Qualquer pessoa minimamente engajada com meio empreendedoristico em inovação e tecnologia já se deparou com o termo “unicórnio” e a busca incansável dos fundadores de startups para conseguir atingir o patamar mitológico de um.
Unicórnios são seres da fantasia que representam força, pureza, uma denotada raridade e esses atributos são imputados às startups que, por isso, passam a ser classificadas como unicórnio.
No ensejo das startups, um unicórnio é aquela em que o valor de mercado alcança a faixa de dois bilhões de dólares. O valor de mercado de uma companhia é calculado pelo valor de uma ação no mercado multiplicado pelo número de ações existentes. Portanto, quanto maior o número de ações presentes no mercado de determinada companhia, somado à grande procura por adquiri-la (lei de oferta e procura), maior seu valor nominal no mercado, e atingindo o valor de US$ 2.0 bi, esta se torna um unicórnio.
Contudo, além do critério objetivo do valor de mercado, para se alcançar os degraus míticos de um unicórnio, uma startup precisa de uma ideia disruptiva sólida, para que receba aporte de investimentos condizentes com o tamanho do projeto – prospectos megalomaníacos – e consiga uma avaliação de mercado bilionária.
A atratividade de investidores de capital de risco, ou melhor dizendo, venture capitalists, ao ecossistema de startups, faz com esse seu modelo de negócios seja tão promissor para desenvolvedores de ideias insurgentes e arriscadas: é lá que o pote de ouro se encontra!
Mas o caminho para o vale dos unicórnios pode ser uma estrada sinuosa sem volta para aqueles que se aventuram a aportar capital em startups sem conhecer minimamente os riscos presumidos desse investimento.
Diferentemente dos demais investimentos, o modelo de negócios de uma startup presume maiores riscos e incertezas que empreendimentos usuais, e por isso que, caso prospere, a recompensa é gratificante.
Toda atividade empresarial presume assunção de riscos, mas esses riscos são premeditáveis, ou ao menos minimamente esperados. Problemas financeiros, fluxo de caixa baixo, novos players no mercado acirrando a concorrência, oscilação de preços de insumos necessários para a produção de um produto são alguns dos riscos que empreendimentos usuais podem enfrentar que ocasionalmente levam as sociedades empresárias a sucumbirem perante uma grande crise.
Já as startups, em adição a esses riscos, assumem uma gama inteira de riscos próprios que são inerentes ao desenvolvimento de uma ideia inovadora disruptiva: inicialmente o processo de testagem e validação do produto mínimo viável, ou MVP, para que consiga ter um produto a ser lançado no mercado. Muita das vezes startups já fracassam nesse estágio, por falta de capital, ou pelo fato de que a ideia/hipótese/experimento que havia concebido, resultou em testes negativos.
Presumindo que consigam consolidar seu MVP, agora as startups precisam da aprovação dos consumidores aos quais direcionou seu produto, de nada vale uma grande ideia inovadora se os consumidores não a abraçarem.
Além de questões consumeristas, há a questão de regulamentação, ou de lacuna de regulamentação da atividade. Por desenvolverem produtos de caráter disruptivo, muitas das vezes estes não se encaixam nas normas preexistentes, e passam a depender da discricionariedade do Poder Executivo e do Judiciário para resolverem esse problema, o que pode ser uma receita de fracasso.
A startup Grin, por exemplo, resultado de ato de reestruturação societária entre Yellow e Grow, prometia revolucionar a mobilidade nos centros urbanos com seus patinetes elétricos. Ocorre que, a falta de norma, ou de compreensão do produto nesse caso, fez com que o Estado impusesse medidas onerosas e até se valesse do seu poder de polícia para fiscalizar e até tomar medidas mais drásticas como a apreensão de patinetes, o que ocasionou o encerramento das atividades da Grin por aqui.
Portanto, o risco assumido por startups é maior que o assumido pelos demais empreendimentos, e a falta de transparência e de accountability interna faz com que os investidores não consigam fiscalizar e controlar o destino empregado ao capital aportado, tampouco os investidores conseguem verificar se o capital aportado está sendo devidamente aproveitado ou se os resultados oriundos de tal aporte são positivos e satisfatórios. O termo “risco tecnológico” virou um guarda chuva para mascarar muitas situações, inclusive ilícitas de desvio de aporte e fraude.
Um caso muito marcante envolvendo fraude no Vale do Silício foi o da startup Theranos, que atingiu o status de unicórnio, sendo avaliada em US$ 10 bi. antes mesmo do produto final ser lançado no mercado.
Sua ex CEO Elizabeth Holmes chamou a atenção dos venture capitalists, prometendo inovação no setor da saúde, oferecendo a possibilidade de centenas de testes detalhados colhendo somente uma gota de sangue:
“No entanto, dados mostraram que as máquinas da empresa só conseguiam realizar 12 testes em suas análises e não as centenas prometidas. O sucesso foi tamanho que a empresa virou inspiração para livros, documentários e mesmo uma série de televisão.”1
E assim a Theranos de unicórnio passa a ser nada, é dissolvida e sua ex CEO passa a integrar a lista negra do Vale do Silício, o julgamento do caso será ainda essa semana.
Outro caso emblemático envolvendo escândalo de fraude e assimetria de informações em investimento em startups ocorreu recentemente com a Nikola, desenvolvedora do promissor carro elétrico.
Para entender a estratégia adotada pela Nikola, deve-se entender a parábola da sopa de pedras,2 em que alguém que não possui nada, promete resultados obtidos “de pedra”, mas que só se tornaria possível através de artifícios que enganam e desviam a atenção do investidor que fornecerá todos os meios para a execução do projeto.
Nikola teoricamente haveria desenvolvido uma bateria revolucionária que seria capaz de sustentar um veículo automotor, e assim como ocorreu com a Theranos, Nikola nunca de fato apresentou a bateria ou dados contundentes de sua eficácia.
Razão é que a General Motors, buscando uma forma de se modernizar na corrida por novos meios de produzir veículos, concordou em fornecer tecnologia à startup e produzir a picape Badger, desenvolvida e comercializada pela Nikola, em troca de uma fatia de 11% da operação da novata. (…) “Além de usar a tecnologia de bateria da GM, a Nikola busca usar também sua produção e célula de combustível. A startup parece não aportar nada nesta parceria, exceto designs de conceito, sua marca e até US$ 700 milhões, que eles devem pagar à GM pelos custos de produção”.3
Tal fato chamou a atenção da Hindenburg Research,4 que ao investigar o ocorrido, pode apurar que até os vídeos demonstrativos da picape Badger eram fraudados e gravados em uma estrada íngreme, que faria com que o automóvel se movesse pela simples força da gravidade.
O caso ainda está sob investigação e se comprovada a fraude, Nikola e seus CEOs assim como a Theranos, também entrarão para a lista negra do Vale do Silício.
Verdade é que o mundo encantador e promissor dos unicórnios possa ludibriar e atrair todos os tipos de investidores, dos mais profissionais e experientes venture capitalists até os mais ingênuos, e também não é para menos, caso uma startup consiga se sobrepor a todas as intempéries regulatórias, financeiras, experimentais, consumeristas e de fato se fixar no mercado, ela consegue garantir, mesmo que provisoriamente, o monopólio da atividade exercida, conseguindo pagar o resgate dos investimentos efetuados e corrigidos com margem de lucratividade.
Mas até que o investidor consiga colher os promissores frutos oriundos de seus aportes que tenham logrado sucesso a partir da fixação das startups no mercado, deve caminhar vigilante pois há sombras que circundam o vale dos unicórnios.
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Bernardo Rocha da Motta Pereira
Referências
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1. EX-BILIONÁRIA mais jovem da Forbes será julgada por suspeita de fraude. UOL Economia. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3DIRYDS. Acesso em: 01 set. 2021.
2. Um velho andarilho chega em um vilarejo humilde e pede um lugar para passar a noite. As pessoas evitam o contato com ele dizendo que não possuem comida suficiente para se alimentarem, logo não teriam o que dar de comer a ele também. O velho homem diz então que não está interessado em comida, só no lugar para dormir porque iria fazer uma deliciosa sopa de pedras.
Os moradores do vilarejo observam o andarilho tirar algumas pedras de um embrulho de linho e colocar em um caldeirão com água. Conforme preparava a sopa, o homem salivava e lambia os beiços, o que atiçava a curiosidade das pessoas, que já não se alimentavam bem. Um homem se aproxima e o andarilho diz que se tivesse uma cenoura a sopa ficaria fantástica, o aldeão traz e entrega a cenoura para o andarilho. Outras pessoas se aproximam e o homem diz que uma vez colocou um pedaço de carne salgada e a sopa ficara digna de reis, e assim outro aldeão trouxe a carne. O fato foi se repetindo com cebola, couve e outros ingredientes, até que enfim consiga cozinhar uma sopa de verdade e retirar as pedras do caldeirão. Fonte https://www.ideiademarketing.com.br/2017/10/10/o-gestor-e-parabola-da-sopa-de-pedras/
3. PANE no sistema: fabricante de veículos elétricos Nikola é acusada de fraude. Neo Feed. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3gU857y. Acesso em: 01 set. 2021.
4. Hinderberg Research é uma empresa de pesquisa de investimentos com foco em vendas a descoberto de ativistas fundada por Nathan Anderson. A empresa gera relatórios públicos através de seu site que alegam fraude e prevaricação