A Lei Cortez, ou Lei do Preço Fixo, é uma proposta legislativa que visa regular o mercado editorial no Brasil, impondo restrições ao preço de venda dos livros durante o primeiro ano de lançamento. O projeto, inspirado em políticas europeias, principalmente na lei francesa do preço fixo, estabelece um teto de desconto de 10% para as obras durante os primeiros doze meses após o lançamento. A justificativa do projeto reside no objetivo de incentivar a “bibliodiversidade”, protegendo as livrarias independentes da concorrência com grandes empresas internacionais, como a Amazon, que dominam o mercado editorial e de distribuição de livros no Brasil. Contudo, embora os defensores da lei argumentem que ela fortaleceria o mercado nacional, a análise jurídica e econômica desta legislação revela que a Lei Cortez pode trazer efeitos adversos, como o encarecimento dos livros, o risco de aumento da pirataria digital e, paradoxalmente, o enfraquecimento do mercado livreiro.
1. A Regulamentação de Preços e a Competição no Mercado Livreiro
A Lei Cortez propõe limitar o desconto dos livros recém-lançados a 10%, uma restrição que visa impedir práticas comerciais agressivas de grandes players, que frequentemente reduzem preços para capturar fatias de mercado. O conceito de “preço fixo” estabelece um teto para descontos, criando uma prática uniforme de precificação, como ocorre em alguns países europeus, onde livrarias independentes são protegidas pela política de preços mínimos.
No entanto, enquanto essas políticas podem ter um efeito positivo em países com altos índices de leitura e infraestrutura de livrarias bem distribuídas, o contexto brasileiro é diferente. O Brasil possui um índice de leitura baixo, e a presença de livrarias está concentrada nas grandes cidades, enquanto regiões periféricas ou de menor densidade populacional são pouco atendidas. Restringir descontos pode, assim, desestimular ainda mais o acesso à leitura em um país que já enfrenta grandes desafios para democratizar a cultura literária. Sob essa perspectiva, a Lei Cortez criaria barreiras de acesso à literatura, especialmente para classes C e D, que representam grande parte da população e são as mais afetadas pelo custo elevado de livros.
2. O Efeito da Lei no Preço dos Livros e o Acesso à Literatura
A Lei Cortez, ao limitar os descontos, poderia causar um encarecimento real dos livros, pois impede que o mercado ajuste os preços em resposta à demanda. Em um sistema de livre concorrência, a flexibilidade de preço permite que livros de menor saída sejam oferecidos a preços reduzidos para aumentar a circulação e minimizar prejuízos com estoque parado. Com a imposição de um desconto máximo, editoras e livrarias independentes estariam legalmente impossibilitadas de reduzir seus preços de forma significativa, mesmo que enfrentassem problemas para vender um determinado título. Isso implica que muitos livros de nicho, menos procurados, poderiam encalhar nas prateleiras, não sendo comercializados a preços mais baixos e acessíveis para consumidores de baixa renda.
Além disso, o encarecimento relativo dos livros devido à falta de descontos mais expressivos cria uma barreira de acesso à literatura. Para camadas sociais mais pobres, onde o livro já representa um bem de consumo de alto custo, a limitação de descontos impede que leitores consigam acessar obras de relevância cultural e acadêmica. O aumento de preços tem, assim, um efeito social de restrição de acesso, com impacto negativo direto sobre a educação e a cultura do país, uma vez que o público economicamente desfavorecido terá menos possibilidades de acesso a conteúdos literários essenciais.
3. Impacto na Bibliodiversidade e Consequências Econômicas para o Setor
A bibliodiversidade, ou seja, a diversidade de publicações e editoras, é um dos argumentos centrais em favor da Lei Cortez. Os defensores afirmam que a proteção das livrarias independentes e das pequenas editoras ajuda a promover uma oferta variada de títulos, evitando a concentração de mercado nas mãos das grandes editoras e distribuidoras. Contudo, ao elevar o custo dos livros, a lei pode desencadear o efeito oposto: afastar leitores e reduzir o volume de vendas. Como consequência, pequenas editoras, que dependem da rotatividade rápida de suas obras para manter-se competitivas, poderiam ser severamente prejudicadas por um sistema de preços rígido.
Ao contrário de fomentar a bibliodiversidade, a imposição de limites de desconto para novos lançamentos poderia levar ao predomínio de best-sellers e obras de maior apelo comercial nas livrarias, pois esses títulos conseguem garantir a demanda mesmo com preços elevados. Obras literárias de menor apelo popular, que poderiam interessar a um nicho específico, tendem a encalhar devido à impossibilidade de redução de preços no primeiro ano. Assim, a Lei Cortez, em vez de favorecer a bibliodiversidade, poderia incentivar a venda de um número restrito de obras comerciais e populares, diminuindo a oferta de títulos diversificados e especializados no mercado.
4. Incentivo à Pirataria e suas Consequências Jurídicas e Sociais
Outro efeito preocupante da Lei Cortez é o possível aumento da pirataria digital. Com a restrição de descontos e o encarecimento dos livros, leitores das classes C e D poderiam buscar alternativas ilegais para obter acesso às obras de seu interesse. A pirataria digital, que já representa uma preocupação significativa no Brasil, teria ainda mais espaço para crescer, com os consumidores buscando versões gratuitas ou a preços muito baixos na internet.
Esse fenômeno cria um paradoxo: a tentativa de proteger o mercado editorial nacional com a Lei Cortez poderia, na prática, desestabilizá-lo ainda mais, ao impulsionar o mercado paralelo de e-books piratas. Tal incentivo à pirataria coloca o Brasil em uma situação delicada no que se refere à violação de direitos autorais e ao desrespeito à propriedade intelectual. Do ponto de vista jurídico, o aumento da pirataria representa uma violação direta da Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98), que protege o direito de exclusividade dos autores sobre suas obras. O Estado teria, portanto, de investir em mecanismos de combate à pirataria, o que demanda custos e infraestrutura adicional, afetando tanto a administração pública quanto o mercado editorial.
5. Reflexões sobre a Política de Preços e Alternativas para o Incentivo à Leitura
Diante desses pontos, é fundamental avaliar alternativas à Lei Cortez que atendam ao objetivo de incentivar o mercado livreiro nacional sem penalizar os leitores mais vulneráveis. Uma possível solução seria a criação de políticas de incentivo direto ao consumidor, como subsídios ou programas de vouchers para aquisição de livros, voltados para populações de baixa renda. Medidas desse tipo, ao invés de limitarem descontos, ofereciam um auxílio direto à compra, reduzindo o custo final sem interferir no preço praticado pelas editoras e livrarias.
Além disso, a criação de programas de bibliotecas digitais públicas poderia facilitar o acesso à literatura, especialmente para jovens e comunidades em situação de vulnerabilidade. Isso ajudaria a garantir o direito à educação e à cultura sem incentivar a pirataria ou criar uma restrição de preço que afeta todo o mercado editorial.
Conclusão
A Lei Cortez, embora inspirada em políticas europeias, enfrenta desafios específicos no contexto brasileiro, no qual as desigualdades socioeconômicas e o baixo índice de leitura tornam o acesso à literatura um privilégio para poucos. Ao restringir descontos no primeiro ano de lançamento dos livros, essa legislação pode desencadear uma série de efeitos negativos: o encarecimento dos livros, a redução do acesso às classes mais pobres, o incentivo à pirataria e a estagnação de títulos nas prateleiras. Essas consequências sugerem que a Lei Cortez, longe de promover a bibliodiversidade e fortalecer o mercado livreiro, pode contribuir para a exclusão cultural e o enfraquecimento econômico do setor editorial brasileiro.
Para atender ao objetivo de democratizar o acesso à literatura, é necessário um conjunto de políticas mais abrangentes, que promovam o incentivo direto à leitura e que considerem o contexto específico do Brasil. Ao contrário de restringir preços, o fortalecimento de bibliotecas, programas de incentivo à compra de livros e uma infraestrutura digital acessível são passos que realmente garantiriam a bibliodiversidade e o acesso equitativo à cultura no país.