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Elas Não Querem Ser Guerreiras, Elas Querem Ser Vistas: a invisibilidade da maternidade e a responsabilidade social quando falamos de pessoas com deficiência

Pregnancy among Women with Physical Disabilities

À medida que nos aproximamos do Dia das Mães, é imperativo celebrar todas as facetas e tipos de maternidade, incluindo aquelas frequentemente invisibilizadas pela sociedade. E, principalmente, questionar assuntos que são inerentes a elas e desconsideradas pela sociedade, quer seja pela falta de informação, quer seja pela ausência de ações efetivas que coloquem as referidas maternidades em pauta; neste texto e considerando a temática da nossa coluna falaremos sobre os desafios enfrentados na maternidade atípica e a maternidade exercida por mulheres com deficiência.

Tradicionalmente, a sociedade ensina que ser mãe é padecer no paraíso, uma transformação venerada na vida de uma mulher. No entanto, essa visão romantizada não abrange as complexidades enfrentadas na maternidade como um todo e, principalmente, naquelas que são marcadas por outros desafios, e aqui, referindo-se à deficiência de um filho ou à deficiência da própria mãe.

E assim, o que nos propomos a demonstrar é que não se faz necessário “padecer” para maternar, mas sim, que devemos ser conscientes de que se faz necessária  “uma aldeia inteira para educar uma criança”, sendo, portanto, uma responsabilidade de todos nós tornar todas as maternidades menos complexas e mais leves.

Para muitas mulheres, a maternidade atípica chega com o diagnóstico da deficiência de um filho. Esse cenário, infelizmente, frequentemente, acompanha o abandono por parte do parceiro, deixando a mãe para buscar sozinha pelos direitos e necessidades básicas de seu filho. Os estudos revelam uma realidade sombria: aproximadamente 70% (setenta por cento) das famílias com um membro com deficiência são chefiadas por mulheres, muitas das quais encaram a maternidade solo. Esta situação coloca em questão não apenas a capacidade dessas mulheres de trabalhar e sustentar suas famílias, mas também de cuidar de sua própria saúde enquanto gerenciam as necessidades médicas e educacionais de seus filhos.

Para elucidar e demonstrar o quão urgente é a referida discussão, um  estudo denominado “Mental health care needs and preferences for mothers of children with a disability”, alcançou os seguintes resultados: “altas taxas de problemas de saúde mental foram autoidentificadas nos últimos 12 meses, com relato de depressão clinicamente significativa (44%), ansiedade (42%) e suicídio (22%). Quase metade (48%) das mães relataram sofrimento psíquico elevado a muito alto. Embora 75% das mães tenham percebido a necessidade de apoio profissional, apenas 58% tentaram acessá-lo. As principais barreiras para o acesso ao apoio foram a dificuldade de agendamento de consultas (45%) e a não percepção do problema de saúde mental como grave o suficiente para necessidade de ajuda (36%). O aconselhamento individual foi o tipo de apoio preferido (66%), seguindo de relaxamento orientado profissionalmente (49%) e educação sobre saúde mental (47%). O apoio foi considerado mais crítico no momento do diagnóstico e durante a intervenção médica para o filho.

Essa é a realidade que a sociedade tem maior percepção, mas temos agora, por outro lado, uma realidade ainda pouco refletida e muito significativa e cheia ainda de muitas obscuridades: a realidade das mulheres com deficiências que optam pela maternidade. São mulheres que por toda uma vida enfrentam preconceitos e um sistema de saúde muitas vezes despreparado para atender suas necessidades específicas, e que quando se veêm mães não encontram praticamente nenhum suporte que seja acessível à suas condições. A falta de acesso a informações adequadas e a suposição infundada sobre sua capacidade não apenas exacerbam as dificuldades práticas, mas também perpetuam a estigmatização e o seu  isolamento social.

A legislação e as políticas públicas desempenham papéis cruciais na configuração das experiências dessas mães. Enquanto a lei deveria facilitar o acesso igualitário aos serviços necessários, na prática, tanto as mães de pessoas com deficiência, quanto as mães com deficiência se veem em batalhas constantes por serviços básicos como educação inclusiva e suporte médico adequado. Este cenário não apenas sobrecarrega as mulheres de forma emocional e física, mas também as coloca em desvantagem socioeconômica.

Toda essa circunstância é desafiadora ao extremo. A saúde mental das mães é profundamente afetada, com altas taxas de depressão, ansiedade e, em casos extremos, risco de suicídio. Estas condições não são apenas consequências da sobrecarga de estresse, mas também reflexos de um sistema que falha em proporcionar o suporte necessário. Os efeitos da perda da saúde mental materna transcendem a mãe, impactando o desenvolvimento e o bem estar de seus filhos, impactando na qualidade de vida que pela OMS (Organização Mundial da Saúde) é definida como a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações.

A necessidade de uma analise mais profunda e ação efetiva é evidente. É crucial que reconheçamos as contribuições valiosas e os desafios únicos enfrentados por essas mães. A implementação de politicas publicas que efetivamente apoiam mães em situações atípicas e reconhecem suas necessidades especificas é fundamental para mudar essa realidade.

Além disso, é necessário que a sociedade como um todo se eduque sobre essas questões para promover uma verdadeira inclusão. Compreender a interseccionalidade de gênero, deficiência e maternidade é essencial para abordar os preconceitos e as barreiras estruturais que as mulheres enfrentam diariamente.

Neste Dia das Mães, e em todos os dias, é nossa responsabilidade coletiva assegurar que todas as mães, especialmente aquelas que enfrentam desafios atípicos, sejam vistas, valorizadas e apoiadas. Reconhecer e abordar as dificuldades específicas que enfrentam não é apenas uma questão de justiça social; é um imperativo ético que enriquece toda a sociedade. Assumir essa responsabilidade pode transformar a experiencia da maternidade dessas mulheres de uma batalha solitária para uma jornada compartilhada, apoiada pela comunidade como um todo, a caminho da tão sonhada inclusão social.

Enfim, refletimos sobre o papel social e a legislação. É fundamental que continuemos a lutar por melhorias nas políticas públicas e no suporte institucional, garantindo que todas as mães tenham acesso aos recursos de que precisam para prosperar e que suas contribuições à sociedade sejam plenamente reconhecidas e celebradas.

Que neste Dia das Mães, possamos não apenas celebrar, mas também refletir e agir para garantir que todas as mães, independentemente de suas circunstâncias, recebam o apoio e o reconhecimento que merecem. Cuidar das mães é cuidar do futuro. Vamos nos unir para apoiar todas as formas de maternidade, garantindo que nenhuma mãe se sinta invisível ou sobrecarregada sem o apoio necessário. Este é o caminho para uma sociedade mais inclusiva e empática.

 

Referências

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Bernard-Bonnin, A.C. (2004). Depressão materna e desenvolvimento infantil. Pediatria e Saúde Infantil, 9(8), 575-583.

Gilson, K. M., Davis, E., Johnson, S., Gains, J., Reddihough, D., & Williams, K. (2018). Necessidades e preferências de cuidados em saúde mental para mães de crianças com deficiência. Saúde e Desenvolvimento Infantil, 44(3), 384-391.

Cantor, G. H. (2006). Metanálise de estudos comparativos de estudos comparativos de depressão em mães de crianças com e sem alterações no desenvolvimento. Jornal Americano sobre Retardo Mental, 111(3), 155-169.

Atenção à saúde mental dos pais de crianças com deficiência. Instituto Australiano de Estudos da Família. Disponível em: Homepage | Australian Institute of Family Studies (aifs.gov.au), acesso em 07 de maio de 2024.

Ficha Informativa sobre Deficiência, Gravidez e Saúde Mental Materna – Aliança de Liderança em Saúde Mental Materna: MMHLA. Disponível em: Maternal Mental Health Leadership Alliance: MMHLA, acesso em 07 de maio de 2024.

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