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Direito da Energia: definição e repercussão

Hidrelétrica

A energia elétrica está intrinsecamente conectada ao desenvolvimento econômico e tecnológico. Historicamente, foi a partir da Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, que a produção de energia elétrica em larga escala se tornou fator essencial para o progresso. Conforme Sanches (2018, p. 63) se a considerarmos como ponto de inflexão para urbanização do planeta, torna-se indispensável compreendê-la sob sua dimensão energética, pois, sem a transformação do petróleo e do carvão, o mundo não teria atingido o atual estágio de desenvolvimento.

A Revolução Industrial marca também o início de um capitalismo baseado no consumo, sem fronteiras. Eclode o pensamento utilitarista, com a convicção de que o progresso material não conhece limites (Comparato, 2014, p. 75). Por muito tempo, entendeu-se que a evolução técnica não deveria ser impedida por razões de ordem moral, de preservação do bem público ou mesmo pela proteção à saúde ou ao meio ambiente (Comparato, 2014, p. 75). As consequências disso já vem sendo sentidas em cada vez maior crise global, social e climática.

O Brasil caminhou por diversas formas de geração de energia e as suas legislações evoluíram com o progresso da tecnologia. Da chegada dos portugueses ao país até o final do século XVIII, o desenvolvimento de energia se deu de forma extensiva, por meio da queima de madeiras, da tração animal e do emprego de ventos para navegação (Sanches, 2018, p. 64). Com o advento da República, em 1889, e as consequentes mudanças sociais da época, como a abolição do trabalho escravo e a chegada de imigrantes europeus, começou o processo de introdução de equipamentos elétricos e melhorias na iluminação pública.

Destaca Sanches (2018, p. 65) que o jurista Rui Barbosa foi o pioneiro no Direito da Energia, redigindo, em 1899, o memorável artigo “Lixo, força e luz” escrito no periódico “A imprensa”, no qual tratou sobre a importância da utilização da biomassa. Começa a legislação, nesse momento, a tratar da iluminação dos teatros e da implementação do bonde elétrico no Rio de Janeiro.

Em 1934, três importantes normas foram promulgadas: (I) a Constituição Federal de 1934, atribuindo a competência privativa da União em legislar sobre águas, no art. 5º, XIX, “j”; (II) o Código de Águas, para permitir o controle e o aproveitamento industrial das águas, definindo de forma minuciosa a propriedade e o aproveitamento dessas; e (II) o Código Florestal, que embora possua aspectos de preservação ambiental, era instrumento de regulação do setor de “lenha”, estratégico à época, e de intervenção na indústria cafeeira.

A obra “Curso de direito da energia” foi publicada em 1978 pelo professor Walter Tolentino Álvares, no decorrer de seus extensos estudos, tratando das diversas formas de geração de energia e da sua utilização para promover o bem-estar da sociedade. A partir desses conhecimentos, Sanches (2018, p. 63) leciona que o direito da energia deve ser compreendido como “o estudo das relações jurídicas pertinentes à disciplina de utilização de resultantes tecnológicas de energia com repercussão econômica”. Destaca que as técnicas de engenharia devem conviver com as econômicas e jurídicas respeitando quatro parâmetros:

 

(I) a energia, como substância, como estofo do universo;

(II) resultantes tecnológicas, como a consequência do desenvolvimento da energia pela técnica proveniente do progresso das ciências;

(III) repercussão econômica destas resultantes ao envolverem a energia, assim comunicando um teor de economicidade à energia sob formas tecnológicas; e

(IV) utilização no meio social, desta energia sob manto tecnológico e portadora de consequências econômicas (Sanches, 2018, p. 63).

 

O autor ensina que o efeito tecnológico e a consequência econômica invocam a existência de uma área de estudo de aplicação ao meio social que, por meio da lógica formal e material, consubstancia uma disciplina jurídica: o Direito da Energia (Sanches, 2018, p. 63). Guimarães (2020, p. 1), observando-o como ramo autônomo, destaca alguns princípios: (I) a segurança no aprisionamento energético; (II) a eficiência energética; (III) o não retrocesso na utilização de tecnologias; (IV) o acesso universal à rede de distribuição de energia e a (V) liberdade energética. Assim, o Direito da Energia analisa as mais diversas legislações que regulam o setor de energia no país, sob premissas econômicas, sociais e ambientais.

Extrai-se, portanto, a preocupação social e ambiental do Direito da Energia. É matéria multidisciplinar que observa aspectos do direito público e privado, direito administrativo e tributário, direito constitucional e civil. Ademais, possui estreita relação com o direito ambiental, que pode ser definido como norma que, baseada no fato e valor ético ambientais, estabelece mecanismos normativos para disciplinar as atividades humanas (Antunes, 2023, p. 3).

Na atualidade, duas legislações merecem destaque: (I) a Lei n. 9.478 de 1997 e (II) a Lei n. 10.438 de 2002. A primeira instituiu a Política Energética Nacional, para o aproveitamento racional das fontes de energia elétrica, promover o desenvolvimento nacional proteger os interesses do consumidor, proteger o meio ambiente e promover a conservação de energia e utilização de fontes renováveis. A segunda, instituiu o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), para aumentar a participação de energia elétrica produzida por empreendimentos autônomos, ou seja, não relacionada às concessionárias de energia.

Portanto, o Direito da Energia possui função essencial na regulação das fontes energéticas no país, determinante para o fomento das indústrias, para a conservação de energia e para o desenvolvimento sustentável. É matéria que aparenta ser inovadora, mas vem sendo explorada desde o final do Século XIX. Se aprofundou com os diversos estudos realizados pelo professor Walter Tolentino Álvares ao longo de sua trajetória acadêmica; e, recentemente, com a obra “Curso de direito de energia”, publicada pelo professor Luiz Antônio Ugeda Sanches em 2011.

Por fim, observa-se a importância das normas “de energia”, imprescindíveis para as melhorias de infraestrutura no país e em definir o rumo da produção de energia elétrica. No atual contexto de globalização, a matéria está preocupada com a promoção de direitos sociais, por meio do acesso à energia elétrica, e de direitos ambientais, dada a urgente necessidade de implementação de fontes alternativas.

 

Referências

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ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. Barueri: Atlas, p. 3, 2023.

COMPARATO, Fábio Konder. A civilização capitalista: para compreender o mundo em que vivemos. São Paulo: Saraiva, p. 75, 2014.

GUIMARÃES, Lucas Noura de Moraes Rêgo. ODireito das Energias Renováveis” enquanto campo de interseção entre Direito da Energia e Direito Ambiental. In: COSTA, Hirdan K. De Medeiros; MIRANDA, Mariana Fernandes. Temas de Direito Ambiental: 30 anos da Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018. Disponível em: https://www.linkedin.com/pulse/rela%C3%A7%C3%A3o-entre-direito-da-energia-e-ambiental-noura-guimar%C3%A3es-phd/?originalSubdomain=pt. Acesso em 28 jan. 2024.

SANCHES, Luiz Antônio Ugeda. As Smart Grids e as Energias Renováveis. In: Anderson Schreiber, Carla Amado Gomes, Nathalie Giordano (Coords); Centro de Estudos Jurídicos da Procuradoria Geral do Estado (Org). Sustentabilidade e energia: um diálogo ibero-brasileiro Rio de Janeiro: PGE-RJ, Centro de Estudos Jurídicos-CEJUR, p. 63-72, 2018.

SANCHES, Luiz Antônio Ugeda. Curso de direito da energia: da história, tomo I. São Paulo: Instituto Geodireito Editora, 2011.

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