Direito ao Divórcio: Entre a Letra da Lei e a Mão do Juiz

Direito ao Divórcio: Entre a Letra da Lei e a Mão do Juiz

divórcio

A dissolução do casamento pelo divórcio é tema pacificado no âmbito jurídico, mas até que se alcançasse essa pacificação a sociedade passou por transformações que se refletiram na legislação referente ao direito de família, impactando diretamente a normatização do tema. Uma vez que as convenções e as visões sociais se modificam dia a dia, a sociedade está em constante transformação, e nesse contesto podemos dizer que as questões relativas ao divórcio continuam a evoluir como reflexo das mudanças sociais.

Apenas com o advento da Lei 6.515/77, conhecida como Lei do Divórcio, tornou-se possível aos casais divorciarem-se, e casarem-se novamente; inicialmente, porém, o divórcio só poderia ser realizado uma única vez, limitação posteriormente revogada.

Pela referida lei, durante certo período, o divórcio só estaria autorizado se os casais preenchessem os requisitos temporais e causais estabelecidos nela, e inclusive com imputação da culpa a um dos cônjuges. Somente, com a Emenda Constitucional 66/10, que alterou o S 3º do artigo 226 da Constituição Federal, revogou-se qualquer condição prévia, inclusive quanto ao tempo do casamento, tornando possível o pedido e a decretação do divórcio, independentemente de qualquer justificativa.

Aos menos atentos, pode parecer que a questão do divórcio está completamente pacificada — e, consequentemente, que os casais ou ex-casais estariam mais felizes. Longe disso. E não estamos nem nos referindo às questões de partilha de bens, guarda e alimentos dos filhos — temas que permeiam o processo de divórcio e que, idealmente, devem ser resolvidos de forma simultânea.

Era, ainda, necessário que o Estado permitisse que os casais com maior autonomia, reduzindo ou até eliminando a intervenção do Poder Judiciário.

Nesse sentido, a Lei 11.441/2007 autorizou a realização de divórcios na modalidade extrajudicial, posteriormente regulamentada pelo Provimento nº 37/2016 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), possibilitando a dissolução do casamento e a partilha de bens por meio do Cartório de Notas escolhido pelos cônjuges.

Mas, nesse momento, seriam os casais — ou ex-casais — realmente mais felizes? A possibilidade mencionada se restringia aos divórcios consensuais de casais sem filhos menores ou incapazes. Portanto, apenas uma parte desses casais pôde ser contemplada com essa medida.

Para atender à demanda dos demais, especialmente daqueles que desejavam minimizar a intervenção do Judiciário em suas relações privadas, o Provimento nº 37 foi atualizado em 2024, autorizando o divórcio extrajudicial mesmo para casais com filhos menores — desde que houvesse consensualidade.

Mesmo assim, uma parcela significativa dos casais permanece desatendida, já que a consensualidade é requisito máximo para os divórcios que ficaram conhecidos como “divórcio em cartório”.

Foi nesse cenário que a comunidade jurídica passou a questionar a necessidade de consensualidade nas ações de divórcio, independentemente da modalidade escolhida. Surge, então, a modalidade do divórcio liminar ou unilateral, bem resumida na expressão de Maria Berenice Dias: “Quando um não quer, dois não ficam casados.”

Sendo o divórcio é um direito potestativo, ou seja, que não comporta defesa da parte contrária, a simples manifestação de uma das partes de não desejar permanecer casado é o que basta para a decretação do divórcio; não sendo cabível qualquer impugnação pela parte contrária e até mesmo produção de provas, basta que o juiz homologue o pedido pleiteado.

Mesmo assim, apesar da pacificação quanto a natureza jurídica do divórcio, muitos magistrados, especialmente os de primeiro grau de jurisdição, resistem em decretá-lo de forma liminar, vinculando essa decretação à resolução simultânea de outros pedidos, como a partilha de bens e o pedido de alimentos.

Mantém-se, assim, a exigência de cumprimento integral do devido processo legal, como se a parte contrária pudesse apresentar fundamentos que impedissem o divórcio liminar — o que compromete os princípios da efetividade e da celeridade da prestação jurisdicional. Isso acaba por prejudicar as partes envolvidas e sobrecarregar ainda mais um Judiciário já abarrotado de processos. Frequentemente, os Tribunais acabam por intervir para determinar a decretação do divórcio liminar — o que poderia ter sido feito desde o início, poupando tempo e recursos.

Nem se pode justificar a impossibilidade da decretação do divórcio em virtude da existência da partilha, já que o próprio Código Civil, em seu artigo 1.581, autoriza o cabimento do divórcio sem que haja prévia partilha de bens. Nesses casos, a matéria será objeto de instrução processual e data de separação de fato, passível de produção de prova no curso do processo.

Nessa linha o Enunciado 18 do IBDFAM também orienta: “Nas ações de divórcio e de dissolução da união estável, a regra deve ser o julgamento parcial do mérito (art. 356 do Novo CPC), para que seja decretado o fim da conjugalidade, seguindo a demanda com a discussão de outros temas”.

O divórcio é sempre um fato incontroverso, expressão da livre manifestação de vontade; mesmo que a data da separação de fato — distinta do próprio divórcio — será o marco temporal relevante para partilha de bens e obrigações decorrentes do matrimônio.

Para além da perspectiva jurídica, é fundamental considerar que o tempo de tramitação do divórcio interfere diretamente na vida cotidiana dos casais, que seguem vinculados para diversos atos da vida civil, como a necessidade de outorga marital — o que se revela desnecessário e contraproducente.

Não há dúvida que essa modalidade de divórcio liminar veio para ficar. E, mais cedo do que se imagina, o Judiciário terá de se adequar a essa realidade — não apenas em razão da natureza jurídica do instituto, mas também para proteger os envolvidos dos danos emocionais decorrentes de processos longos e conflituosos.

E, se hoje o Judiciário encontra dificuldades para decretar o divórcio de forma liminar, , mesmo diante de fundamentações jurídicas sólidas, os próximos capítulos já sinalizam que, em breve, estaremos diante da figura do divórcio impositivo.

Mas esse é um tema para o próximo capítulo — ou melhor, para a nossa próxima conversa.

 

Referências

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BELINE, Aline. Tudo o que você precisa saber sobre Divórcio Unilateral. www.jusbrasil.com.br/artigos/tudo-o-que-voce-precisa-saber-sobre-divórcio-unilateral/1297537903?msockid=0a81ca16cd7e682f220edf29cc29699e

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 16ª edição – São Paulo. Editora Jurispodium, 2023.

MIGALHAS, Redação. O drama da cabeleireira que demorou 25 anos para conseguir o divórcio. site.

NEVES, Mariane Bosa de Lins. Divórcio por liminar: um direito potestativo. site.

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