O direito das famílias está estreitamente ligado a situações íntimas, e que não raras vezes acabam batendo à porta do Judiciário. A infidelidade é um deles.
Quem já enfrentou uma traição conhece o roteiro: a ruptura imprevista, o desmoronamento de uma ideia de futuro, a vergonha silenciosa, as perguntas que ninguém responde. Há uma dor evidente, mas o sofrimento humano não é, por si, o critério do Direito.
E é justamente aí que surge a pergunta que costuma chegar ao Judiciário: o cônjuge ou companheiro traído pode exigir indenização por dano moral? A resposta não é automática, e não poderia ser diferente.
O ordenamento jurídico brasileiro protege a honra, imagem, dignidade e integridade psíquica, e quando se trata do casamento e da união estável se impõem deveres recíprocos, entre os cônjuges e companheiros, quais sejam o da fidelidade e da lealdade, respectivamente.
É justamente nesse encontro, entre expectativas morais, sentimentos e normas jurídicas que nascem os conflitos. Mas a violação de um dever conjugal não converte automaticamente a dor em dano moral.
Esse é o primeiro ponto que causa choque: a traição, considerada isoladamente, não costuma gerar indenização. Não porque o Judiciário ignore a dor do afeto rompido, mas porque o Direito Civil não tem o papel de administrar corações partidos.
Relações amorosas terminam, promessas são quebradas, expectativas são frustradas, e isso, por mais duro que seja, pertence à dinâmica da liberdade afetiva. Não há reparação jurídica para cada desencanto da vida, muito menos não existe para tutelar, repita-se, corações partidos.
Nesse ponto, os rompimentos amorosos estão no campo das relações humanas e nem todos os desajustes afetivos transformam-se em responsabilidade civil, ainda que se possa pensar que há quebra de um dos deveres do casamento ou da união estável; e se questionar se isso já não seria por si só hipóteses para responsabilidade civil.
Se há a regra, há exceções, e elas são importantes. Quando a infidelidade extrapola a esfera privada e produz humilhação pública, exposição vexatória, ridicularização ou danos concretos à personalidade, o cenário muda de cor.
Mas é preciso que já se inicie esclarecendo que não se trata de punir o adultério, mas de se reconhecer que certos comportamentos podem violar direitos fundamentais da pessoa, e não apenas ferir egos ou expectativas conjugais.
Sendo assim, o Judiciário, nesses casos, tem admitido indenização por danos morais, mas não por vingança, muito menos uma resposta moralizante, e sim porque a responsabilidade civil serve para compensar danos e desencorajar condutas abusivas.
A vítima não precisa provar que está triste, precisa demonstrar que foi aviltada em sua dignidade. E essa distinção é importante porque a sociedade, ainda hoje, tende a imputar a um dos gêneros a culpa e patrimonializar emoções.
Isso levaria a transformar cada caso de infidelidade em dano moral, colocando o Judiciário na posição de juiz da moral conjugal, produzindo uma máquina indenizatória movida por ressentimentos.
Ao reconhecer apenas as hipóteses de efetiva violação dos direitos da personalidade reforça-se a autonomia privada, a liberdade afetiva e o papel constitucional da dignidade.
Mesmo assim, é preciso que haja prova da repercussão social humilhante da traição, que vai se verificar através da exposição, e do consequente constrangimento da vítima dessa traição.
Mas há um ponto que costuma não ser discutido, e que está no momento em que a traição torna-se um instrumento de violência psicológica, que surgem nos casos em que a infidelidade é praticada de forma deliberada para humilhar, controlar, manipular ou desestabilizar emocionalmente o parceiro.
Nesses casos, o cenário deixa de ser um simples fim de relação e passa a integrar as condutas de violação reiterada da dignidade emocional, que poderá ser vista, por exemplo, quando o traidor expõe a situação publicamente para constranger; traz terceiros para dentro da intimidade com intuito de provocar ciúme e fragilizar o outro; usa a infidelidade como método de punição; alterna promessas, mentiras e manipulação emocional, provocando desgaste psíquico contínuo.
Aqui são situações em que o dano não é moral por causa da “dor da traição”, mas porque há ataque direto à saúde emocional e à integridade psíquica, limites que o Direito pode, e deve, tutelar.
Não se pede indenização por ressentimento; pede-se reparação por violência simbólica e psicológica, uma forma de agressão que viola direitos de personalidade e encontra amparo constitucional.
Mais uma vez, o foco não é transformar o Judiciário num tribunal da moral conjugal, mas reconhecer que abusos emocionais não são meros “conflitos de casal”.
Não está se blindando corações, apenas garantindo que, quando a intimidade for destruída com violência simbólica e exposição indevida, a dor não será tratada como mero detalhe doméstico.
A discussão não é sentimental, é constitucional ao direito de construir relações afetivas, e, ainda, no direito de não ser submetido à degradação emocional como método de convivência. O Estado não deve policiar amores, mas deve intervir quando há agressão à dignidade.
Portanto, se banalizarmos o dano moral, criamos ações motivadas por frustração, mas se banalizarmos a violência psicológica, legitimamos agressões silenciosas. O equilíbrio está justamente no meio: não é dever do Estado policiar amores, mas é função constitucional proteger dignidade, permanecendo atento, laico, humano, mas nunca sentimental.



