IA: Quem É Você?

IA: Quem É Você?

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No filme Eu, Robô, o investigador Spooner, demonstrando seu desdém por andróides, questiona Sonny porque se escondeu na cena do crime. Em resposta, o robô Sonny diz ter medo. Na sequência o policial retruca que robôs não sentem medo, não sentem nada. Porém Sonny afirma sentir e inclusive ter sonhos. Irritado, Spooner diz que seres humanos têm sonhos, dizendo que Sonny é somente uma máquina, uma imitação da vida e diz: “Um robô consegue compor uma sinfonia? Um robô consegue pintar uma bela obra-prima?” Quando então Sonny devolve: você consegue?.1

Tal cena nos permite uma reflexão: o que nos faz humanos? O que é inteligência humana e como ela difere-se da inteligência artificial?

De maneira geral, a inteligência humana é um atributo mental da pessoa natural, que inclui as habilidades de aprender com a experiência, adaptar-se a novas situações, compreender conceitos abstratos e manipular o próprio ambiente. Ainda, a inteligência humana é criativa, não projetada, natural, biológica e orgânica. A partir do conceito da inteligência humana buscamos identificar o que é (ou quem é) a inteligência artificial.

Se considerarmos o aprender e o ser criativo como nota distintiva da inteligência humana, poderíamos então questionar: a inteligência artificial também pode aprender? Pode ser criativa? Para René Descartes a distinção, ao associar o animal à máquina, está na forma de pensar, o pensar racionalmente. Günkel, já nos anos 2000, atribui a distinção à capacidade de ser agente, ter a intenção de fazer algo, de agir.

Assim, corroborando com a ideia de intencionalidade, Yuval Harari, apresenta a nota distintiva como sendo a consciência, afirmando haver a inteligência consciente (a humana) e a não consciente (a artificial).2

A diferenciação entre a inteligência humana e a inteligência artificial torna-se importante justamente para conhecermos o que (ou quem é) esta última e se, em algum momento presente, ou futuro, a Inteligência Artificial poderá suplantar a inteligência humana: a singularidade tecnológica. Mas vamos com calma, nesta primeira conversa, vamos identificar o que é a inteligência artificial.

As dúvidas sobre a Inteligência Artificial são muitas e crescentes. A IA é, de certa forma, conteúdo antigo e em expansão exponencial e objeto de inúmeras pesquisas. Antes mesmo de receber o nome Inteligência Artificial, no final do século XVI, um rabino de Praga, na Tchecoslováquia (hoje República Tcheca) teria construído uma criatura dotada de inteligência chamado Joseph Golém.3 Segundo a lenda, Golém teria insurgido contra seu criador e por isso foi devolvido ao mundo dos inanimados.

Posteriormente, nos séculos XVII e XVIII, surgem mais lendas sobre criaturas não humanas inteligentes, com superpoderes compondo o imaginário humano ao longo de sua história. Porém nenhum deles com registros cientificamente comprovados.

Assim, muito tempo passou até que o século XX e a máquina de Turing, para então chegarmos em 2015 com a ativação do robô Sophia. A humanoide criada pela Hanson Robotics tornou-se o primeiro robô a receber cidadania de um país: a Arábia Saudita.4 Estamos chegando ao que previu Turing para os anos 2000?

Podem as máquinas pensar? Alan Turing, matemático britânico, pode ser considerado o precursor da inteligência artificial pois em seu artigo “Computing Machinery and Intelligence” buscou responder a esta pergunta, criando o que foi denominado o “o jogo da imitação” ou o teste de Turing.5

A expressão inteligência artificial propriamente dita foi usada pela primeira vez por John McCarthy no Dartmouth College em 1957, porém foi o teste de Turing que define e caracteriza o campo de pesquisa da IA. O jogo da imitação baseia-se no seguinte: trata-se de um jogo composto por três pessoas, sendo um homem, representado pela letra “A”, uma mulher, pela letra “B”, assim como um interrogador, pela letra “C”. Ademais, o objetivo é que o interrogador fique em um quarto separado, em frente ao qual estão o homem e a mulher, e seu principal intuito é determinar qual dos dois é homem e qual é a mulher. Turing questiona sobre o que aconteceria se o jogador “A” fosse substituído por um computador, com o mesmo propósito de levá-lo ao erro?

Nesse cenário, será que “C” distinguiria às vezes em que o jogo é jogado entre “A” e “B”, e entre o computador e “B”? A resposta para tal questionamento pode substituir a pergunta acerca da capacidade de pensar das máquinas, seria a resposta ao seu questionamento inicial.6

Em seu estudo, Turing estimou que 50 anos a futuro a máquina poderia, exitosamente, jogar o jogo da imitação. Então, chegamos a ELIZA, um chatterbot, aplicação simples de processamento de linguagem humana capaz de conversar com interlocutores humanos de maneira a parecer outra pessoa.

Mas qual a importância desse fato? Alguns anos mais se passaram, e chegamos a uma tarde 2017. O adolescente chinês Ke Jie foi derrotado várias vezes por AlphaGo no milenar jogo Go, cujo número de posições possíveis em um tabuleiro de Go excede a 3361×0.012 = 2.1×10170. A vitória de AlphaGo representou para a China, nas palavras de Kai-Fu, “o momento Sputnik da China” em termos de inteligência artificial, foi a virada da chave. A China mergulha então em uma cruzada, a febre de inteligência artificial.7

Até aqui verificamos que a inteligência artificial se refere a um campo de conhecimento ligado à linguagem e à inteligência, ao raciocínio, à aprendizagem e à resolução de problemas. A pesquisa em inteligência artificial transita nas áreas da computação, linguística, filosofia, matemática, neurociência, direito entre outras. Por isso, existem inúmeras definições de inteligência artificial e para responder a nossa pergunta tema, apresentamos a de Russell e Norving:  A Inteligência Artificial é o estudo de agentes inteligentes capazes de perceber seu meio ambiente e de realizar ações com a expectativa de selecionar uma ação, que maximize seu desempenho.8

Por fim, dizer quem é a inteligência artificial requer como pressuposto analisar o que vem a ser inteligência, e as perspectivas e pontos de vista de sua análise. Temáticas que conversaremos em breve.

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Heloisa Helena de Almeida Portugal

 

Referências

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1. PROYAS, A. Eu, Robô 20th Century Fox, 6 ago. 2004.

2. HARARI. Homo Deus: uma breve história do amanhã. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

3. TEIXEIRA, J. DE F. Inteligência artificial. [s.l.] Pia Sociedade de São Paulo – Editora Paulus, 2014.

4. KAUFMAN, Dora. A tecnologia avança aceleradamente, mas ainda distante da condição humana. Época. 2019. Disponível em: https://glo.bo/3FFs57T. Acesso em: 23 nov. 2021.

5. PATRICIO, T. S.; MAGNONI, M. DA G. M. Inteligência e Senciência em Chatterbots: Um Estudo Acerca do Jogo da Imitação de Alan Turing. 1o Congresso Ibero-americano sobre Ecologia dos Meios – Da Aldeia Global à Mobilidade. Anais… In: 1o CONGRESSO IBERO-AMERICANO SOBRE ECOLOGIA DOS MEIOS – DA ALDEIA GLOBAL À MOBILIDADE. 18 jan. 2019. Disponível em: https://bit.ly/3CPIHrH. Acesso em: 21 nov. 2021.

6. TURING, A. M. Computing Machinery and Intelligence. Mind 49: p. Mind 49: 433-460, 1950.

7. LEE, K.-F. Inteligência Artificial: Como os robôs estão mudando o mundo, a forma como amamos, nos relacionamentos, trabalhamos e vivemos. Tradução Marcelo Barbão. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2019.

8. (KAUFMAN, 2019)

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