Minas Gerais perde um dos maiores nomes na defesa do consumidor: Lúcia Maria dos Santos Pacífico Homem

Minas Gerais perde um dos maiores nomes na defesa do consumidor: Lúcia Maria dos Santos Pacífico Homem

Lúcia Maria dos Santos Pacífico Homem

Lúcia Maria dos Santos Pacífico Homem, falecida em 18 de dezembro de 2025, aos 90 anos, foi uma das figuras mais importantes na luta pelos direitos dos consumidores em Minas Gerais e no Brasil. Com uma vida marcada pela dedicação ao ativismo social, à política e à defesa dos direitos das donas de casa, ela deixou um legado indiscutível na construção da cidadania e no fortalecimento da legislação de proteção ao consumidor. Sua atuação, tanto em movimentos civis quanto no campo político, reverberou por todo o Brasil e moldou a trajetória da defesa do consumidor nas décadas seguintes.

Lúcia Pacífico fundou, em 1983, o Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais (MDC/MG), uma organização que se tornaria uma das mais significativas do país na defesa dos direitos dos consumidores. A ideia de criar um movimento nasceu de um contexto econômico e social complexo. No início dos anos 1980, o Brasil vivia uma inflação descontrolada, que chegava a 164% ao ano, e os preços nos supermercados variavam várias vezes ao dia. Essa situação causava um impacto profundo no orçamento das famílias, especialmente nas donas de casa, que eram as responsáveis pela gestão financeira doméstica.

O MDC/MG, inspirado em movimentos semelhantes da Europa e dos Estados Unidos, surgiu como resposta a essa realidade. Com a liderança de Lúcia, o movimento rapidamente ganhou força e passou a mobilizar donas de casa e consumidores em várias regiões de Minas Gerais, sendo um dos principais agentes de fiscalização e denúncia de abusos comerciais. O movimento não se limitava à pesquisa de preços, mas buscava, sobretudo, conscientizar a população sobre seus direitos e promover a educação para o consumo consciente.

O MDC/MG, sob a liderança de Lúcia, alcançou um de seus maiores feitos em 1988, quando conseguiu reunir 390 mil assinaturas em uma campanha popular para incluir a defesa do consumidor na Constituição Federal. Essa emenda foi fundamental para garantir os direitos dos consumidores e foi um marco na história do Brasil, uma vez que colocou a proteção ao consumidor em um nível constitucional. Lúcia Pacífico, como uma das principais articuladoras dessa emenda, discursou no plenário da Assembleia Nacional Constituinte, defendendo com veemência os direitos das donas de casa e dos consumidores, além de lutar para garantir que as mulheres, até então excluídas do sistema da previdência social, pudessem se aposentar como donas de casa.

Esse movimento ganhou destaque em todo o Brasil, e a atuação de Lúcia Pacífico foi reconhecida como essencial para o avanço da legislação de proteção ao consumidor. Sua capacidade de mobilizar milhares de mulheres e cidadãos em defesa dos seus direitos foi um dos maiores legados de sua vida.

Além de seu trabalho no MDC/MG, Lúcia também teve uma importante carreira política. Ela foi eleita vereadora em Belo Horizonte por dois mandatos (1997-2004) e, mais tarde, deputada estadual pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ocupando uma cadeira na Assembleia Legislativa de Minas Gerais entre 2003 e 2007. Durante sua passagem pela Câmara Municipal de Belo Horizonte, Lúcia elaborou 28 leis municipais, muitas das quais ainda estão em vigor, e integrou comissões importantes, como a de Defesa do Consumidor e Direitos Humanos.

Sua atuação política sempre foi marcada pela defesa dos direitos das mulheres, dos consumidores e do meio ambiente. Lúcia não só trabalhou para a criação de leis que beneficiassem a população, mas também atuou como mediadora entre as necessidades da população e as decisões políticas, trazendo sempre um olhar atento para a justiça social e a dignidade do consumidor.

Um dos aspectos mais notáveis da atuação de Lúcia Pacífico foi sua luta pela valorização das donas de casa. Em uma época em que as mulheres enfrentavam grandes dificuldades para serem reconhecidas como trabalhadoras, Lúcia foi uma das principais vozes na defesa da inclusão das donas de casa no sistema de seguridade social. Ela acreditava que o trabalho doméstico não era apenas uma obrigação pessoal, mas uma atividade fundamental para o bem-estar de toda a sociedade. Por isso, sua luta pela aposentadoria das donas de casa foi uma de suas principais bandeiras, e ela conseguiu garantir que essas mulheres passassem a ter direito à previdência social.

Lúcia também enfrentou o machismo da época, sendo constantemente descreditada por seu ativismo. A sociedade patriarcal da década de 1980 não via com bons olhos a atuação das mulheres fora de casa, especialmente em um movimento de cunho social e econômico. Lúcia, no entanto, não se deixou intimidar e manteve sua postura firme, com a convicção de que o empoderamento das mulheres seria uma das chaves para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Lúcia Pacífico também teve papel fundamental na defesa do Código de Defesa do Consumidor (CDC), legislação criada em 1990, que estabeleceu direitos básicos para os consumidores no Brasil. Embora o CDC já estivesse em vigor, Lúcia trabalhou arduamente para garantir que ele fosse amplamente divulgado e aplicado. Ela coordenou campanhas para educar os consumidores sobre seus direitos, garantindo que, quando se sentissem lesados, soubessem exatamente como buscar ajuda. Sob sua liderança, o MDC/MG passou a exigir que os comerciantes colocassem exemplares do CDC nas lojas, de forma que os consumidores pudessem consultá-lo quando necessário.

Além disso, Lúcia foi uma das pioneiras na luta pela modernização do CDC, argumentando que, embora a lei fosse uma conquista histórica, ela precisava ser adaptada à realidade atual, incluindo questões como o comércio eletrônico, que na época ainda não existia. Sua atuação nesse sentido visava garantir que a legislação estivesse sempre em sintonia com as novas demandas do mercado e com as necessidades dos consumidores.

O impacto do trabalho de Lúcia Pacífico foi reconhecido ao longo de sua vida. Em 2013, ela foi homenageada pelo Ministério Público de Minas Gerais durante o Encontro Mineiro de Direito do Consumidor, ocasião em que recebeu uma placa de reconhecimento pelos serviços prestados à causa dos consumidores. Sua contribuição para a defesa do consumidor foi amplamente elogiada, e o movimento que fundou continua a ser uma referência na luta pelos direitos dos consumidores em Minas Gerais e em todo o Brasil.

Ao longo de sua vida, Lúcia foi também uma inspiração para as novas gerações de consumidores. Ela estava especialmente comprometida em ensinar as crianças a serem consumidores conscientes, entendendo que a educação para o consumo deveria começar desde cedo. Ela transmitiu essa missão a seus filhos, netos e bisnetos, garantindo que seu legado continuasse a ser perpetuado.

Lúcia Pacífico foi, sem dúvida, uma das figuras mais influentes na história da defesa dos direitos dos consumidores no Brasil. Sua trajetória, marcada por desafios e conquistas, fez dela uma das maiores defensoras dos direitos das mulheres e dos consumidores no país. Por meio de sua atuação incansável, Lúcia ajudou a transformar o cenário da defesa do consumidor em Minas Gerais e em todo o Brasil, criando um movimento que até hoje segue firme e forte. Seu legado permanece vivo nas instituições que ajudou a construir e na sociedade que ela ajudou a moldar.

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