Apesar do título, este autor vos recorda que a discussão relativa à economia e direito trabalhando em cumplicidade não é contemporânea. Na verdade, desde os primórdios dos dois institutos se faz inerente a ideia da influência de qualquer artefato funcional que potencialize a operabilidade do processo jurídico.
Calcada neste azo, nas últimas décadas consolidou-se internacionalmente uma vertente teórica jurídica que influi da confluência de direito e economia. No Brasil, a tal disciplina se atribuiu a terminação ora de Direito e Economia, ora de Análise Econômica do Direito, terminações estas dos originais Law & Economics e Economia Analysis of Law, expressões que, embora seja possível tratá-las diferentemente, tem-se admitido por utlizá-las como sinônimas.
De qualquer modo, é um tema que pede cautela, é notório que a economia, bem como o direito, é conhecida, frisa-se, por divergências. Inocente quem acredita que a mera citação de um estudo econômico atribuirá ao seu estudo um caráter empírico. O que se pormenoriza aqui, em verdade, é a reconhecer a relevância do uso de abordagens econômicas para múltiplas situações de interesse jurídico. Apesar de que é preciso se atentar, o tempo todo, que a alusão a um termo como o da “análise econômica do direito” desperta devaneios – principalmente por parte dos que não a suportam e daqueles que pretendem ser seus representantes comerciais exclusivos, ciumentos e raivosos em redes sociais, como numa espécie de “guerra fria de especialistas sócio-economistas”.
Fato é que tanto direito quanto economia buscam descrever vários fatos sociais em comum — com diferentes graus de abstração — a partir de seus vocabulários e abordagens distintas. Assim, seria de se esperar que suas perspectivas pudessem ser úteis para uma compreensão mais ampla nos respectivos âmbitos. Com ambas convergindo em uma direção que seja mais profunda ou pretensiosa do que a mera pesquisa de contextos gerais (econômicos) para a compreensão de um determinado tipo de problema legal.
A Análise econômica do Direito, por sinal, emprega pontos de contato entre a Economia e o Direito, seriam: escassez – repassado para o Direito na tentativa de mensurar o impacto da prestação de direitos ou imposição de deveres aos cidadãos. Com efeito, direitos têm custos e ignorar esse fato tem como consequência o desequilíbrio nesta prestação.
O Estado deve prever as consequências econômicas da alteração legislativa. –; Eficiência econômica – Portanto, a Administração Pública tem o dever de agir com eficiência no exercício de suas atividades, não apenas buscando a redução de dispêndios, mas a realização ótima de suas tarefas, na busca da boa e célere atuação –; Noção de custos e transação – se refere a todos os gastos envolvidos na circulação de riqueza, ainda que não necessariamente monetários. Em um raciocínio econômico, calculam-se as perdas decorrentes de uma troca –; Externalidade – Uma externalidade (positiva ou negativa) é toda consequência alheia à relação econômica, mas causada por ela. –; Noção de racionalidade ilimitada ou substantiva – Por fim, um dos pilares da teoria econômica clássica é a noção de racionalidade ilimitada ou substantiva. Tal qualidade econômica presume a existência de indivíduos oniscientes, com capacidade irrestrita de fazer sempre a melhor escolha para maximizar a utilidade marginal de seus interesses. –.
Vê-se que a AED emprega principalmente modelos mentais e ferramentas analíticas típicas da Economia para a discussão de temas jurídicos. A ideia é de que a Economia possa explicar a estrutura das normas jurídicas. Isto é, que os sistemas jurídicos poderiam ser compreendidos como sendo a resultante das decisões de maximização de preferências das pessoas em um ambiente de escassez. Essa ideia é, por sinal, tratada de forma bastante abstrata. Por exemplo, os contratos surgem para facilitar a coordenação humana e permitir fixar o preço, a propriedade privada evita o excesso de consumo ou descaso com bens públicos, e assim por diante.
Outra vertente é a de que a AED possa ser utilizada para prever as consequências das regras e interpretações jurídicas. Noutros termos, tentar-se-ia identificar os prováveis efeitos de diferentes posturas jurídicas sobre o comportamento dos atores sociais relevantes caso-a-caso. Tal tese, por sinal, é bastante contenciosa, vez que a previsão de consequências nos mercados organizados é difícil, que dirá fora.
Mas fato é que a aplicação do Direito muitas vezes requer ponderação sobre consequências – inclusive, em alguns casos, de maneira explícita. Tal se dá de maneira evidente no Direito Antitruste de maneira geral, mas também em temas menos óbvios como no art. 187 do Código Civil (que trata do “fim econômico” de um ato jurídico).
Não obstante, há inúmeros exemplos históricos de análise econômica do direito, ou seja, professores dedicados a estudar os dois saberes de forma conjunta. Se adotarmos um sentido bem amplo de análise econômica do direito, podemos citar o primeiro grande movimento americano, mais precisamente criada na Chicago Law School, de law and economics do final do século XIX, em que buscou-se referir a um determinado método de estudo jurídico construído após o esforço inicial de alguns economistas e juristas que se valeram de técnicas econômicas neoclássicas para estudar assuntos jurídicos a partir de construtos derivados da teoria dos preços. Não é por menos que já estavam bem próximos da preocupação econômica, como o direito concorrencial, regulatório e comercial; outros, contudo, pareciam mais distantes, como a responsabilidade civil, contratos, direito de família e direito processual.
Consequentemente, vieram também críticas, não aos estudos de Coase ou Calabresi, mas no que tange aos textos que se seguiram, notadamente o clássico Economic Analysis of Law, de Richard Posner, publicado em 1973, e isso porque, ali, a proposta passa a ser a de usar a economia como instrumento que aperfeiçoa e influi na conjuntura do direito. Isso através da perseguição incessante da eficiência econômica ou maximização de riqueza. De modo a consumar-se no uso do direito como instrumento de certas finalidades preestabelecidas.
Contudo, a nosso ver, a análise econômica do direito – em seu sentido mais tradicional – prega a utilização de técnicas de estudo das consequências econômicas das decisões jurídicas, sempre em termos de eficiência alocativa. Perceba que o próprio fundamento do direito seria a economia em seu viés neoclássico, tendo como pressuposto a não intervenção estatal e a eleição da previsibilidade dos mercados como algo superior a outros argumentos (como os fundamentos e garantias constitucionais). Trata-se, portanto, de uma teoria normativa, ou seja, comprometida em afirmar como deve ser a aplicação do direito, em termos de produtividade e eficiência.
O que se tem é que o uso de instrumentos analíticos econômicos se perfaz imprescindível para o direito. Vez que as típicas metodologias dos defensores de formas tradicionais de análise econômica não levam a nada de producente. Logo, seriam contraproducentes, subvertendo o ideal de promover de forma balanceada os interesses sociais.
Fato é que, ao invés defender o uso do instrumental e do vocabulário econômico para influenciar como os aplicadores do direito deveriam julgar casos, é interessante apontar como análise é proveitosa: seja, no âmbito tributário, pela necessidade de estudos econômicos que determinem os potenciais efeitos de um projeto de reforma tributária sobre a economia e sobre específicos setores. Seja, no âmbito da governança executiva das renúncias tributárias, pelo uso de abordagens econômicas como as da econometria, capaz de indicar indícios do sucesso ou não de uma legislação já implementada. Como ocorre com frequência no direito concorrencial da análise de concentrações econômicas, vez que o uso mais intensivo da economia permite uma melhor instrução probatória para a devida aplicação do direito. Em suma, a escolha ideal seria a que maximizasse a utilidade marginal dentro das limitações orçamentárias ou de produção.
Defende-se, portanto, como muito bem indicado por José Maria Arruda de Andrade, que o instrumental econômico na aplicação do direito ao caso concreto faz parte do campo da teoria das provas e não o da decisão (fundamentação) jurídica. Isto é, a economia está para a boa aplicação do direito vigente, muito distante do outrem indica, ao indagar que seria a serviço da construção de um novo sistema jurídico.
O uso mais intensivo de economia, em suma, representa, para bom entender, o manejo transparente de modelos, de modo que se visualize as variáveis a serem analisadas, as quais serão os grupos de controle utilizados nas comparações de cunho estatístico e assim por diante. Assim, uma ciência riquíssima e sofisticada como a economia não se propõe a servidão de propósitos pré-estabelecidos e de cunho partidário ou de abordagens limitadas ao curto prazo.
____________________
Referências
________________________________________
POSNER, Richard. The Chicago School of Antitrust Analysis. University of Pensilvania Law Review. v. 127, i. 4, 1979, p. 925-948. Disponível em: https://bit.ly/3o1eJf9. Acesso em: 05 nov. 2021.
TABAK, Benjamin Miranda. A Análise Econômica do Direito – Proposições legislativas e políticas públicas. Revista de Informação Legislativa. a. 52, n. 205, 2015, p. 321-345 . Disponível em: https://bit.ly/3wjR7pF. Acesso em: 05 nov. 2021.
SALAMA, Bruno Meyerhof. Análise econômica do direito. Enciclopédia Jurídica da PUC-SP. 2017. Disponível em: https://bit.ly/3nZCbcz. Acesso em: 05 nov. 2021.
ANDRADE, José Maria Arruda de. A importância da análise econômica do Direito. Conjur. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3mKEK2X. Acesso em: 05 nov. 2021.
MARTINELLI, Gustavo. Tudo que advogados precisam saber sobre Análise Econômica do Direito. Aurum. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3bMNCPj. Acesso em: 05 nov. 2021.