É preciso quebrar os pactos que constroem o corpo público

É preciso quebrar os pactos que constroem o corpo público

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Compreendemos que o corpo público é resultado de um conjunto de operações políticas que desidratam profundamente a humanidade de sujeitos. As rotas de precarização são pavimentadas pelo interesse destrutivo de construir imagens falidas, destroçadas e compostas como justificativas para que se violente corpos. Nessa discussão o termo “público” perde qualquer caráter de pertença ou de reconhecimento, mas, em outra lente, designa a reificação radical de um corpo, de uma presença, que pode ser vitimada, pois, sobre ela não recai nenhuma premissa de validação.

O corpo público está aquém do reconhecimento, pois, a sua presença indica a fronteira entre o humano e o desumano. As políticas de extermínio operacionalizadas pelo racismo, misoginia, ciseterobrutalidade, por exemplo, atuam ostensivamente na destruição de corpos que, através dos seus marcadores de diferença, devem ser apreendidos como descartáveis.

Como informamos, “público”, nesse contexto, não possui conotação de pertença, coalizão ou acesso a direito. Ao contrário, sujeitos descritos por sistemas políticos discriminatórios são reiteradamente alocados fora dos terrenos da dignidade. A igualdade é sistematicamente articulada para acirrar o pacto entre os sujeitos que elegem a si como normativos e, em simultâneo, serve como princípio de espelhamento, como parâmetro para o contraste onde a diferença será transformada em desonra, subordinação e alvo.

Cenas de abuso sexual como a que aconteceu no último dia 29 de julho, em Belo Horizonte, deixam entrever que sujeitos designados como “os outros” não estão seguros. A insegurança, nesse prisma, é sistêmica, pois é construída como uma realidade intrinsecamente comprometida como uma suspensão da dignidade, com a implementação de um horizonte onde corpos lidos à distância da norma podem ser violados sem que isso cause algum dano aos sistemas de poder. A tentativa de culpabilizar a vítima, em todas as esferas, demonstra como a construção do corpo público atua — enquanto produto das ideologias — fazendo com que nós sejamos capazes de obliterar a responsabilidade do algoz e ritualizar a violência. É preciso que nos questionemos e provoquemos sobre os princípios que regulam e pavimentam as nossas relações, sobretudo, sinalizando a sua vinculação vital com as prerrogativas de colonização dos corpos que, mantidos à distância dos pactos de hegemonia e de humanidade, são lidos como vidas, ou melhor, “não-vidas”, que encontram na violência um destino. É urgente que, na contramão da constituição bélica do corpo púbico, sejamos capazes de denunciar, em aliança e desmontando os silêncios, a naturalização da violação, nos tornando, assim, corpos políticos.

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