Quem viveu na década de oitenta deve se recordar de uma publicidade que ficou muito conhecida no país. Essa publicidade era um bordão do shampoo Denorex. O referido produto, alegava combater a caspa como se fosse um remédio, mas não era remédio. Logo, o bordão “parece, mas não é” tomou conta do país. Até hoje, pessoas que viveram nessa época se lembram desse bordão.
Esse bordão, “parece, mas não é”, se encaixa perfeitamente no momento atual no qual a indústria substitui produtos em função da alta de preços e falta de matéria prima dos últimos anos.
Alguns produtos que os consumidores estavam habituados, começam a ser substituídos por outros de menor qualidade, geralmente composto por misturas de soro de leite e amido, com baixo teor nutritivo. Para exemplificarmos, o leite tradicional foi substituído pela mistura láctea, o leite condensado pela mistura láctea condensada de leite, soro de leite e amido, o creme de leite, pela mistura de creme de leite, o queijo ralado pela mistura alimentícia com queijo ralado, o leite em pó, pelo pó para preparo de bebida sabor leite ou composto lácteo com óleos vegetais, o requeijão cremoso, pela mistura láctea sabor requeijão, a manteiga pelo alimento à base de manteiga e creme vegetal e o doce de leite pelo doce de soro de leite sabor doce de leite.
O que se percebe nesses novos produtos é que a grande maioria é composta por soro de leite, amido, gordura vegetal, açúcar e aditivos químicos. O soro do leite era resíduo descartado que sobrava dos derivados do leite que agora está sendo reaproveitado para fabricar novos produtos.
É importante ressaltar que esses novos produtos possuem autorização nos órgãos oficiais, como Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) ou na Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), desse modo, não há nada de irregular do ponto de vista técnico. Então qual a polêmica na oferta desses produtos?
A polêmica recai sobre alguns aspectos. A primeira questão é que esses produtos estão substituindo os produtos tradicionais aos quais os consumidores estavam habituados. Isso tem vários impactos. As receitas feitas com esses produtos não vão render da mesma forma e deve refletir na qualidade, já que esses produtos são misturas. Outro problema está no aspecto nutricional. Vários especialistas afirmam que esses produtos não cumprem os valores nutricionais dos produtos tradicionais que possuem muito mais nutrientes. Aliás, muito pelo contrário, essas “misturas” podem ser extremamente prejudiciais à saúde. 1
Mas talvez a principal polêmica esteja exatamente na falha de informação desses produtos. A maioria absoluta desses produtos usam a mesma embalagem dos tradicionais causando confusão nos consumidores. O art. 6º, III, do CDC, dispõe que é direito básico dos consumidores a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. Esses produtos normalmente trazem a informação de que são similares, como a expressão “mistura”, mas como o consumidor não está habituado com essa nova gama de produtos, a indústria se vale disso e acaba confundindo o consumidor. É o famoso Denorex, parece, mas não é. A semelhança nas embalagens é potencializada pela má-fé dos vendedores que colocam esses produtos nas mesmas prateleiras dos tradicionais, causando ainda mais confusão nos consumidores.
A Nestlé, por exemplo, foi notificada pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), a dar explicações sobre cinco produtos que têm rótulos semelhantes às fórmulas infantis, que são destinadas ao consumo de bebês lactantes. Ao contrário das fórmulas, os compostos lácteos não são indicados para o consumo de menores de dois anos. Para a Senacon, as embalagens dos produtos Neslac Supreme, Neslac Comfor, Neslac Comfor Zero Lactose, Nestonutri e Ninho Fases 3+, por serem parecidas, podem confundir e influenciar na decisão de compra, colocando em risco a saúde e a segurança dos consumidores. Com a investigação, a Secretaria busca saber se a Nestlé desrespeita o direito à informação adequada e se usa de publicidade enganosa, por comercializar produtos com rótulos semelhantes. 2
Esse também é o exemplo do tradicional Leite Moça, nos últimos meses, a tradicional embalagem azul foi substituída por uma versão vermelha. A tradicional é o leite condensado tradicional, integral ou desnatado, e a vermelha, é a mistura láctea condensada de leite, soro de leite e amido. 3
O que se espera da indústria alimentícia e da cadeia de fornecimento desses produtos é uma rotulagem adequada para diferenciar produtos que não são mesma coisa e uma informação clara na disposição dos mesmos, evitando-se assim a confusão nos consumidores desses produtos. Como já dizia o bordão do Denorex, “parece, mas não é”.
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Referências
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1. BIERNATH, André. “Parece Leite, mas não é: como a crise “empobreceu”a fórmula dos produtos lácteos no Brasil. Disponível em: https://bit.ly/3wg1IDt. Acesso em 16.08.2002.
2. Senacon pede esclarecimentos à Nestlé sobre produtos com rótulos semelhantes. Disponível em: https://bit.ly/3QY2wof. acesso em: 16.08.2022.
3. BIERNATH, André. “Parece Leite, mas não é: como a crise “empobreceu”a fórmula dos produtos lácteos no Brasil. Disponível em: https://bit.ly/3CgRjv4. Acesso em 16.08.2002.