No último dia 15 março, comemorou-se o dia nacional do consumidor em função do conhecido discurso do Presidente Kennedy, enviado ao Congresso dos Estados Unidos em 1962. A Special message to Congress on protecting Consumer interest é o nome do discurso. A referida mensagem é considerada pela doutrina o grande marco histórico na luta pelos direitos dos consumidores nos E.U.A. e nos demais países. A data passou a ser considerada o dia internacional do consumidor e no Brasil, a partir da Lei n. 10.504, de 08 de julho de 2002, o dia nacional do consumidor. Esta lei, em seu artigo segundo, dispõe que os órgãos federais, estaduais e municipais de defesa do consumidor promoverão festividades, debates, palestras e outros eventos, com vistas a difundir os direitos do consumidor. 1
Um dos pioneiros na discussão do direito do consumidor no Brasil, foi Emilio Antônio Sousa Aguiar Nina Ribeiro, mais conhecido como Nina Ribeiro. Advogado, professor da PUC-RJ, Jornalista, político e jurista brasileiro (com dois mandatos de deputado estadual pela UDN e três como Federal pela Arena) preocupou-se com a defesa do consumidor, realizando viagens à França, Suécia e Estados Unidos, para estagiar em organizações jurídicas de defesa dos direitos do cidadão e do consumidor.
Na França trabalhou na UFC-Que Choisir, a primeira associação Francesa de defesa dos consumidores, criada em 1951 por André Romieu. Nos Estados Unidos, estagiou na organização do Dr. Ralph Nader, Public Citizen, colheu material na Consummer’s Union, na FDA, na Handicaped Consummer, comandada por Liliy Bruc, dentre outras. Na Inglaterra, conheceu Sir Jeremy Mitchel e trabalhou na Revista Wich e na Suécia trabalhou com Ombudsman.
Prestava consultas jurídicas ligadas ao direito do consumidor em um programa semanal na TV Educativa (TVE) quando foi reeleito, no pleito de novembro de 1974, já pelo estado do Rio de Janeiro. Foi autor do primeiro projeto de lei do Código de Defesa do Consumidor, PL 70/1971, em 1971, com a proposta de criação do Conselho de Defesa do Consumidor e do primeiro projeto de lei do Juizado de Pequenas Causas.2
Foi o proponente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) de Defesa do Consumidor, que investigava a venda irregular no Brasil de remédios proibidos pela Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, bem como irregularidades relacionadas a outros produtos e empresas, como a General Motors, com relação à segurança dos veículos àquela época. Nina Ribeiro foi afastado da CPI por questões políticas, mas com o auxílio do deputado Tancredo Neves, que intercedeu em seu favor, conseguiu depor na comissão na qualidade de testemunha. Seu depoimento durou 12 horas e foi posteriormente publicado sob o título de Meu depoimento perante a CPI do Consumidor (1977). No final dos anos 1970, comandou o programa Defesa do Consumidor, na TV Tupi, durante dois anos.3
Nina Ribeiro, em 1971 já alertava o congresso para os problemas relacionados à segurança dos veículos automotores, como fez Ralph Nader, nos Estados Unidos, senão vejamos:
Outro tópico da maior relevância diz respeito à segurança dos veículos expostos e vendidos ao público. Muitos deles estão sendo construídos de feição comprovadamente deficiente e, por isso mesmo, responsáveis por acidentes que ceifaram tantas vidas. Também à guisa de exemplo, podemos citar a Volkswagem, que, para exportar os seus carros da Alemanha para os Estados Unidos, ou para usá-los na própria Alemanha, entre outros equipamentos de segurança adota a chamada barra retrátil de direção. O que é a barra retrátil? Exatamente aquela que, em caso de acidente, em colisão com o motorista, se recolhe. A barra fixa, ao contrário, num choque de maiores proporções, fratura as costelas, o esterno, penetra enfim pelo tórax a dentro de quem está em frente.Porventura, Sr. Presidente, o contribuinte brasileiro merece menos atenção do que o usuário alemão ou americano? Certamente que não. Não podemos admitir que tal critério prevaleça. No entanto, a Volkswagem do Brasil continua a produzir automóveis sem esses mínimos padrões de segurança, que ela própria usa na terra de origem, ou para exportar para outras praças, como no caso dos Estados Unidos, que citei.”4
Outro problema bastante discutido pela doutrina atualmente é a chamada obsolescência programada ou planejada. É o que tem sido chamado de obsolescência planejada ou programada, que nada mais é do que a decisão proposital do fabricante em reduzir o tempo de vida útil de um produto para forçar o consumidor a consumi-lo com mais regularidade.
Os autores divergem acerca de quando realmente teria surgido a ideia de obsolescência planejada. Alguns afirmam que o conceito teria surgido na década de 1920, através do então presidente da General Motors, Alfred Sloan, que procurou atrair os consumidores para trocarem de carro frequentemente, alterando alguns aspectos secundários dos veículos (prática ainda comum na indústria automobilística, denominada hoje de facelift).5
Há aqueles que afirmam que a ideia de diminuir o tempo de uso de produtos apareceu pela primeira vez em 1925, quando o cartel Phoebus, formado pelos principais fabricantes de lâmpadas da Europa e dos Estados Unidos, decidiu reduzir o tempo de duração de suas lâmpadas de 2.500 para 1.000 horas para aumentar o lucro da indústria.
Outros ainda afirmam que a “obsolescência programada” só viria a ser criada mais tarde, pelo norte-americano Bernard London, um investidor imobiliário que sugeria a obrigatoriedade de uma vida útil mais reduzida para os produtos, como forma de impulsionar a economia na época da grande crise de 1929.6
Nesse sentido, o Então Deputado Nina Ribeiro, alertou para o tema em seu discurso de 17 de junho de 1971:
Senhor Presidente, Srs. Deputados, são notórios os abusos que se verificam todos os dias contra o grande público consumidor. Um dos aspectos mais importantes da atualidade brasileira e que, infelizmente, não tem sido abordado com a devida ênfase é o que trata exatamente da proteção do usuário, do contribuinte, daquele que, em última análise, paga, no comércio, o que é produzido pela indústria. Assim, por exemplo, lâmpadas que tecnicamente, poderiam ser fabricadas para durar pelo menos um ano, são propositalmente feitas para se queimarem em poucas semanas.
Soube mesmo de um fato bastante desprimoroso. Um operário que me revelou trabalhar numa dessas fábricas de lâmpadas, disse que, por uma feliz coincidência, por um feliz acaso, conseguiram ali produzir um tipo de artefato que durava muito tempo, mais do que pretendido pela direção da empresa. Essa partida de lâmpada foi posta de lado, não foi enviada ao comércio.7
O tema hoje é fruto de vários estudos e debates, mas já era mencionado por Nina Ribeiro em seus discursos no Congresso. Além disso, o referido deputado alerta que os carros brasileiros são caríssimos, à época, e que mesmo com a diferença cambial, um carro “popular”, seria comprado na Alemanha por 1/3 do preço praticado por aqui. Parece que alta carga tributária que incide nos veículos não é um problema recente nem de solução à vista.
Ainda na defesa da segurança dos veículos dos consumidores brasileiros, Nina Ribeiro afirma que o Puma Brasileiro, veículo fabricado pela indústria nacional, e exportado para os Estados Unidos, apresentava uma série de dispositivos, inclusive antipoluição, que continuavam indisponíveis ao consumidor Brasileiro. Nesse sentido, é o que alerta em seu discurso de 29 de setembro de 1971 e indaga de forma enfática:
Então Sr. Presidente, como ousam essas fábricas – que respeitam na sua terra de origem as especificações técnicas, o Know-how, os padrões de durabilidade e de segurança – vir para terras estranhas, o território brasileiro, aqui se instalarem, haurir lucros fabulosos, cobrar um preço quase inacessível pelo veículo, para depois não respeitarem sequer os padrões mínimos de segurança e de durabilidade que observam no seu país de origem?8
O Código de Defesa do Consumidor, em art. 32 dispõe que “os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto e que cessadas a produção ou importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável de tempo, na forma da lei.
A fabricação e importação de peças de reposição também foram tema dos discursos de Nina Ribeiro em consonância com o artigo 32 do CDC. Afirma o deputado que alguns modelos fornecidos aqui no Brasil, cujas linhas de produção já haviam sido encerradas, deixaram os consumidores à deriva.9
Outra preocupação apontada por Nina foi com relação às embalagens dos produtos e o dever de informação do fornecedor. É direito básico do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. Nesse diapasão, em seu discurso do dia 26 de abril de 1972, afirmava que havia observado, com base em pesquisas, que vários produtos possuíam características diferentes das anunciadas em suas embalagens, produtos alimentícios e também de uso doméstico como, sabonetes e materiais de limpeza, bem como os produtos de beleza.
Desse modo, percebe-se que vários assuntos foram objeto de debate na tribuna do Congresso pelo deputado Nina Ribeiro, antes mesmo do advento de uma legislação de consumo.
Nina Ribeiro, foi um precursor de discussões até hoje importantes no direito do consumidor, em uma época em que o assunto era completamente desconhecido da maioria das pessoas. Seus discursos no Congresso Nacional são um patrimônio histórico do direito do consumidor. Infelizmente, a história não lhe fez justiça. Esse pioneiro ainda é muito pouco lembrado na maioria dos livros de direito do consumidor. Espera-se que com a retomada de seus discursos, a injustiça seja reparada.
Referências
____________________
1. Grande parte desse texto já foi publicado de forma separada anteriormente em outra revista: OLIVEIRA, Júlio Moraes. Nina Ribeiro e o pioneirismo na defesa do consumidor no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 23, n., mar. 2018. Disponível em: link e do artigo “30 anos de CDC: Duas grandes personalidades históricas do direito do consumidor.” Disponível em: link. acesso em 24.03.2024.
2. PAOLA, Heitor de. Demissão por injusta causa! – Entrevista com Nina Ribeiro. Disponível em: link. Acesso em 21.02.2018
3. FONTES: CÂM. DEP. Deputados; CÂM. DEP. Deputados brasileiros. Repertório (1967-1971, 1971-1975 e 1975-1979); CÂM. DEP. Relação nominal dos senhores; INF. BIOG.; Jornal do Brasil (2/10/66, 22/11/74, 11 e 20/4/76, 31/1, 22/9 e 20/11/78); NÉRI, S. 16; Perfil (1972); TRIB. SUP. ELEIT. Dados (6, 8 e 9); Veja (23/8/72). link. Acesso em 21.02.2018.
4. RIBEIRO, Nina. Em Defesa do Consumidor. Discursos proferidos da Tribuna da Câmara dos Deputados. Centro de Documentação e Informação. Brasília, 1974. p. 8.
5. OLIVEIRA, Júlio Moraes. Curso de Direito do Consumidor Completo. 10 ed. Revista, Atualizada e ampliada. Belo Horizonte: D’Plácido Editora, 2024.p. 268.
6. BRAGA, Júlia. Obsolescência programada: o consumo exacerbado e o esgotamento de fontes naturais. Goethe Institut. Disponível em: link kul/dub/umw/pt10282568.htm. Acesso em 26.09.2013.
7. RIBEIRO, Nina. Em Defesa do Consumidor. op. cit. p. 7.
8. RIBEIRO, Nina. Em Defesa do Consumidor. op. cit. p. 7.
9. RIBEIRO, Nina. Em Defesa do Consumidor. op. cit. p. 7.