A possibilidade de aplicação de um direito penal regionalizado depende da adoção de uma forma de Estado federativa.
Ao abordar a temática do Estado federativo, cumpre inicialmente fazer uma breve distinção dos termos federação e federalismo. O primeiro está ligado a um aspecto institucional, enquanto o segundo está ligado a noção de pluralismo, na perspectiva de defesa das várias formas de identidades sociais e coletivas. Depreende-se dessas definições que federação está contida em federalismo.
Cumpre destacar que o federalismo só existe no contexto de um Estado Democrático de Direito, ou seja, em situação jurídica na qual há a garantia aos direitos humanos, por intermédio de uma proteção jurídica, na qual todos estão indistintamente submetidos ao ordenamento jurídico, e todos participam do processo político.
Desse modo o federalismo garante a autonomia pública, na medida em que ressalta os direitos de participação do cidadão, por meio da expansão dos espaços de comunicação, bem como a autonomia privada, na medida que o cidadão pode defender suas concepções individuais no exercício do direito à participação.
A coexistência da garantia da unidade e diversidade, explicita o caráter incompleto do federalismo, estando o mesmo em contínua perpétua construção, ressaltando que uma das garantias tem de se sobressair a depender de determinadas características, em especial, circunstâncias sócio históricas. Embora, uma das garantias se sobressaia, há sempre a possibilidade balançar, ou seja, de alternância, decorrente do caráter incompleto atinente ao federalismo, estando o mesmo em um contínuo aperfeiçoamento.
Fez a opção por tratar primeiramente do princípio do federalismo, pois a forma federativa de Estado está relacionada com os pressupostos do federalismo. Nesse ponto cabe apartadamente fazer referência ao termo federação propriamente dito.
O termo, federação, portanto, é utilizado no sentido de forma de Estado, orientado pelo princípio do federalismo, de modo que hoje tem por escopo resolver questões de interdependência de poder em uma sociedade plural, em que o poder se dissolve na sociedade. Nesse sentido, estruturalmente há uma divisão territorial do poder, divisão essa para atender as demandas diversas, por isso o caráter democrático.1
A divisão do poder refere-se a autonomia atribuída aos Estados-Membros, ou seja, estes detêm competência legislativa. Essa autonomia consiste em um poder não derivado de uma permissão do poder central. Assim os Estados-membros poderão organizar-se em conformidade com suas características próprias desde que não inviabilizem a unidade, objetivo comum, as várias diversidades.
Pode ser atribuída uma maior ou menor autonomia aos Estados-Membros, ressaltando que essa autonomia só se manifesta em havendo repartição de competências.
Há um caráter regionalista de edição de leis, inclusive em matéria penal, no modelo de federação estadunidense, decorrente do contexto histórico, e do intuito dos Estados-Membros em terem asseguradas a sua autonomia.
Embora nítido esse caráter regionalista, em razão da incompletude inerente ao modelo federalista, abre-se espaço para a alternância entre um caráter mais regionalista para um caráter mais uniforme e vice-versa, mesmo que seja parcialmente como é o caso de diversas organizações estadunidenses que tem realizado esforços com o fim de uniformizar os distintos Direitos Estatais, e alguns resultados têm sido parcialmente exitosos. Os organizadores principais são o American Law Institute (ALI) e a Uniform Law Comission (USL), também denominada National Conference of Commissioners on Uniform State Laws. Dentre os projetos os que mais teve êxito foi a padronização de diversos direitos em um código comercial uniforme e um modelo de Código Penal.2 18
Enquanto, há um caráter centralista de edição de leis no modelo de federação brasileiro, de modo que a maior parte das competências legislativas é da União, inclusive a de matéria penal (art. 22, I, CF),3 embora a Constituição brasileira admita que Lei complementar autorize os Estados a legislar sobre questões específicas de direito penal (art. 22, p. único, CF).4
Ressaltando que, em razão do caráter balançar do federalismo é possível a rediscussão de competências, inclusive referente a edição de leis sobre matéria de direito penal, entendimento esse em consonância com a Constituição da República Federativa do Brasil que embora estabeleça como cláusula pétrea a forma federativa de Estado (art. 60, §4º, I, CF),5 nada obstaculiza a rediscussão de competências, haja vista essa característica balançar ser inerente ao federalismo.
[…] desde logo, afastar a principal crítica inerente ao caráter regionalista para fins penais, em relação ao princípio da igualdade, o qual, não se vê violado, uma vez que os direitos de igualdade possuem uma singularidade que os diferencia dos outros direitos fundamentais, já que possuem um âmbito de proteção no qual contempla-se diferentes domínios, mas, cujas intervenções, para serem consideradas legítimas restrições, devem ter uma justificação constitucional.6
Diante dos argumentos supracitados, propõe-se uma a mudança do modelo federalista brasileiro um com características regionalistas se justifica sob a égide de quatro argumentos: a) a característica uniforme não atende as particularidades regionais que merecem diferenciações, principalmente em razão do contingente da população brasileira. Ainda sempre que se adotou um critério centralizador no Brasil incorreram-se em intervenções militares; b) a uniformidade é inadequada a realidade brasileira, uma vez que os representantes devem representar os Estados membros, e não se atrelar a questões de interesses grupais como o é hoje; c) a influência da mídia, dominada por grupos restritos, sobre a política criminal, acaba por ensejar propostas de lei penais que atendem somente a realidade local dos grupos que controlam a mídia, e não levam em conta particularidade de outras regiões; d) há no Brasil, uma participação mitigada dos indivíduos nas questões do Estado, o que pode ser alterado se caso, oportunizar-se a participação destes nas questões do Estado.
Estruturar um Estado federal, e opção por um modelo uniforme ou regional, é tarefa árdua, demanda a conjugação de diversas variáveis, deve-se sempre fazer uma leitura apurada da situação contemporânea consubstanciada com a demanda da sociedade, sem prejuízo de eventuais alterações de modelo frente ao caráter de incompletude do federalismo, sob pena de determinar o esvaziamento da própria essência do federalismo.7
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Clayton Douglas Pereira Guimarães
Referências
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1. GUIMARÃES, Clayton Douglas Pereira. Direito Penal Regionalizado: apto a promoção da tutela eficiente dos bens jurídicos. Belo Horizonte: Publicação independente, 2021, p. 17.
2. GUIMARÃES, Clayton Douglas Pereira. Direito Penal Regionalizado: apto a promoção da tutela eficiente dos bens jurídicos. Belo Horizonte: Publicação independente, 2021, p. 36.
3. Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://bit.ly/2Ti0aIT. Acesso em: 16 jul. 2021.)
4. Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://bit.ly/2Ti0aIT. Acesso em: 16 jul. 2021.)
5. Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://bit.ly/2Ti0aIT. Acesso em: 16 jul. 2021.)
6. GUIMARÃES, Clayton Douglas Pereira. Direito Penal Regionalizado: apto a promoção da tutela eficiente dos bens jurídicos. Belo Horizonte: Publicação independente, 2021, p. 70.
7. GUIMARÃES, Clayton Douglas Pereira. Direito Penal Regionalizado: apto a promoção da tutela eficiente dos bens jurídicos. Belo Horizonte: Publicação independente, 2021, p. 74.