Há tempos questiona-se acerca da continuidade dos vínculos ditos “formais” nos termos apregoados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Com sua redação original da “fábrica 1943”, o principal texto destinado aos trabalhadores do Brasil regulamenta relações que são movidas por uma ideia de empregabilidade, herança de um passado remoto, onde a execução das atividades era, em sua maioria, das 09h às 18h. Realidade paradoxal ao que se vive hoje, pois o diploma é fruto de situações construídas para uma população que tinha por força predominante de trabalho as atividades industriais, onde sonhava-se em conquistar um emprego para a vida toda e nele permanecer.
O questionamento que se dedica esta reflexão é: qual realidade nos representa hoje?
Aprendemos a aceitar que o “bom trabalho” era o realizável dentro de grandes indústrias, ou algum que através da conquista de certo “diploma” fosse possível alcançar. Bons trabalhos eram conquistados através das profissões ditas importantes para a sociedade, mesmo que essa escolha (ainda feita na adolescência), estivesse afastada de qualquer preocupação com a realização pessoal daquele que executava essa atividade, pois talvez incentivada por parentes de gerações ainda anteriores.
O fato é que: não estamos mais nos anos quarenta.
Comuns são as notícias de profissionais que prezam por sua liberdade na realização de ofícios, o nomadismo digital ganha espaço, e a jornada de trabalho – que já está sendo questionada1 –, não é mais engessada através dos ponteiros do relógio (que, também, agora é digital). Somos a era que enaltece a produção. Isto é, o quanto se deseja trabalhar e/ou o quanto ainda se encontra apto para tanto, realidade que talvez justifique o número de demissões voluntárias e seu recorde em 20242.
Aliás, isto é movimento natural. Basta ver, que a Inteligência Artificial vem, pouco a pouco, substituindo postos de trabalho, dada agilidade de realização de tudo aquilo que é facilmente reproduzível. Certeza que relembra preocupação antiga, pois desde os idos de 1988, quando do processo Constituinte, o fantasma da automação já era assunto que circulava, e que ficou esquecido dentro da promessa de proteção até hoje não transformada em lei, consoante o final do inciso XXVII, do artigo 7º, da CF.
Por isso, não espanta que as novas gerações ingressantes no mercado de trabalho possuam outras metas de vida, outros propósitos para com o seu trabalho. E aqui não se fala em desassociação das metas que seus ascendentes possuíam, mas evolução destas. O trabalho não é mais – unicamente – fonte de subsistência, mas atividade que se confunde com a própria identidade do trabalhador. Trabalho é ação que denota boa parte da vida daquele que lhe realiza, trabalho é movimento pessoal e humano na busca de (melhores) respostas sociais.
O bom é que os trabalhadores que possuem trabalhabilidade, conforme esta autora já definiu outrora3, tendem a:
“readaptar-se constantemente ao cenário laboral através de seus próprios predicados; é um trabalhador que se vale de sua própria vocação para o exercício de sua lida; alguém capaz de ressignificar durante todos os dias de sua vida a prática de seu trabalho, proporcionando para si (e para a sociedade) novas e melhores formas de atingir metas e resultados em toda e qualquer atividade. Ou seja, possuir trabalhabilidade é transbordar o que há de melhor através do exercício laborativo, desprovendo-se de rótulos previamente enlaçados, vez que, aos possuidores de tal virtude, a realização laboriosa fundar-se-á em um incessante descobrir novos (e melhores) caminhos a serem navegados.”
É certo que os moldes celetistas de empregabilidade não serão exterminados por completo, haja vista que inclusive no ano de 2024 (também) viveu-se o período de maior celebração4 deste, dados que não podem ser desconsiderados. Todavia, importante que no ano corrente também se lance luzes – não estigmatizadas as novas formas de trabalho –, pois estas também existem, e talvez toda essa intensidade e desejo pelo novo, seja a própria busca por identidade no trabalho.
Em verdade, parece que os novos ventos do mundo laboral devem se preocupar com o desenvolver da trabalhabilidade de todo e qualquer trabalhador, vez que somente sendo possuidor de tal característica, é que se tornará possível estar trabalhando – em todo e qualquer ofício, haja vista a capacidade de adaptação constante.5 Por isso, não se pode negar que a cada novo amanhecer, as promessas de um futuro novo são renovadas, motivo pelo que urge-se pelo reconhecimento pleno e irrefutável de que os vínculos formais celetistas, não são (os únicos) de possível celebração e reconhecimento hoje, amanhã e daqui pra frente.
Referências e Notas
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1. Haja vista a proposta de redução da jornada constitucional recentemente debatida com a Proposta de Emenda Constitucional. (BRASIL. Proposta de redução da jornada de trabalho e fim da escala 6×1 gera debates no Plenário da Câmara. O texto, que estabelece jornada de quatro dias por semana e três de descanso, precisa do apoio de 171 deputados para começar a tramitar. Trabalho, Previdência e Assistência. 12/11/2024. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/1110526-proposta-de-reducao-da-jornada-de-trabalho-e-fim-da-escala-6×1-gera-debates-no-plenario-da-camara/. Acesso em 01 jul. 2025.).
2. GOMBATA, Marsílea. Demissão voluntária bate recorde em 2024 com mercado aquecido. Valor Econômico. 07/02/2024. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/07/15/demissao-voluntaria-bate-recorde-em-2024-com-mercado-aquecido.ghtml. Acesso em 01 jul. 2025.
3. ALVES, Andressa Munaro. A Trabalhabilidade como direito social fundamental: O critério da ponderação como alternativa à sua realização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2023. p. 139.
4. MACIEL, Nathália; NOLETO, Sheily. Brasil cresce em empregos e tem menor taxa de desocupação em dez anos: Setores de transporte, informática e serviços pessoais puxaram alta. Radio Agência. 09/10/2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/economia/audio/2024-10/brasil-cresce-em-empregos-e-tem-menor-taxa-de-desocupacao-em-dez-anos. Acesso em 31 jul. 2025.
5. ALVES, Andressa Munaro. A Trabalhabilidade como direito social fundamental: O critério da ponderação como alternativa à sua realização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2023.