Incentivos Fiscais e Mudança Climática: os Desafios Constitucionais do PL 1338/2025

Incentivos Fiscais e Mudança Climática: os Desafios Constitucionais do PL 1338/2025

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O Projeto de Lei nº 1338/2025, de autoria do insigne Deputado Marx Beltrão (PP-AL), deflagra um debate de suma importância acerca do papel da política tributária na transição para uma economia de baixo carbono. Ao propor a criação do “Passaporte Verde”, o aludido texto busca conceder incentivos fiscais a empresas que utilizem, de forma exclusiva, energia renovável em suas operações, com o desiderato de fomentar a sustentabilidade, combater as mudanças climáticas e impulsionar o setor de energia limpa.

Dentre os incentivos propostos, destacam-se: a isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente sobre a energia consumida, a redução de 50% no Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) incidente sobre o lucro operacional, a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para produtos não poluentes, o crédito presumido de PIS/Cofins e a dedução integral de investimentos em energia renovável da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Embora louváveis em seus objetivos ambientais, tais medidas demandam uma análise jurídica mais acurada, sob pena de se tornarem inócuas ou, até mesmo, inconstitucionais.

Em primeiro lugar, impende ressaltar que, nos termos do art. 151, III, da Constituição Federal,1 é defeso à União instituir isenções de tributos de competência dos Estados, como é o caso do ICMS. Destarte, a previsão de isenção de ICMS via lei ordinária federal fere o pacto federativo e afronta o princípio da legalidade estrita. Tal espécie de renúncia somente pode ser concedida por meio de convênio celebrado no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), conforme determina o art. 155, § 2º, XII, “g”, da Carta Magna2  e a Lei Complementar nº 24/1975.3

Ademais, a concessão de qualquer incentivo tributário deve observar os preceitos da Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 14) e do art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT),4 exigindo estimativa de impacto orçamentário e financeiro. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem reforçado esse entendimento, como na recente Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7633,5 em que suspendeu os efeitos de lei que prorrogava a desoneração da folha sem demonstrar a devida compensação. O PL 1338/25, a despeito de destacar a importância ambiental de seus objetivos, não apresenta qualquer cálculo ou estimativa de impacto fiscal, o que compromete sobremaneira sua validade.

Outro ponto crucial reside na aderência do projeto à nova sistemática tributária estabelecida pela Emenda Constitucional nº 132/20236 e pela Lei Complementar nº 214/2025.7 A partir de 2027, PIS e Cofins serão substituídas pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), enquanto o IPI será reduzido a zero, salvo para operações com a Zona Franca de Manaus. Por sua vez, ICMS e Imposto Sobre Serviços (ISS) serão extintos até 2032, sendo substituídos gradualmente pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). O novo modelo restringe severamente a possibilidade de concessão de benefícios fiscais, vedando regimes diferenciados ou favores fiscais fora das exceções constitucionais expressas.

Nesse diapasão, propostas como créditos presumidos de CBS ou desonerações via IBS exigiriam modificação legislativa ou mesmo constitucional para sua viabilização. A alíquota do IBS, por exemplo, será única para todas as operações, salvo exceções já previstas na Constituição, como bens e serviços essenciais. O legislador que deseje incentivar o uso de energia limpa via política tributária precisará repensar as ferramentas à luz desse novo sistema, inclusive com possível revisão da Lei Complementar nº 214/2025.

Não obstante as limitações, a extrafiscalidade segue sendo um instrumento relevante para fomentar práticas sustentáveis. O art. 6º, VI, da Lei nº 12.187/2009 (Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC) já previa, desde então, o uso de medidas fiscais para reduzir emissões e incentivar tecnologias limpas.8 A própria EC 132/23, ao alterar o § 3º do art. 145 da CF, estabelece que o sistema tributário nacional deverá observar o princípio da defesa do meio ambiente.

Portanto, o PL 1338/25 possui mérito inegável ao propor uma mudança de paradigma fiscal para o enfrentamento das mudanças climáticas. Contudo, sua execução carece de adequação formal, técnica e constitucional. Será necessário repensar sua estrutura à luz do novo sistema tributário, limitar os incentivos a tributos de competência federal com impacto orçamentário estimado, e propor alternativas que se ajustem aos princípios da responsabilidade fiscal e da segurança jurídica. Somente assim o Passaporte Verde poderá se tornar um instrumento viável e eficaz de transição energética e de promoção do desenvolvimento sustentável no país.

É imperioso, nesse sentido, reconhecer que a implementação de políticas públicas que visam a sustentabilidade e o desenvolvimento econômico deve ser pautada pela observância rigorosa dos princípios constitucionais e legais, a fim de garantir a sua efetividade e legitimidade perante a sociedade.

 

Referências

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1. Constituição Federal. Art. 151, III — vedação à isenção heterônoma.

2. Constituição Federal. Art. 155, § 2º, XII, g — exigência de convênios para benefícios em ICMS.

3. Lei Complementar nº 24/1975. Art. 1º — sobre concessão de isenções via Confaz.

4. Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Art. 113 — exigência de estimativa de impacto.

5. ADI 7633/DF. Relator: Min. Cristiano Zanin. STF, 2024 — suspensão de norma por ausência de estimativa orçamentária.

6. Emenda Constitucional nº 132/2023 — Reforma Tributária sobre o consumo.

7. Lei Complementar nº 214/2025 — normas gerais sobre o IBS e a CBS.

8. GIANNETTI, Leonardo Varella. Reforma tributária e o combate ao climate change? In: CARDOSO, Alessandro M. et al. Estudos jurídicos em comemoração aos 30 anos do Escritório Rolim Goulart Cardoso. 2023. p. 233-253.

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