Atualmente as milícias privadas representam um grande problema para a segurança pública em alguns Estados da Federação, como no Rio de Janeiro e em estados do nordeste.
A constituição de milícia privada, dada a gravidade das ações praticadas por esses grupos criminosos a fortemente armados, é tipificada como crime em nosso Código Penal. Vejamos:
Art. 288-A. Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código: (Incluído dada pela Lei nº 12.720, de 2012)
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos.
Notadamente, a legislação pátria, ao criar este tipo penal incriminador, visa assegurar, dentre outros direitos, à paz pública, isto é, o sentimento coletivo de paz e tranquilidade no meio social.
Embora o legislador tenha se omitido em relação ao número mínimo de agentes para a configuração do crime de milícia privada (art. 288-A, CP), a doutrina majoritária penal entende que deve haver, pelo menos, 3 (três) agentes, assim como requer o delito de associação criminosa (art. 288, CP).
O conceito de milícia reflete a ideia de um grupamento armado e estruturado, com integrantes civis e militares das forças de segurança pública e das forças armadas, que detinham como o principal objetivo de sua criação a restauração da segurança em locais dominados por traficantes, em virtude da ausência do Poder Público (Masson, 2023).
Ademais, tendo em vista a promessa de pôr fim ao tráfico de drogas e outros crimes graves que ocorriam em locais dominados por criminosos, a criação desses grupos armados, paralelos ao Estado, foi bem aceita pela população, que desde o início pagava uma espécie de “taxa de segurança” tendo nas milícias a esperança de mais segurança e tranquilidade.
Com o passar do tempo, os grupos milicianos foram se tornando grupos de extermínio, a exemplo da famosa Scuderie Detetive LECOQ, com atuação nos Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, criada por policiais em 1965, sendo, posteriormente, extinta por decisão judicial no ano de 2000.
Contudo, os integrantes de milícias não se viam satisfeitos, em especial no Estado do Rio de Janeiro. Pois ao expulsar traficantes e outros criminosos de locais anteriormente por estes dominados, perceberam que o serviço de segurança poderia abrir espaço para outros tipos de negócios muito mais lucrativos com a exploração de serviços que o Estado e empresas privadas não tinham interesse em prestar naqueles locais, como, por exemplo: serviço de internet de banda larga, TV a cabo, água potável e gás vendidos na própria localidade, e até mesmo empréstimos financeiros, desburocratizando àqueles feitos por instituições financeiras oficiais.
Por conseguinte, o alto retorno financeiro das ações praticadas pelas milícias atraiu centenas de policiais e integrantes de diversas forças de segurança pública, que passaram a fazer de “bico” o serviço que deveria ser prestado ao Estado através do exercício de seus respetivos cargos públicos.
Não obstante o alto lucro advindo da exploração ilegal de diversos serviços essenciais não prestados pelo poder público, surge para as milícias uma nova e ainda mais lucrativa atividade: o tráfico ilícito de drogas e entorpecentes.
Assim nasceram as chamadas narcomilícias. É dizer: grupos armados paralelos ao Estado, associados ao tráfico de drogas, com hierarquia e divisão de tarefas, confundindo-se em muito com as organizações criminosas, conceito que pode ser extraído do art. 1º da Lei nº. 12850/2013, que menciona o seguinte:
1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
Como se pode notar, há, de fato, a divisão de tarefas, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem, notadamente financeira, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos e, também de caráter transnacional, como é o caso do delito de tráfico ilícito de drogas e entorpecentes e da prática dos crimes de homicídio qualificados.
Ademais, o tráfico ilícito de drogas e os homicídios, são duas das atividades ilícitas mais comumente praticadas pelas chamadas narcomilícias, que, embora detenham as características de milícia privada, também atuam no trafico ilícito de drogas e eliminam seus rivais na disputa por territórios.
Logo, o que se pode extrair da definição das contemporâneas narcomilícias é que estas estão mais para organizações criminosas, com definição legal expressa no §1º, art. 1º da Lei Penal Especial nº. 12.850/2013, do que para a definição contida no art. 288-A do Código Penal (constituição de milícia privada).
Apesar disso, é importante ressaltar que a pena para o delito de constituição de milícia privada (CP) é de 4 (quatro) a 8 (oito) anos de reclusão, enquanto o de promover, constituir, financiar ou integrar organização criminosa (Lei nº. 12850/2013) é de 3 (três) a 8 (oito).
Note que, além disso, o crime descrito no art. 288-A do Código Penal faz menção à prática de qualquer dos crimes previstos neste código, enquanto o delito de organização criminosa, previsto na Lei nº. 12.850/2013, traz como finalidade específica deste grupo criminoso a prática de crimes cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos ou que tenham caráter transnacional.
De mais a mais, os crimes de constituição de milícia privada e de organização criminosa são de conteúdo misto ou variado, isto é, são vários os núcleos dos respectivos tipos penais, bastando, contudo, que seja praticada apenas uma das condutas descritas no tipo para que o crime seja consumado.
Referências
____________________
BRASIL. Lei nº. 12.850 de 2 de agosto de 2013. Disponível em: link. Acesso em 26/12/2024.
BRASIL. Decreto-Lei nº. 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: link. Acesso em 26/12/2024.
MASSON, Cleber. Código Penal comentado. 9. ed. São Paulo: Método, 2023.