Falta massa para nossos tijolos digitais – os obstáculos que impedem a expansão da tokenização imobiliária no Brasil

Falta massa para nossos tijolos digitais – os obstáculos que impedem a expansão da tokenização imobiliária no Brasil

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A tokenização de bens consiste na representação de um bem por meio de tokens (ativos digitais), que podem ser negociados de forma fracionada e facilitada. No mercado imobiliário, essa tecnologia surge como uma alternativa promissora, permitindo a fragmentação da propriedade e a comercialização de frações de imóveis através de transações dos próprios tokens.

Alguns dos benefícios da tokenização imobiliária que podemos identificar: o fomento do mercado imobiliário, com maior participação de estrangeiros nos negócios; popularização do investimento imobiliário através da facilitação da compra de frações imobiliárias e; redução de custos e burocracia com a mitigação da importância dos Cartórios de Registro Imobiliário em determinados casos.

No entanto, apesar do otimismo inicial, a adoção dessa inovação no Brasil tem enfrentado desafios significativos, principalmente em função dos entraves impostos pela legislação vigente. Atualmente, existem duas formas predominantes utilizadas para a tokenização de imóveis no país.

A primeira forma consiste na presença de um terceiro, que receberá a propriedade do imóvel e, em troca, fornecerá os tokens representativos daquele bem. A segunda forma é conhecida como duplo registro, já que o responsável pela criação dos tokens realizará o registro das transferências da propriedade imobiliária tanto na blockchain, como no respectivo Cartório de Registro Imobiliário.

A primeira abordagem, na qual um terceiro é inserido como proprietário legal, não proporciona a segurança jurídica esperada da operação. Diversos são os fatores que trazem riscos à operação, como a necessidade de extrema confiança no terceiro ou a possiblidade de falência do terceiro, que causaria transtornos aos proprietários de fato dos imóveis que estejam em nome daquele terceiro.

Já a segunda opção, que envolve o duplo registro do imóvel, acaba por retirar grande parte dos benefícios da tokenização, tornando esse processo mais oneroso do que o meio tradicional de registro imobiliário.

Um dos principais obstáculos a expansão da tokenização imobiliária é a Lei de Registros Públicos, que estabelece uma série de formalidades e exigências para a transferência da propriedade imobiliária. Essa legislação, concebida em um contexto pré-digital (1973), não se mostra compatível com a dinâmica ágil e descentralizada inerente aos tokens.

Por exemplo, a obrigatoriedade de registro em cartório para a transmissão da titularidade de um imóvel representa uma barreira para a tokenização, uma vez que as transações envolvendo tokens devem acontecer de maneira autônoma e automatizada, sem a necessidade de intermediários físicos e seus respectivos gastos. Essa divergência entre o ordenamento jurídico e a natureza dos tokens digitais acaba por inviabilizar a expansão dessa ferramenta no setor imobiliário brasileiro.

Desde 1973 a legislação já avançou, é verdade. O Código Civil foi modificado para permitir e detalhar o funcionamento adequado, por exemplo, a multipropriedade. Ocorre que o nosso estado da arte ainda está muito longe do que é esperado para que a tokenização imobiliária possa, finalmente, deslanchar.

Posso citar a experiência dos Emirados Árabes Unidos como exemplo. Não apenas foi criado um arcabouço legislativo que permitiu e regulamentou a tokenização imobiliária, como também o Dubai Land Departament, órgão responsável pelo registro imobiliário, anunciou uma plataforma própria de tokenização imobiliária.

A minha opinião é, em regra, que o mero desejo por maior regulamentação de questões relacionadas com tecnologia não costuma ser a solução para os nossos problemas. No entanto, fica evidente que, apesar do grande potencial da tokenização imobiliária, a efetiva implementação dessa inovação no Brasil esbarra em obstáculos jurídicos significativos. Para que essa tecnologia possa florescer no mercado imobiliário nacional, será necessária uma revisão da legislação vigente, de modo a harmonizá-la com as características e benefícios da tokenização.

E duas são as formas possíveis: a simples atualização da lei para permitir expressamente a tokenização imobiliária ou até mesmo a implementação de blockchain para o registro imobiliário pelos CRIs.

Somente assim será possível destravar o pleno desenvolvimento dessa solução e permitir que os investidores e empreendedores do setor imobiliário brasileiro possam usufruir de seus benefícios.

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