O assédio processual enquanto mecanismo Inibitório do acesso e o descesso à justiça

O assédio processual enquanto mecanismo Inibitório do acesso e o descesso à justiça

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Como Disposto por Immanuel Kant, o comportamento ético deve partir do próprio indivíduo, com base na imaculada lei universal.1 Não se delegou a ancião ou sábio a tarefa de desenhar o conceito de ética. Muito se engana, sequer estão codificadas exaustivamente condutas e comportamentos, prontos como uma obra de arte que se expõe numa mostra.

Em verdade, a ética se materializa no processo civil pós-moderno por meio da boa-fé. Cabendo aos condutores processuais a tarefa de pautar-se de acordo com padrões de retidão, sempre com a expectativa (ou a possibilidade) de que a máxima se torne uma lei universal.2

Entretanto, como apontado no editorial “justiça em números,” ano de 2019, que o tempo médio de processo pendente na fase de execução, particularmente nas Justiças Estadual e Federal, é de 8 anos e 1 mês e 6 anos e 2 meses, respectivamente. Isso sem se falar na fase de conhecimento que lhe antecede, que segundo dados do CNJ dura, naquela 4 anos e 6 meses e nesta 3 anos e 7 meses, afora a fase recursal.3

Fato que fere gravemente o acesso à justiça, garantia fundamental (art. 5º, inc. XXXV), que se atrela a construção de mecanismos processuais de efetivação da prestação jurisdicional. Uma vez que o acesso à justiça abrange não só o ingresso efetivo ao Judiciário e a entrega de uma qualquer prestação jurisdicional, mas também uma resposta seja célere, adequada e efetiva. Não obstante outras formas de solução do litígio, por intermédio de meios alternativos de resolução de conflitos, como a mediação, a conciliação e a justiça restaurativa.4

Por tudo isso, o acesso à justiça deve ser concebido como requisito fundamental — o mais básico dos direitos humanos — de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.

Neste ditame, se apresenta o assédio processual, que se situa – dentre as formas de violação da garantia de acesso à justiça – como sendo a manobra processual caracterizada pela utilização abusiva do direito da ampla defesa e do contraditório, ao se provocar incidentes manifestamente infundados ou utilizar recursos claramente incabíveis, com a finalidade de prejudicar a parte adversária, postergando a prestação jurisdicional. Isto é, importunando o natural andamento processual ao esgotar todas as ferramentas processuais com o puro e simples fulcro de suceder à ineficiência, atraso e morosidade.5

Neste giro, no Brasil, é como que haja acesso à justiça, mas não à materialização da mesma na forma uma sentença. Fora que os que saem, muitas vezes, o fazem de forma “não convencional”, a partir de tutelas provisórias, vez que a maioria por lá resta, na esperança de conseguir sair com vida.

Por essas e outras, A multa por assédio processual tem sido aplicada, em muito, por juízes trabalhistas na hipótese de abuso de direito de defesa, reiteradas tentativas de tumulto processual, recusa a cumprimento de acordo e decisão judicial, quando resta configurado que tais condutas ensejaram a ocorrência de assédio moral contra a parte contrária. Não sendo necessário que esta última requeira a aplicação da multa compensatória, podendo ela ser aplicada de ofício pelo magistrado.6

O que pode levar a discussões face à violação do direito ao contraditório e à ampla defesa. Mas, lembramos, é preciso recordar que a colisão de princípios fundamentais é algo recorrente e que se resolve caso a caso, não podendo, não devendo, assim, o direito à razoável duração do processo, presente em nosso CPC, sempre ser considerado inferior.
Desta forma, constata-se que O assediante, na relação jurídica processual, possui como fim apenas retardar a prestação jurisdicional e/ou prejudicar dolosamente a parte contrária, por meio do exercício reiterado e abusivo das faculdades processuais, mas o faz geralmente sob a dissimulada alegação de estar exercendo o seu direito de contraditório e de ampla defesa.

Isso ocorre vez que o instituto pressupõe a configuração de dolo por parte do polo responsável pela morosidade enquanto ocorre o entrave no andamento do processo em nítida deslealdade processual. Assim, fundamental é restar evidenciado o nítido intuito de protelar a condução do pleito daquele que, no exercício do seu direito ao contraditório e à ampla defesa, o faz de forma imotivada, senão, inexplicável.

Próximos do fim, é de se apontar que a verificação do assédio processual,, deve levar em conta as peculiaridades do caso concreto, considerando a potencialidade da conduta praticada, a reiteração da conduta, a seriedade das argumentações apresentadas, a fase processual, o objetivo a ser alcançado e a repercussão dos atos protelatórios na parte adversa.

No que toca à quantificação reparatória, observa-se o comportamento da vítima e do ofensor, bem como a duração temporal de paralisação do processo e o excessivo grau de animosidade interpartes, entre outros fatores. Face ao fato de que a vítima tem seu direito de ação extirpado pela ação do assediador, que se vale do manuseio de artifícios, ardis, gincanas, brechas e, até, de permissivos processuais, para obstaculizar a regular condução do pleito, imotivadamente.

Neste liame, o assédio processual mais se permeia em espécie de abuso de direito, convergindo para um ato ilícito no ordenamento, o que, somando-se à existência do dano moral, gera o dever de indenizar, face à demora patológica.7

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Túlio Coelho Alves

 

Referências

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1. REZENDE, Guilherme Carneiro de; HELENE, Paulo Henrique. O assédio processual: uma análise a partir do imperativo categórico kantiano. Revista de Processo, Jurisdição e Efetividade da Justiça. v. 6, n. 1, p. 66 – 86, 2020. Disponível em: https://bit.ly/3DmoJFJ. Acesso em: 07 out. 2021.

2. CAMBI, Eduardo. Acesso (e descesso) à justiça e acesso processual. Revista Jurídica da Escola Superior de Advocacia da OAB-PR. a. 2, n. 1, 2017. Disponível em: https://bit.ly/3AqupwF. Acesso em: 07 out. 2021.

3. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2018. Brasília: CNJ, 2018. Disponível em: https://bit.ly/2YzWZ1y. Acesso em: 07 out. 2021.

4. PINTO, Raymundo. Acesso processual: tema ainda discutível. Direito UNIFACS – Debate Virtual. n. 152, 2013. Disponível em: https://bit.ly/2Yx6PRK. Acesso em: 07 out. 2021.

5. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.817.845. Diário de Justiça Eletrônico. Disponível em: https://bit.ly/3AlBhv5. Acesso em: 07 out. 2021.

6. NOVAES, Raphaella Neman de ; BISSOLI, Leandro Guedes. Justiça em números: estudos acerca da (in)eficiência do Processo Judiciário. Revista Vianna Sapiens. v. 10, n. 1, 2019. Disponível em: https://bit.ly/3iDFkx1. Acesso em: 07 out. 2021.

7. CANÁRIO, Pedro. 3ª Turma do STJ define o ilícito de “assédio processual”. Conjur. 2019. Disponível em: https://bit.ly/3lnpok5. Acesso em: 07 out. 2021.

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