampliando a produtividade, porém também gerando substituição de mão de obra não especializada, aumentando o risco de desemprego estrutural.

Todavia, em sendo considerando um mundo onde o Estado investe em tal competência, tal qual como defende Munaro, mesmo em sendo substituída eventual operação o trabalhador será readaptado, notoriamente através de suas próprias qualidades. Basta ver:

“readaptar-se constantemente ao cenário laboral através de seus próprios predicados; é um trabalhador que se vale de sua própria vocação para o exercício de sua lida; alguém capaz de ressignificar durante todos os dias de sua vida a prática de seu trabalho, proporcionando para si (e para a sociedade) novas e melhores formas de atingir metas e resultados em toda e qualquer atividade. Ou seja, possuir trabalhabilidade é transbordar o que há de melhor através do exercício laborativo, desprovendo-se de rótulos previamente enlaçados, vez que, aos possuidores de tal virtude, a realização laboriosa fundar-se-á em um incessante descobrir novos (e melhores) caminhos a serem navegados.”

Acredita-se, a partir do conceito de Munaro, que se pode ter um início de possibilidade fértil e capaz de garantir postos insubtituíveis. Ademais, A trabalhabilidade, conforme Bulhões, Vasconcelos e Leite4 defendem, é compreendida como a capacidade contínua do indivíduo de se inserir, manter e se desenvolver no mercado de trabalho, a partir da aquisição de competências, formação educacional, atualização constante e adaptabilidade às mudanças tecnológicas e sociais.

Esses conceitos, que vão além do mero emprego, conectam-se diretamente com a noção de dignidade, inclusão e justiça social. A Constituição Federal de 1988 assegura o trabalho como direito social (art. 6º) e impõe a proteção contra a automação (art. 7º, XXVII).5 No entanto, a legislação nacional mostra-se carente para responder às novas dinâmicas laborais mediadas por algoritmos e IA. Entretanto, mesmo assim, demonstra que tem iniciado uma evolução – e preocupação – para reconhecer formas contemporâneas de trabalho.

Segundo Cassar e Martins6, o fenômeno da “desproteção algorítmica” surge como uma nova fronteira de vulnerabilidade trabalhista: algoritmos controlam jornadas, avaliam desempenho e até decidem demissões sem transparência ou possibilidade de contraditório, ferindo princípios fundamentais como a dignidade da pessoa humana e o direito à desconexão. No julgamento do processo TST-RR-1001767-67.2022.5.02.0434, o Tribunal Superior do Trabalho reconheceu o vínculo empregatício de um trabalhador cujas atividade eram controladas por inteligência artificial, caracterizando a chamada “subordinação algorítmica”.

Em outro julgado paradigmático, no processo TST-RR-536- 45.2021.5.09.0892, o Tribunal reconheceu vínculo de emprego entre motorista de aplicativo e a empresa de tecnologia, diante do controle exercido por algoritmos quanto à jornada, remuneração e prestação de serviços, mesmo em ambiente virtual. Os ODS 17, que tratam sobre parcerias e Meios de Implementação do trabalho do futuro, constituem um dos pilares mais relevantes da Agenda 2030 da ONU, pois reconhecem que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável só poderão ser alcançados mediante articulação entre diferentes setores da sociedade.

Aqui, não se pretende discutir se esta-se diante de vínculo empregatício (ou não) quando labuta através destas novas formas de trabalho, mas sim, considerar preocupação mais profunda, ratificando, que se o sujeito possuir trabalhabilidade, independente de possuir vínculo, estará guarnecido pelo Estado na medida que este busca(ria) a sua qualificação constante.

Tornando real essa meta, entende-se pelo fortalecimento da cooperação entre governos, setor privado, universidades e organizações da sociedade civil, promovendo a troca de conhecimentos, recursos e tecnologias para impulsionar políticas eficazes e inclusivas. No campo da trabalhabilidade, isso significa promover ações integradas que envolvam o Estado, empresas, instituições educacionais e movimentos sociais na formulação e execução de políticas voltadas à requalificação profissional, à alfabetização digital, ao acesso igualitário às tecnologias emergentes e à proteção social para trabalhadores impactados pelas transformações tecnológicas.

Para garantir a proteção social dos trabalhadores diante dos impactos da automação e da inteligência artificial, o Direito do Trabalho deve adotar uma abordagem multifacetada, capaz de responder aos novos desafios tecnológicos. Isso inclui o reconhecimento jurídico de vínculos – da natureza que for, mas desde que sejam melhor regulamentados –, mediados por plataformas digitais, especialmente nos casos de subordinação algorítmica, se acaso houver, como já se tem notícia por decisões do TST.

Além disso, é fundamental a criação de marcos regulatórios específicos sobre o uso da IA nas relações laborais, assegurando transparência, direito ao contraditório e à revisão humana nas decisões automatizadas. O ordenamento jurídico pode ainda estabelecer a inclusão obrigatória/conscientização de trabalhadores digitais em regimes de seguridade social, garantindo o acesso a benefícios previdenciários.

Outro método viável é o fomento à negociação coletiva digital, incentivando a celebração de acordos e convenções que protejam os direitos desses trabalhadores. O fortalecimento da atuação fiscalizatória do Ministério Público do Trabalho também se mostra essencial, por meio de medidas como Termos de Ajustamento de Conduta. Por fim, o Direito pode dar base normativa a políticas públicas voltadas à requalificação profissional, especialmente por meio de parcerias intersetoriais conforme preconizam os ODS 17, garantindo que os trabalhadores em ocupações vulneráveis à automação não sejam excluídos do mundo do trabalho.

Dessa forma, os ODS 17 pode orientar o Direito do Trabalho ao incentivar a construção de políticas públicas que transcendam a esfera puramente Estatal, favorecendo parcerias institucionais capazes de ampliar o alcance das ações governamentais. No contexto da automação e da inteligência artificial, ela direciona o desenvolvimento de marcos regulatórios que assegurem que o uso de tecnologias respeite os direitos fundamentais dos trabalhadores. Isso envolve, por exemplo, a criação de programas conjuntos entre o setor público e privado para qualificação e requalificação de profissionais, especialmente aqueles em ocupações mais vulneráveis à automação, e o incentivo à pesquisa acadêmica sobre os impactos das novas tecnologias no mundo do trabalho.

Além disso, os ODS 17 fundamentam a necessidade de diálogo social permanente e transparente, essencial para a construção de normas laborais eficazes e adaptadas à realidade digital. Conclui-se, portanto, que a inteligência artificial e a automação impactam profundamente a trabalhabilidade dos trabalhadores brasileiros, sobretudo os menos qualificados. No entanto, os ODS 17 oferecem uma via concreta para o enfrentamento desse desafio, orientando a criação de políticas públicas inclusivas e a formação de parcerias eficazes. Ao ser incorporada como base estratégica pelo Direito do Trabalho, ela pode contribuir para um futuro laboral mais justo, ético e sustentável, reafirmando os compromissos constitucionais com a inclusão e a proteção social.

 

Notas

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1. Nos termos defendido por Andressa Munaro, na obra: ALVES, Andressa Munaro. A Trabalhabilidade como direito social fundamental: O critério da ponderação como alternativa à sua realização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2023.

2. NAÇÕES UNIDAS. Transformando nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Nova             Iorque:  ONU, 2015. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/91863-agenda-2030-para-o-desenvolvimento- sustent%C3%A1vel. Acesso em: 10 maio 2025

3. CNN BRASIL. Automação industrial: conceito, objetivos e vantagens. CNN Brasil, 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/tecnologia/automacao-industrial/. Acesso em: 24 maio 2025.

4. BULHÕES, Darline Maria Santos; VASCONCELOS, André Brendel de Lemos; LEITE, Emanuel. Trabalhabilidade.            Disponível           em: https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/6806359.pdf. Acesso em: 5 abr. 2025.

5. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 maio 2025.

6. CASSAR, Vólia Bomfim; MARTINS, Rafael Lara. Inteligência artificial: o futuro das relações de trabalho e a desproteção contra a automação. Consultor Jurídico, 24 out. 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-out-24/inteligencia- artificial-o-futuro-das-relacoes-de-trabalho-e-a-desprotecao-contra-a-automacao/. Acesso em: 24 maio 2025.

 

Referências

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ALVES, Andressa Munaro. A Trabalhabilidade como direito social fundamental: O critério da ponderação como alternativa à sua realização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2023.

 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: site. Acesso em: 10 maio 2025.

BULHÕES, Darline Maria Santos; VASCONCELOS, André Brendel de Lemos; LEITE,               Emanuel.               Trabalhabilidade.               Disponível                           em: site. Acesso em: 5 abr. 2025.

CNN BRASIL. Automação industrial: conceito, objetivos e vantagens. CNN Brasil, 2023. Disponível em: site. Acesso em: 24 maio 2025.

CASSAR, Vólia Bomfim; MARTINS, Rafael Lara. Inteligência artificial: o futuro das relações de trabalho e a desproteção contra a automação. Consultor Jurídico, 24 out. 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-out-24/inteligencia- artificial-o-futuro-das-relacoes-de-trabalho-e-a-desprotecao-contra-a-automacao/. Acesso em: 24 maio 2025.

NAÇÕES UNIDAS. Transformando nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.    Nova    Iorque:    ONU,    2015.    Disponível                                 em: https://brasil.un.org/pt-br/91863-agenda-2030-para-o-desenvolvimento- sustent%C3%A1vel. Acesso em: 10 maio 2025.

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (TST). Jurisprudência. Disponível em: https://www.tst.jus.br. Acesso em: 10 maio 2025.

 

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Andressa Munaro Alves – Doutoranda e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário. Professora na UniRitter. Advogada. andressa.castroalvesadv@gmail.com.

Daniele Bandeira Seitenfus – Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter).

Francisco Mello Testa Júnior – Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter).

Mishely Godoy Ferrari – Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter).

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