O empregador não pode reter o celular privado dos colaboradores

O empregador não pode reter o celular privado dos colaboradores

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O uso do aparelho celular de maneira exagerada pelos empregados durante o expediente é algo completamente desproporcional, ilegal e pode sim levar a aplicação de advertências, suspensões e nos casos mais graves o desligamento do colaborador.

Não há dúvidas de que é completamente incorreto que o trabalhador deixe de cumprir com as suas obrigações diárias para fazer uso de redes sociais, jogos, enviar mensagens, participar de apostas e acessar outros conteúdos sem a mínima pertinência com o ofício.

Portanto o empregador pode e deve advertir esse empregado (de preferência por escrito), caso o comportamento se mantenha ou agrave é possível suspender o colaborador e na pior das hipóteses demiti-lo por justa causa, haja vista a configuração do mau procedimento, da indisciplina, da insubordinação e da desídia (Art. 482 da CLT).

No entanto um alerta há de ser feito aos empregadores, não é razoável que ocorra a retenção do aparelho celular pessoal dos trabalhadores, pois corre-se o risco do empregador ser responsabilizado por uma decisão equivocada.

Inicialmente o empregador deve ter em mente que o aparelho celular é uma extensão da vida pessoal e privada do colaborador, nele encontram-se armazenados dados extremamente sensíveis.

É um direito de todo e qualquer brasileiro o sigilo dos seus dados bancários, e-mails/mensagens, dados fiscais e outros mais de ordem pessoal (Art. 5º, X, XII), não havendo dúvidas de que um celular guarda informações que o empregador jamais pode ter acesso e é um direito do empregado recusar entregá-lo.

Não podemos nos esquecer que é comum constar nos aparelhos celulares pessoais dos trabalhadores dados de origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual e dado genético ou biométrico do empregado, sendo esses considerados sensíveis nos termos da LGPD (art. 5º, II da LGPD).

Logo, não há dúvidas de que o celular vai muito além de fazer e receber chamadas, atualmente ele é um aparelho tecnológico capaz de guardar inúmeros dados e informações sigilosas, possuindo importância imensurável para a vida e a privacidade do seu proprietário, vejamos:

A questão é sobretudo relevante do ponto de vista dos dispositivos móveis, especialmente os aparelhos celulares, que a rigor são objeto de consumo indistinto do cidadão médio. Tais dispositivos armazenam em si múltiplas informações sensíveis de seu titular, como arquivos de fotos, vídeos, clipes de áudio, mensagens, contatos e afins, cujo acesso incontrolado pode representar lesão não apenas à sua privacidade digital, mas também à sua vida íntima e honra pessoal (a depender do conteúdo do arquivo devassado). (TEIXEIRA; MAGRO, 2018, p. 76).1

É de se reconhecer, portanto, que o aparelho celular hodiernamente possui instrumental importância para o ser humano, não mais como mero transmissor/recebedor de chamadas e mensagens, mas sim um microcomputador portátil que carrega as mais diversas informações de seu proprietário. (FARIA, SANTOS, 2020, p. 5).2

Portanto, considerando as informações extremamente sensíveis e constitucionalmente protegidas armazenadas no celular pessoal do empregado, não é recomendado que o aparelho seja retirado arbitrariamente do colaborador, vejamos o que nos ensina o STJ:

Atualmente, o celular deixou de ser apenas um instrumento de conversação por voz à longa distância, permitindo, diante do avanço tecnológico, o acesso de múltiplas funções, incluindo a verificação de correspondência eletrônica, de mensagens e de outros aplicativos que possibilitam a comunicação por meio de troca de dados de forma similar à telefonia convencional. Desse modo, sem prévia autorização judicial, é ilícita a devassa de dados e de conversas de whatsapp realizada pela polícia em celular apreendido. (STJ, RHC 51.531-RO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 19/4/2016, DJe 9/5/2016).

Portanto, a retenção indevida do celular privado do empregado, bem como eventual acesso ao seu conteúdo sem a correta autorização judicial, certamente gerarão inúmeras ilegalidades que fogem do poder de direção, podendo resultar em processos severos.

Igualmente desfavorável pesa o fato de que não há lei expressamente autorizando a retenção do celular pelo empregador, sendo clara a Carta Maior em assegurar que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II), razão pela qual o funcionário pode facilmente se recusar a cumprir ordens arbitrárias e invasivas, nada podendo ser feito contra ele.

De mais a mais, reforçando o aqui estudado, o TRT-13 já se pronunciou recentemente a respeito do assunto aplicando a sanção de falta grave à empregadora condenando-a em danos morais e destacando que a conduta gerou assédio moral ao reclamante:

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. RESCISÃO INDIRETA. RIGOR EXCESSIVO DO EMPREGADOR. FALTA GRAVE. DANO MORAL. In casu, de acordo com o que foi verificado nos autos, a falta grave da reclamada decorreu da retenção de maneira ilegal do celular do reclamante por muitos dias, bem como o acesso a dados pessoais e sigilosos do autor sem a sua autorização. Nesse contexto, ficou demonstrado que a proprietária da reclamada extrapolou seu poder diretivo e expôs o reclamante de forma abusiva a situação vexatória. Tais situações estão a demonstrar que o reclamante foi vítima de assédio moral e, por conseguinte, faz jus à indenização por danos morais. Manutenção da sentença. Recurso ordinário a que se nega provimento.

(…)

Assim, tendo as provas dos autos demonstrado que o aparelho pertencia ao reclamante, a conduta da proprietária da reclamada em reter o aparelho celular foi totalmente inadequada e ilegal.

Não foi legítimo por parte da reclamada acessar as informações contidas no celular do autor, sem a permissão do mesmo, uma vez que o aparelho não era de sua propriedade, mas de propriedade do autor, com dados pessoais e sigilosos que lhe pertenciam.

A meu ver, a entrega de chip pela empresa reclamada tinha como intuito apenas permitir ao reclamante o contato com os clientes da empresa, realizando e recebendo ligações telefônicas, não possuindo a proprietária o direito de acessar as informações pessoais contidas no aparelho, mormente pelo fato de que o aparelho utilizado pelo reclamante não tinha a finalidade guardar informações relativas à prestação dos serviços.

Dessa forma, diante do que restou demonstrado por meio do acervo probatório, tem-se que a proprietária da empresa reclamada praticou conduta totalmente incompatível com o poder diretivo, no momento em que decidiu por conta própria e sem permissão acessar indevidamente os dados pessoais e sigilosos do empregado.

Nesse diapasão, entendo que restou caracterizado o rigor excessivo (alínea “a” do artigo 483 da CLT), ante ao abuso do poder diretivo que expôs o empregado a uma situação vexatória no ambiente de trabalho. (TRT 13ª Região – 1ª Turma – Recurso Ordinário Trabalhista nº 0000019-33.2020.5.13.0029, Redator(a): Desembargador(a) Paulo Maia Filho, Julgamento: 25/10/2022, Publicação: DJe 28/10/2022).

Portanto, restou evidente que a conduta de reter os aparelhos foge do poder de direção, o empregador até pode proibir o uso indevido do celular durante o expediente, mas jamais o reter forçosamente do empregado, nesse sentido há um artigo de autoria do advogado Eraldo Aurélio Rodrigues Franzese no qual o profissional nos ensina o seguinte:

Entretanto, entendemos que não é legal o empregador recolher os aparelhos celulares dos empregados no início da jornada para devolvê-los ao final. Os celulares não se prestam apenas para ligações telefônicas, mas possuem uma série de recursos com o registro de dados pessoais de privacidade, que não podem ter o risco de acesso por terceiros sem a devida autorização.

Se a atividade é daquelas de risco que recomenda que não se portem celulares, deve o empregador disponibilizar armários individuais com chave para que o próprio funcionário guarde o seu aparelho durante a jornada de trabalho. Pode o empregador, como já foi dito, proibir a utilização do aparelho durante a jornada de trabalho e punir o trabalhador que descumprir a ordem, mas não é legítimo que retenha os aparelhos celulares. (FRANZESE, 2015).3

Acrescento que é uma tremenda injustiça com quem não usa o aparelho celular durante o expediente ser compelido à cedê-lo ao empregador porque um restrito grupo de empregados decidiu usar imoderadamente o celular no expediente, no geral o empregador está prejudicando todo um time de empregados para punir um pequeno grupo.

Em razão de tudo o que foi argumentado e exposto neste artigo, concluo que o empregador não pode retirar ou reter de maneira arbitrária e sem autorização o celular privado do colaborador. No entanto, pode a empresa estabelecer normas de uso do aparelho durante o expediente, devendo punir os funcionários que não cumprem as normas.

 

Referências

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1. TEIXEIRA, Tarcísio; MAGRO, Américo Ribeiro. A inviolabilidade dos dados pessoais e o controle judicial da prova eletrônica ilícita. Revista Brasileira de Direitos e Garantias Fundamentais. jul-dez, 2018, p. 61-82.

2. FARIA, Helio Wiliam Cimini Martins; SANTOS, Richarlisson da Silva. DIREITO À PRIVACIDADE: a inviolabilidade do aparelho celular. Revista Eletrônica de Ciências Jurídicas, v. 1, n. 2, 2020, p. 1-43.

3. FRANZESE, Eraldo Aurélio Rodrigues. O empregador pode recolher aparelho celular do empregado no período da jornada de trabalho? SINDAPORT, 2015. Disponível em: link. Acesso em: 18/01/2024.

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