De forma surpreende ou não, entre o intervalo de quatro gerações e pouco mais de 40 anos, a forma como se o executa o trabalho alterou-se sobremaneira. Além do risco da extinção de certas profissões, a realização de ofícios, hoje, possivelmente não se assemelhe à forma como os antepassados próximos o executavam e, tendencialmente, não será idêntica ao que os descendentes executarão. O evoluir das gerações impactou a forma como se enxerga (e como se vive) o labor.
Para melhor ilustrar esta reflexão, far-se-á o recorte temporal suficiente a abarcar o período de existência e vigor, no Brasil, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sabidamente surgida em período de industrialismo, o que nos fará visualizar a relação com o trabalho desde a geração dos “baby boomers” à geração “z”.
Os baby boomers1 (nascidos entre 1946 e 1964), são parte de uma geração que observou o nascimento da tecnologia da informação e comunicação, que vivenciou (r)evoluções e lutas por igualdade de gênero, fato que explica sua ansiedade pela preservação de direitos civis. Os nascidos nesse período, foram ensinados a buscar um emprego para a vida toda e a ter responsabilidade financeira para, no futuro, possuir boa aposentadoria e bem-viver a vida pós-trabalho. São trabalhadores subordinados, regidos pela égide da CLT e forjados em um cenário de proteção Estatal trabalhista. Pode-se dizer que os nascidos neste período visavam estabilidade. Escolhiam suas profissões ainda na pré-adolescência e possivelmente as desempenhariam até o final de suas vidas. Algumas profissões eram compreendidas como “estáveis”, tornando possível este pensamento laboral a longo prazo (medicina, advocacia, engenharia, etc).
A Geração X (1965 e 1980), também chamada de geração Coca-Cola2, começou a idealizar a possibilidade de viver de ofícios (não) apenas técnicos, mas também oriundos de atividades artísticas. Não é à toa, que foi período em que diversas reconhecidas bandas no cenário brasileiro foram gestadas – viver de arte não era mais utopia. Ainda que comedida, a liberdade era palavra de destaque, conjuntamente à busca pelo novo. As novidades batiam a porta, a tecnologia ganhava mais espaço, as indústrias cresciam, o mercado de trabalho estava em efervescência, mas as capacidades técnicas ainda eram uma questão a ser buscada para ter trabalho.3 A principal diferença entre os babys boomers e os X’s, é que os segundos eram cientes de que suas vagas de trabalho deveriam ser disputadas e que a melhoria nas condições de trabalho dependeria de sua organização e reivindicação.
A Geração Y ou Millennials (1981 e 1996), foi gestada e cresceu dentro do cenário tecnológico. É a geração da criatividade, da rápida absorção de conteúdos, são cidadãos do mundo e possuem plena consciência de que o trabalho é exercido dentro de um grande globo, este, indubitavelmente, interconectado.4 É a geração do “tudo-ao-mesmo-tempo-agora”, que entende que é possível trabalhar através das plataformas digitais, pois desde a mais tenra idade possuem equipamentos telemáticos, são filhos das novas profissões e não se assustam com o novo. Compõem a geração dos desapegos, que almeja um trabalho que não apenas lhes sustente, mas lhes proporcione liberdade, realização pessoal e bem-estar. Entendem que o trabalho pode ser realizado em todo e qualquer lugar, pois dominam o manejo de artefatos tecnológicos que assim possibilitam trabalhar.
Nesse ínterim, apesar da Carta Constitucional brasileira garantir o direito do trabalho, consoante o artigo 7º, dispondo de trinta e quatro incisos que bem albergam as relações empregatícias, percebe-se que talvez todo este emaranhado legislativo não atenda mais o novo trabalho e as novas gerações. O passar do tempo demonstra que o emprego deu espaço ao trabalho não subordinado, aquele que nem sempre está vinculado a proteção dada pelos textos legislativos. Vive-se mudança de paradigma social.
A Geração Z (1997 e 2010), os recém-chegados ao mundo do trabalho, extravasam o que a geração deles antecedeu e acompanham essa nova realidade. Os Z’s sepultaram as dúvidas acerca do trabalho em qualquer lugar, pacificando o nomadismo digital. São empreendedores natos5, fato que naturaliza sua mudança constante de profissão, além de possuírem apreço pela flexibilidade no trabalho, adaptando-se facilmente a novos desafios. Os “Z’s são caracterizados pela volatilidade, […] visão crítica e tolerância, […] são frutos do mundo extremamente “fluído” em que já nasceram, bem como pelo turbilhão de informações que está a eles disponível.”6 A evolução cronológica das gerações demonstra que, dos baby boomers aos Z’s, se vai de uma lealdade incondicional ao empregador, a uma lealdade à si próprio. Ou seja, para esta geração, o trabalho deve ser fator de desenvolvimento pessoal.
É claro que o estudo descritivo das gerações pode demonstrar pequenas divergências, mas isso não exclui a certeza, de que em aproximadamente 40 anos, o mundo do trabalho e os trabalhadores observarão mudanças bruscas. Até aqui viveu-se a alteração na noção de projeto de vida: foi-se do sonho de emprego para vida toda ao trabalho significativo, mesmo que temporário e não subordinado.
Daí a dúvida: seria o trabalho fator determinante nas mudanças das gerações, ou seriam as flutuações valorativas das gerações ensejadoras das mudanças no trabalho?
Enfim, o “sonho do emprego pela vida toda” deu espaço ao do “trabalho que realize e desenvolva o trabalhador”. A profissão, que antes deveria ser bem-vista perante a sociedade, deu espaço ao trabalho que faça sentido unicamente a quem realiza. No trabalho, o “sou” tornou-se “estou”, e a relação de trabalho existirá enquanto essa atividade corresponder às expectativas pessoais do trabalhador.
As mudanças geracionais impactaram na configuração do sentido do trabalho e, atualmente, trabalho que faz sentido é o que desenvolve o trabalhador enquanto ser humano.
Referências
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1. Redação Hora. “Baby boomers”: as características dos nascidos após a Segunda Guerra: Nascidos após a Segunda Guerra Mundial, essa geração testemunhou e participou diversas mudanças culturais e tecnológicas. NSC Total. 21/02/2024 – 11:14. Disponível em: https://www.nsctotal.com.br/noticias/baby-boomers-caracteristicas-nascidos-apos-a-segunda-guerra. Acesso em: 19 jul. 2024.
2. Codinome oriundo da música da banda Legião Urbana, “Geração Coca-Cola”, lançada em 1985, que retratava a vida de jovens nascidos em período ditatorial e que iniciaram o movimento de (re)democratização do país.
3. Gerações X, Y, Z e Alfa: como cada uma se comporta e aprende. Bei Educação. [S.I.] Disponível em: https://beieducacao.com.br/2021/03/09/geracoes-x-y-z-e-alfa-como-cada-uma-se-comporta-e-aprende/. Acesso em 19 jul. 2024.
4. Gerações: tudo sobre geração X, Y, Z alpha, beta: Conheça todas as gerações X, Y, Z, Alpha e Beta, entenda qual o comportamento e as tendências de tecnologia para se comunicar com elas. PontalTech. [S.I.] Disponível em: https://pontaltech.com.br/blog/marketing/geracoes-x-y-z-alpha-beta/. Acesso em 19 jul. 2024.
5. OLIVEIRA, Aline. Quem é a Geração Z? Quais as características mais marcantes?. MindMinders. 10/11/2022. Disponível em: https://mindminers.com/blog/quem-e-a-geracao-z-caracteristicas/. Acesso em 19 jul. 2024.
6. FINCATO, Denise Pires; WÜNSCH, Guilherme; SCHNEIDER, Pedro Guilherme Beier. O Direito e as Metamorfoses do Trabalho: Desafios e perspectivas do direito do trabalho em um cenário de transformações. Londrina: Thoth Editora, 2021, p. 31.