Eike Batista foi um empresário bastante emblemático nas últimas décadas. Durante seu auge, chegou a ser considerado o sétimo homem mais rico do mundo pela revista Forbes, com uma fortuna avaliada em cerca de US$ 34 bilhões. Fundador do Grupo X, Eike atuou intensamente em setores clássicos como mineração, petróleo e gás e energia. Com um estilo próprio, Eike era o rei das promessas ambiciosas e da capacidade de atrair investidores internacionais. No entanto, foi o maior exemplo daquele que prometia muito e nada entregava.
A partir de 2013, o império construído por Eike começou a ruir rapidamente em razão de diversos problemas em suas empresas. Aqui, para quem quer conhecer um pouco mais sobre a história, fica minha sugestão do documentário “Eike: tudo ou nada”, disponível na Netflix.
Eike enfrentou processos por crimes financeiros e foi condenado por corrupção ativa e manipulação do mercado financeiro. Após cumprir pena, o empresário agora busca retornar ao cenário econômico com mais um projeto, o token $EIKE.
Promessas e mais promessas
Recentemente, Eike Batista anunciou o lançamento do token “$EIKE”, classificado como um “Real-World Sustainability Token” (Token de Sustentabilidade do Mundo Real). O ativo digital é emitido na blockchain Solana, conhecida por sua alta eficiência e baixos custos operacionais.
Segundo informações divulgadas no White Paper oficial do projeto, o token $EIKE é lastreado em ativos reais ligados à empresa Brazil Renewable X (BRXe), que propaga uma tecnologia proprietária chamada “Supercana”. Segundo eles, a tecnologia promete revolucionar os mercados de biocombustíveis, bioplásticos e biotecnologia ao produzir até três vezes mais etanol e até doze vezes mais biomassa por hectare em comparação à cana-de-açúcar convencional.
O modelo econômico apresentado prevê uma valorização significativa: com uma oferta inicial de 100 milhões de tokens vendidos a US$ 1 cada (totalizando US$ 100 milhões), o projeto estima alcançar uma avaliação de US$ 63 bilhões até 2028. Mas não é só isso, também afirma o White Paper que os detentores dos tokens poderão receber participação nos lucros da BRXe através de contratos inteligentes auditados.
Natureza jurídica do Token e a fiscalização da CVM
Exatamente como se espera, o lançamento do token $EIKE não passou despercebido pela Comissão de Valores Mobiliários. A autarquia brasileira já anunciou que está monitorando atentamente o projeto para avaliar possíveis irregularidades ou ofertas não autorizadas ao público investidor.
No Brasil, a CVM adota critérios específicos para classificar tokens digitais quanto à sua natureza jurídica. De acordo com o Parecer de Orientação nº 40/2022 da CVM, tokens podem ser classificados basicamente em três categorias principais:
- Tokens de pagamento (cryptocurrency ou payment token): “busca replicar as funções de moeda, notadamente de unidade de conta, meio de troca e reserva de valor”. É o caso do bitcoin.
- Tokens de utilidade (utility token):” utilizado para adquirir ou acessar determinados produtos ou serviços”. É o caso, por exemplo, de tokens que substituem ingressos para eventos.
- Tokens referenciado a ativo (asset-backed token): “representa um ou mais ativos, tangíveis ou intangíveis. São exemplos os ‘security tokens’, as stablecoins 11 , os non-fungible tokens (NFTs) e os demais ativos objeto de operações de ‘tokenização’.”
No parecer, a CVM ressalta, ainda, que:
A CVM entende que o token referenciado a ativo pode ou não ser um valor mobiliário e que sua caracterização como tal dependerá da essência econômica dos direitos conferidos a seus titulares, bem como poderá depender da função que assuma ao longo do desempenho do projeto a ele relacionado.
Nesse sentido, vale mencionar que a prática de mercado vem demonstrando que um token pode representar não só ativos, como também direitos de remuneração por empreendimento, direito a receber relacionado a estruturas assemelhadas às de securitização, ou, ainda, direito de voto. A esse respeito, notamos que alguns desses modelos aproximam os tokens emitidos do conceito de valor mobiliário.
A Lei 6.385/1976 que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários elenca em seu artigo 2º os valores mobiliários e consta no inciso IX como valor mobiliário o contrato de investimento coletivo, que ocorre “quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros”. Para a CVM, o contrato de investimento coletivo será considerado valor mobiliário quando reunir os seguintes requisitos: i) investimento; ii) formalização; iii) caráter coletivo do investimento; iv) expectativa de benefício econômico; v) esforço do empreendedor ou de terceiros; vi) oferta pública.
Neste caso estão os tokens que foram ofertados publicamente para uma coletividade de investidores, prometem participação nos lucros futuros, auferidos mediante o esforço do empreendedor e terceiros; portanto, aparenta caracterizar um contrato coletivo de investimento e, consequentemente, um valor mobiliário.
Como o próprio parecer ressalta, ainda que os tokens não estejam expressamente mencionados na lei, quando forem representativos de valores mobiliários, estarão sujeitos à lei e à sua regulamentação.
Não sem razão, muito provavelmente o token $EIKE será enquadrado como valor mobiliário pela CVM e, com isso, as regras previstas na Lei nº 6.385/76 incidirão sobre o projeto.
Aqui vai um recado importante: investidores interessados nesse tipo de ativo devem redobrar atenção às comunicações oficiais da CVM sobre o tema. A fiscalização rigorosa visa garantir segurança jurídica ao mercado financeiro nacional e proteger investidores contra possíveis abusos ou irregularidades.
Nunca podemos esquecer que o Grupo X, antes de ruir, fez promessas inatingíveis, mesmo sob as normativas da CVM. Por isso, não podemos permitir que o mercado de ativos digitais seja desvirtuado e sirva de palco a quem pretende apenas se esquivar do cumprimento da legislação brasileira.