Considera-se o fato gerador do ITBI a “transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis” (Art. 156, II da CF/1988).
Via de regra, ocorrerá a incidência do ITBI nos negócios jurídicos bilaterais e onerosos, nos quais uma das partes transfere a outra, por livre vontade e a um preço determinado, a propriedade de um imóvel, vejamos:
O Imposto sobre Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis e de Direitos Reais Sobre Imóveis (ITBI), trata-se de imposto cuja competência para instituir e arrecadar é dos Municípios, outorgada pela Constituição Federal, em seu artigo 156, II, e que incide, via de regra, sobre a transmissão de bens imóveis – assim entendido o registro da transmissão -, por ato oneroso – pagamento do valor acertado entre as partes -, a exemplo da compra e venda de bens imóveis. (HESSEL, 2021, p. 105)1 .
Contudo, em se tratando da usucapião, temos que ela é uma modalidade originária de aquisição da propriedade, em que não há um negócio jurídico ou transmissão onerosa entre o posseiro (usucapiente) e o proprietário (usucapido), mas sim a ocupação de um imóvel que se encontrava abandonado, não havendo acordo prévio ou qualquer tipo de vínculo entre as partes, cito a doutrina:
O fundamento da usucapião é a consolidação da propriedade. O proprietário desidioso, que não cuida de seu patrimônio, deve ser privado da coisa, em favor daquele que, unido posse e tempo, deseja consolidar e pacificar a sua situação perante o bem e a sociedade. (DE FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 274)2 .
o termo “usucapião” significa aquisição pelo uso (no sentido de posse), mas não é qualquer uso, é um uso prolongado, que demonstra a importância do tempo nessa forma de aquisição.” (MORATO, 2017, p. 1.088)3 .
Portanto, com o devido respeito aos que pensam o contrário, entende o presente artigo que, com fulcro no princípio da Legalidade Tributária (Art. 150, I da CF/1988), não se pode exigir o pagamento do ITBI no ato de registro da sentença declaratória que reconheceu a usucapião, visto que, nessa modalidade originária de aquisição da propriedade, não há qualquer tipo de relação jurídica onerosa ou negocial entre usucapiente e usucapido.
A respeito da ausência de um negócio oneroso, a doutrina de Francisco Leite Duarte nos destaca que é condição essencial para a cobrança do ITBI a ocorrência da transmissão “por ato oneroso” (DUARTE, 2019, p. 686)5 , como tal situação não ocorre em regra na usucapião, temos outro requisito não cumprido para a tributação aqui debatida.
Ao estudarmos o Manual de Direito Tributário escrito por Alexandre Mazza, percebemos o autor afirmando que “O ITBI não incide sobre registros em cartório de: (…) c) usucapião” (Mazza, 2017, p. 517)6 , assim ratificando expressamente a posição ora defendida quanto à não incidência do tributo na usucapião.
Cumpre reforçar que ao realizar uma breve pesquisa na jurisprudência dos Tribunais de Justiça espalhados pelo Brasil, pode-se localizar inúmeros acórdãos afastando a incidência do ITBI na aquisição originária pela usucapião, abaixo cito dois casos recentes apreciados pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
APELAÇÃO – Mandado de segurança – ITBI. Imóvel adquirido por usucapião. Sentença concessiva da segurança, reconhecendo não incidência do imposto. Alegada legitimidade da exação. Descabimento. Modalidade originária de aquisição da propriedade. Precedentes desta Corte. Recurso não provido. (TJSP; AC n. 1020677-73.2022.8.26.0451; DJE: 11/08/2023)7 .
Apelação/REEXAME NECESSÀRIO – Mandado de Segurança – Piracicaba – Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) – Usucapião – Cobrança indevida – Não ocorrência de fato gerador, tendo em vista que o usucapião é modo de aquisição originária da propriedade – Tributo incidente em caso de transmissão por ato oneroso – Recursos oficial e voluntário da Municipalidade NÃO PROVIDOS. (TJSP; Ap. n. 1016583-82.2022.8.26.0451; DJE11/07/2023)8 .
Diante de todos os fundamentos invocados, não há dúvidas: Da sentença declaratória da usucapião não nasce o fato gerador do ITBI, tampouco se justificará a sua cobrança no momento de registrar a sentença declaratória, devendo o Fisco se abster de exigir o imposto em testilha.
O presente escrito vai além e defende que a usucapião extrajudicial, que é aquela realizada exclusivamente nos Cartórios, não altera as conclusões acima, uma vez demonstrada a aquisição originária pelo uso, ou seja, sem qualquer negócio anterior entre o usucapido e o usucapiente, não há o que se falar em ocorrência do fato o gerador do ITBI, eventual cobrança violará o princípio da Legalidade Tributária, cito um artigo sobre o assunto:
Do exposto, entendemos que o novo procedimento inserido pelo novo Código de Processo Civil para declaração da usucapião não tem o poder de mudar a natureza jurídica do instituto, ou de torná-la forma de aquisição derivada da propriedade.
E, ao continuar a ser forma de aquisição originária, a usucapião não se insere na hipótese de incidência do ITBI.
A ausência de transmissão, onerosa, inter vivos, do bem imóvel ou dos direitos reais sobre estes bens impede que surja a obrigação tributária. Não há fato gerador do tributo.
Esse é o entendimento atual consolidado sobre o tema no que diz respeito à usucapião judicial e deve continuar sendo quando a declaração da aquisição da propriedade se dê por meio de processo administrativo instaurado junto ao Cartório de Registro de Imóveis.
O fato de o art. 216-A prever a necessidade de anuência expressa dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel não é suficiente para fazer nascer o ato de transmissão da propriedade. Referida concordância expressa seguramente não se consubstancia em negócio jurídico bilateral.
Ao considerar o fato gerador do imposto sobre a transmissão de bens imóveis, previsto no Código Tributário Nacional e na Constituição Federal, definitivamente não há como chegar à conclusão diversa. (BRANDELLI, 2016, p. 7-8)9 .
Assim sendo, conclui-se que a usucapião, seja ela judicial ou extrajudicial, não se enquadra no fato gerador do ITBI, razão pela qual eventual cobrança fere o princípio da Legalidade Tributária (Art. 150, I da CF/88), podendo o prejudicado requerer a repetição do indébito no Poder Judiciário, se assim desejar.
Referencias
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1. HESSEL, Felipe Rabello. Aspectos relevantes do ITBI e do ITCMD nas operações de integralização e doação de quotas do capital social. Revista Compêndio de Contabilidade e Direito Tributário, Rio de Janeiro, v. II, p. 103-116, 2021.
2. DE FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD Nelson. Direitos Reais, Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010, p. 274.
3. MORATO, Antônio C. Código Civil Interpretado. 10 Ed. Barueri-SP: Manole, 2017, p. 1.088.
5. DUARTE, Francisco Leite. Direito Tributário Teoria e Prática. 3 Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, p. 686.
6. MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Tributário. 3 Ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2017, p. 517.
7. TJSP; Apelação Cível 1020677-73.2022.8.26.0451; Relator (a): João Alberto Pezarini; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Público; Foro de Piracicaba – 1ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 11/08/2023; Data de Registro: 11/08/2023.
8. TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1016583-82.2022.8.26.0451; Relator (a): Henrique Harris Júnior; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro de Piracicaba – 2ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 11/07/2023; Data de Registro: 11/07/2023.
9. : BRANDELLI, Luiza Fontoura Da Cunha. O ITBI na Usucapião Administrativa. Revista de Direito Imobiliário, v. 18 p. 1-8, 2016.