A sociedade está em permanente construção, uma vez que é composta por sujeitos em desenvolvimento. Essas pessoas são diferentes entre si, dados os seus marcadores culturais, físicos, de origem, de sexualidade e de gênero. Elas pensam, interagem e agem das mais diversas formas, pois têm, ao menos na letra da lei brasileira, independentemente de suas diferenças, o Direito Constitucional à igualdade.
Por vezes, infelizmente, esse direito é negligenciado, afinal vivemos em uma sociedade permeada pelos mais variados vieses de opressão, orientados para destruir a humanidade de indivíduos levados à margem do que significa uma presença digna de cuidado.
Para combater essas diferenças, muitos são os movimentos que buscam promover a igualdade. Essas ações se manifestam de forma disruptiva e denunciam as estruturas que cerceiam os direitos de muitos em função da garantia de vantagens e privilégios de poucos. Nessa direção, as discussões sobre as tecnologias de opressão, como o racismo, a misoginia e a LGBTQIAPN+ fobia, por exemplo, têm se tornado cada vez mais presentes em todas as esferas sociais — fator mais que determinante no avanço de políticas que visam a mitigação de tais opressões.
Entretanto, quando observamos os ambientes organizacionais, percebemos que as ações que miram a equidade e a inclusão são singelas ou mesmo inexistentes. Na maior parte dos mercados, de forma organizada e estruturada, essas ações, na verdade, contribuem para a reprodução de vieses e comportamentos baseados na exclusão de sujeitos.
É importante destacar o incômodo que surge quando olhamos para dentro das empresas e nos deparamos com o esvaziamento dos debates sobre a valorização da diferença. Porém, tal comportamento não poderia ser diferente, visto que as posições de maior poder e relevância nas organizações refletem o sujeito hegemônico que, por consequência, compactua com as agendas de exclusão de raça, gênero e sexualidade.
Trata-se de um esvaziamento que contribui para que os processos de opressão sejam naturalizados e se propaguem dentro das empresas, algo que deflagra como esses sistemas não só estão muito bem estabelecidos, mas são eficazes em sua própria manutenção.
Diante de todas as desigualdades que percebemos em nossa sociedade, no ambiente organizacional, gestores, conselheiros e alta direção insistem na adoção de um discurso de que “todos os empregados são iguais perante suas organizações” e que “não compactuam” com a exclusão de nenhum indivíduo, de nenhuma forma. Um discurso que acabam por atingir dois objetivos.
O primeiro refere-se à criação de um senso de coletividade, de pertença, necessário para disseminar a ideia de que, se somos todos “iguais” perante a empresa, discussões sobre diferenças não se justificam naquele ambiente organizacional. Afinal, se não há diferenças entre nós, não precisamos debater ou investir em políticas genuinamente direcionadas à promoção da equidade e da inclusão.
Essa ideia artificial e genérica de igualdade é amplamente utilizada, inclusive em forma de fit cultural e quadros de missão e valores de uma significativa parcela das organizações, reproduzida por meio de jargões como “aqui somos uma equipe”, “somos uma família”. Além disso, caso você aponte argumentos da comprovada falta de equidade ou processos discriminatórios, poderá ser colocado na posição de um membro que não “veste a camisa da equipe”.
Já o segundo ponto visa uma maior eficiência econômica e gerencial. Isso ocorre devido à percepção de que, quando fazemos parte de um grupo, seja ele de familiares ou relacionado a esportes, amigos, ou mesmo acerca de um tema como séries e filmes específicos, tendemos a nos dedicar mais, com maior empenho e de forma mais ativa.
Admitir as diferenças de cada colaborador tem como consequência direta a necessidade de mitigação dos sistemas sociais que usam destas diferenças para oprimir ou negligenciar pessoas dentro do ambiente corporativo. Indo além, entender a esfera individual de cada colaborador demanda que as organizações aceitem que sistemas de opressão existem dentro dos “padrões imaculados” das culturas organizacionais.
É importante compreender que as empresas estão imersas na sociedade como parte integral do sistema capitalista e como figura, muitas vezes, central da existência de muitos sujeitos. Em termos gerais, a manutenção dessas discussões fora das empresas é uma agenda adotada de forma consciente por aqueles que se privilegiam de tais opressões, seja na forma do poder econômico, do biopoder ou do poder político, e que, por vezes, só é reavaliada mediante cenários de pressão social ou quando geram perdas significativas de lucratividade para investidores e proprietários.
Assuntos relacionados a processos discriminatórios, exclusões sociais, abusos de poder ou mesmo aceitação da pluralidade entre pessoas se tornam tabus dentro desses ambientes. Quando são trazidos à tona, são dissuadidos ou esvaziados mediante falas como “aqui não toleramos nenhum tipo de preconceito ou discriminação” ou “todos nessa empresa são tratados de forma igualitária”. Essas falácias se mostram eficientes, pois são facilmente impostas pela relação de poder inerente ao contrato de trabalho.
O surgimento de aspectos como Compliance, conceitos de ESG e RSC deflagra um movimento de mudança no comportamento do mercado no que se refere a causas sociais e ambientais. Ao mesmo tempo, esses aspectos são ferramentas que vêm surgindo de forma muito recente e demandam acompanhamento no que se refere à eficiência na mitigação da degradação social e ambiental — e este acompanhamento é de responsabilidade de todos.
Por fim, é preciso que o alinhamento entre discurso e prática organizacional — no que se refere à diversidade e à inclusão — se concretize em toda a estrutura da empresa. Projetos e normas precisam ser mensuráveis, demonstráveis e acompanháveis para que a mudança possa acontecer. Paralelamente a isso, seguimos resistindo dia após dia no combate às desigualdades, com a certeza de que o caminho é árduo, mas é o único possível.