O duelo das virilidades: encruzilhadas do gênero

O duelo das virilidades: encruzilhadas do gênero

homens brigando

As discussões acerca das masculinidades nos fazem compreender que há, nos limites do gênero, enquanto categoria política, uma memória moderna e colonial. Trata-se de uma formulação de poder que anseia, de modos multiarticulados, compor uma hierarquia entre grupos sociais, retroalimentar pactos de controle e fazer com que se instale de forma ostensiva uma oposição radical entre o centro e o que se designa, no intramundo de políticas discriminatórias, como o não-lugar. Tal estrutura propicia a composição do que chamamos, à luz das teses de Connell e Messerschmidt, de “masculinidade hegemônica”, ou seja, uma produção política que circunscreve a norma, que se posiciona como sinônimo de poder no entrecruzamento de parâmetros políticos de hierarquização como raça, classe, território, sexualidade e cisgeneridade, por exemplo. Nesses termos, a superioridade de determinadas masculinidades se manifesta como o produto de relações de poder, sejam econômicas, estéticas ou valorativas, que negritam uma oposição radical em relação às identidades femininas e às masculinidades subalternizadas.

Vale frisar que subalternidade não é uma essência, uma qualidade ou potencialidade humana, mas, sim, uma condição imposta pelos instrumentos de poder coordenados para aviltar a presença de sujeitos e grupos sociais posicionados pela manipulação colonial da diferença. Enquanto parâmetro ideológico, a “masculinidade hegemônica” atravessa as experiências políticas, modela percepções e subjetividades, e é incorporada e reproduzida, inclusive, por atores sociais que são massacrados pelas suas composições de poder e de exclusão. Enquanto modelo de pensar e de agir no mundo, ela penetra nas experiências entre masculinidades subalternizadas fazendo com que identidades masculinas que estão à distância da brancura, dos privilégios de classe/território, da ciseteronorma e da ausência de deficiência, se digladiem entre si, acreditando mesmo que a inimizade habita em suas relações.  O espancamento e o estupro de um homem antes do clássico entre Santa Cruz e Sport, pelo Campeonato Pernambucano, revela o modus operandi das relações de poder que se sustentam na barbárie e banalizam os seus efeitos, que constroem de forma sistêmica a figura do outro como o inimigo — nesse caso de outras masculinidades (subalternizadas) —  que passa a ser, portanto, significado como corpo transmutado em carne para ser consumido pela violência.  A violação sexual e o espancamento, nesse caso, servem como ferramenta de manutenção de uma ordem de mundo fracassada, mas que mantém a lógica vil do gênero.

Eu não acredito no argumento da busca pela “masculinidade saudável”, pois ela pressupõe que todas as atrocidades que se enraízam numa sociedade generificada são efeitos patológicos. Nessa direção, não conseguimos responsabilizar nem os sujeitos, tampouco as estruturas e os sistemas culturais forjados para neutralizar a presença de todo corpo designado à distância da norma. Não existem masculinidades doentes. O que há, de fato, são relações de poder estruturalmente comprometidas para formar percepções e naturalizar as mais diversas formas de brutalidade, oposição e hierarquização entre sujeitos e grupos sociais. É imprescindível, no horizonte das masculinidades possíveis, que enfrentemos o núcleo tecnopolítico que sustenta as relações de poder: o desprezo por todo corpo significado como radicalmente “outro”.

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