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O Ciclo (In)completo de Polícia e as consequências para a Segurança Pública no Brasil

seguranca-publica.

A segurança pública é, além de dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, conforme prevê o caput do art. 144 da Constituição Federal. Mas, afinal, qual é o conceito de segurança pública?

Alguns doutrinadores trazem em suas respectivas obras literárias um conceito de segurança pública similar. Sendo assim, selecionamos aquele apresentado por Souza1 , que a define como um estado que permite o livre exercício dos direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição Federal e na Lei.

De mais a mais, são os órgãos de segurança pública elencados no art. 144 de nossa Carta Magna que garantem, diuturnamente, o exercício dos direitos e garantias dos cidadãos.

Ao falarmos em órgãos de segurança pública, aqueles elencados no texto constitucional (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis, Polícias e Bombeiros Militares e Polícia Penal), é importante ressaltar que a ordem na qual eles são apresentados é meramente didática, pois não há que se falar em subordinação entre eles. Além disso, as competências trazidas no texto constitucional para cada um desses órgãos são consideradas “mínimas”, pelo fato de que outras podem lhes ser atribuídas.

De outro lado, quando falamos em Ciclo Completo de Polícia nos referimos a um modelo de persecução criminal, no qual o órgão policial, em especial a Polícia Militar, pelo fato de lhe competir o policiamento ostensivo nas cidades de todo o país, passa a ser competente para realizar todos os atos necessários para o encerramento da fase pré-processual encaminhando-os diretamente ao Ministério Público, órgão constitucionalmente competente para o oferecimento da denúncia nos casos de ação penal pública.

Nesse sentido, o Ciclo Completo de Polícia consiste na possibilidade de a mesma instituição policial realizar inúmeras ações decorrentes do poder de polícia, tais como: “baixar normas, resoluções, portarias, inibir vontades, obstaculizar oportunidades, fiscalizar, emitir alvarás e autorizações, advertir, patrulhar, realizar apreensões, prisões, lavrar boletins e autos, investigar, instaurar inquéritos, socorrer vítimas, interditar estabelecimentos, emitir documentos, remover presos, custodiar presos, ressocializar presos, e outras tantas2 , trazendo, com isso, mais eficiência e economicidade para a Administração Pública.

Atualmente, na grande maioria dos Estados da Federação e no Distrito Federal, os atos iniciais da persecução criminal, como, por exemplo, a prisão em flagrante realizada pela Polícia Militar, são encaminhados para a Polícia Judiciária Civil (delegacia de polícia), gerando um elevado dispêndio de tempo e dinheiro público.

Diante disso, imagine a situação na qual agentes da Polícia Militar prendem em flagrante delito determinado criminoso ou grupo de criminosos em um Município onde não há delegacia de polícia judiciária, estando a próxima localizada a quilômetros de distância daquela localidade. Isso, de fato, seria evitado com a implantação do Ciclo Completo de Polícia em nosso ordenamento jurídico, obviamente, por meio de Emenda Constitucional, que já tramita no âmbito da Câmara dos Deputados (PEC nº. 431/20143 ).

Para além do policiamento ostensivo, imagine a situação na qual agentes da Polícia Penal efetuem a prisão em flagrante delito de um visitante portando drogas para entregar a um determinado preso em dia de visita em um estabelecimento penal, cometendo, pois, o crime de tráfico ilícito de drogas (art. 33, da Lei nº. 11.343/2006).

Nessa situação, é comum, em alguns Estados da Federação, que a Polícia Militar seja acionada para o encaminhamento do flagrado e do flagrante até a delegacia de polícia, mobilizando não duas, mas três forças policiais para a resolução de um delito com apenas um ou dois envolvidos. Que desperdício de tempo e dinheiro público, né?! Pois é! Já aconteceu e ainda acontece bastante. Infelizmente, algumas autoridades administrativas não perceberam que essa desnecessária mobilização de forças policiais é muito prejudicial para a Administração Púbica e para a sociedade, que sofre com o baixo número de policiais nas ruas e nas delegacias.

O elevado déficit de policiais em todos os órgãos de segurança no Brasil, bem como o elevado índice de crimes que ocorrem diariamente, não permite que três instituições policiais se encontrem em uma delegacia de polícia para atender e solucionar uma única ocorrência criminal.

Apesar disso, a Polícia Militar de alguns Estados da Federação já confeccionam o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO ou TC), o que permite a realização do Ciclo Completo de Polícia nos crimes de menor potencial ofensivo4 , isto é, naqueles cujas penas máximas não ultrapassem a 02 (dois) anos, cumulada ou não com multa (Lei nº 9.099/1995).

O Supremo Tribunal Federal (STF) já se pronunciou no sentido de que a lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência não é de atribuição exclusiva da polícia judiciária e pode ser lavrado pela Polícia Militar (ADI 5637/MG5 ). O mesmo entendimento é aplicado em relação à Polícia Rodoviária Federal. Trata-se, na prática, de uma espécie de relativização ao modelo – ultrapassado – de segurança pública adotado no Brasil.

Apesar dos benefícios advindos da possível implantação do Ciclo Completo de Polícia em nosso ordenamento jurídico, alguns entraves são lançados, em especial, por Delegados de Polícia, no sentido de que acreditam ser inviável que outras instituições policiais exerçam atribuições típicas da polícia civil, como a investigação de crimes comuns, por exemplo.

Tendo em vista o conteúdo trazido na PEC nº. 431/2014, que visa alterar o art. 144 da Constituição Federal, implantando o Ciclo Completo de Polícia, podemos perceber que, embora se trate de um processo complexo, o entrave maior para sua implementação é o EGO de algumas autoridades que sentiriam-se feridas pelo fato de compartilhar as atividades precípuas – mas não exclusivas –  de suas respectivas instituições.

Ao contrário do Brasil diversos países da Europa, a exemplo de Portugal, América do Norte e, até mesmo da América do Sul, já adotam o Ciclo Completo de Polícia. Enquanto isso, os cidadãos brasileiros sofrem com as ações criminosas e com a impunidade nas ruas.

 

Referências

____________________

1. SOUZA, António Francisco de – A discricionariedade Administrativa. Lisboa: Ed. Danúbio. 1987.

2. CANDIDO, Fábio Rogério. Direito Policial. O Ciclo Completo de Polícia. Editora Juruá. Curitiba, 2016, p. 86.

3. Acrescenta ao art. 144 da Constituição Federal parágrafo para ampliar a competência dos órgãos de segurança pública que especifica, e dá outras providências.

4. FOUREAUX, Rodrigo. Segurança Pública. – Salvador: Editora JusPodivm, 2019.

5. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 5.637/MG. Relator: Min. Edson Fachin. Disponível em: site. Acesso em 09/01/2024.

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