O Brasil acaba de aprovar o novo marco legal dos seguros, a Lei n. 15.040, de 9 de dezembro de 2024. A lei tem origem no Projeto de Lei da Câmara (PLC) 29/2017, aprovado em junho pelo Senado, com a relatoria do senador Otto Alencar (PSD-BA), e em novembro pela Câmara. O referido projeto sancionado sem vetos pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva e transformado na Lei n. 15.040/2024. Essa lei dispõe sobre normas de seguro privado; e revoga dispositivos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966.
A criação de uma lei específica para regulamentar o contrato de seguro aproxima o Brasil do modelo já adotado em vários países, como Itália, França, Portugal, Espanha, Argentina e Chile. Na prática, essa mudança estabelece um microssistema jurídico dedicado ao contrato de seguro, promovendo uma organização mais clara e estruturada dos conceitos aplicáveis. Isso pode trazer mais transparência às relações jurídicas e facilitar a compreensão e a disseminação dos aspectos relacionados a esse tipo de contrato.
A legislação afirma que somente podem pactuar contratos de seguro entidades que se encontrem devidamente autorizadas na forma da lei, problema bastante recorrente aqui no Brasil, infelizmente.
O artigo 9º dispõe que o contrato cobre os riscos relativos à espécie de seguro contratada e que os riscos e os interesses excluídos devem ser descritos de forma clara e inequívoca, além disso, determina que se houver divergência entre a garantia delimitada no contrato e a prevista no modelo de contrato ou nas notas técnicas e atuariais apresentados ao órgão fiscalizador competente, prevalecerá o texto mais favorável ao segurado.
Um aspecto importante introduzido pela nova legislação é que o contrato não poderá conter cláusula que permita sua extinção unilateral pela seguradora ou que, por qualquer modo, subtraia sua eficácia além das situações previstas em lei, nos termos do art. 5, 9º, § 5º. O contrato é nulo quando qualquer das partes souber, no momento de sua conclusão, que o risco é impossível ou já se realizou. Nesse sentido, a parte que tiver conhecimento da impossibilidade ou da prévia realização do risco e, não obstante, celebrar o contrato pagará à outra o dobro do valor do prêmio. Desaparecido o risco, resolve-se o contrato com a redução do prêmio pelo valor equivalente ao risco a decorrer, ressalvado, na mesma proporção, o direito da seguradora às despesas incorridas com a contratação.
Sob pena de perder a garantia, o segurado não deve agravar intencionalmente e de forma relevante o risco objeto do contrato de seguro. O segurado deve comunicar à seguradora relevante agravamento do risco tão logo dele tome conhecimento. Ciente do agravamento, a seguradora poderá, no prazo de 20 (vinte) dias, cobrar a diferença de prêmio ou, se não for tecnicamente possível garantir o novo risco, resolver o contrato, hipótese em que este perderá efeito em 30 (trinta) dias contados do recebimento da notificação de resolução.
A resolução deve ser feita por qualquer meio idôneo que comprove o recebimento da notificação pelo segurado, e a seguradora deverá restituir a eventual diferença de prêmio, ressalvado, na mesma proporção, seu direito ao ressarcimento das despesas incorridas com a contratação.
Sobre o prêmio, a lei estabelece que o mesmo deverá ser pago no tempo, no lugar e na forma convencionados e, salvo disposição em contrário, o prêmio deverá ser pago à vista e no domicílio do devedor. É vedado o recebimento do prêmio antes de formado o contrato, salvo o caso de cobertura provisória. O atraso no pagamento da prestação única ou da primeira parcela do prêmio implica a rescisão automática do contrato, salvo previsão, prática ou costume em contrário. O atraso no pagamento de outras parcelas suspende a cobertura contratual, mas a seguradora mantém o direito ao prêmio, desde que notifique o segurado, concedendo-lhe um prazo mínimo de 15 (quinze) dias, a contar do recebimento, para regularizar a situação.
A notificação deve ser realizada por meio que comprove o recebimento pelo segurado e deve conter avisos sobre a suspensão da garantia em caso de não pagamento dentro do prazo estabelecido e sobre a impossibilidade de a seguradora realizar pagamentos de sinistros ocorridos após o vencimento da parcela inadimplida. A rescisão do contrato, exceto nos casos de atraso no pagamento da prestação única ou da primeira parcela do prêmio, exige notificação prévia e só poderá ocorrer após 30 (trinta) dias da suspensão da garantia.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já havia consolidado o entendimento de que “o simples atraso no pagamento de parcela do prêmio não é suficiente para a rescisão automática do contrato de seguro, sendo indispensável a constituição prévia em mora, mediante interpelação específica” (STJ. AgRg no AREsp 543.101/SP, 13/2/20). Além disso, é importante destacar o conteúdo da Súmula 616 do STJ: “A indenização securitária é devida quando não há comunicação prévia ao segurado sobre o atraso no pagamento do prêmio, pois tal comunicação constitui requisito essencial para a suspensão ou resolução do contrato de seguro”.1
Nos seguros de vida e integridade física com reserva matemática, o não pagamento de parcelas subsequentes à primeira resultará na redução proporcional da garantia ou na devolução da reserva, conforme a escolha do segurado ou beneficiários, que deverá ser feita dentro de 30 (trinta) dias após a notificação do inadimplemento. Caso não haja manifestação, a decisão caberá à seguradora. Em seguros de vida e integridade física, o prêmio pode ser ajustado por prazo limitado ou durante toda a vida do segurado.
A cobrança do prêmio poderá ser executada judicialmente se a notificação feita pela seguradora não surtir efeito, desde que esta tenha assumido o risco relativo ao interesse segurado.
Com relação ao seguro em favor de terceiro, a legislação dispõe que o seguro será estipulado em favor de terceiro quando garantir interesse de titular distinto do estipulante, determinado ou determinável. O beneficiário será identificado por lei, por ato de vontade anterior à ocorrência do sinistro ou pela titularidade do interesse garantido. O seguro em favor de terceiro pode coexistir com o seguro por conta própria, ainda que no âmbito do mesmo contrato.
Se, em 3 anos, a seguradora não identificar nenhum beneficiário ou dependente, o valor da indenização será destinado ao Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil (Funcap).
A referida lei também trata do Cosseguro afirmando que ocorre cosseguro quando 2 (duas) ou mais seguradoras, por acordo expresso entre si e o segurado ou o estipulante, garantem o mesmo interesse contra o mesmo risco, ao mesmo tempo, cada uma delas assumindo uma cota de garantia.
O documento deve indicar claramente o cosseguro, as seguradoras envolvidas e as quotas de garantia de cada uma. Se a cosseguradora líder não for identificada claramente, os interessados devem buscar a cosseguradora que emitiu o documento ou cada uma das cosseguradoras em caso de múltiplos documentos. A cosseguradora líder administra o cosseguro, representando as demais na formação e execução do contrato, e as substitui em processos judiciais ou arbitragens. Caso a ação seja movida apenas contra a líder, ela deve informar sobre a existência do cosseguro e notificar as demais cosseguradoras.
Caso a ação seja movida apenas contra a líder, ela deve informar sobre a existência do cosseguro e notificar as demais cosseguradoras.
A sentença contra a líder será válida para as demais cosseguradoras, que serão executadas nos mesmos autos. Cada cosseguradora é responsável apenas pela sua quota de garantia, a não ser que haja previsão contratual diferente. O descumprimento de obrigações entre as cosseguradoras não prejudica o segurado ou terceiros.
Com relação ao seguro cumulativo, ocorre quando o segurado ou estipulante contrata seguros independentes com várias seguradoras, sem limite para a cota de garantia. Nesse sentido, o segurado deve informar a cada seguradora sobre os outros contratos. Se o valor total da soma das importâncias seguradas exceder o valor do interesse segurado, será feita uma redução proporcional nas importâncias seguradas de cada contrato. A redução proporcional não afetará os contratos com seguradoras insolventes. Os intervenientes são obrigados a agir com lealdade e boa-fé e prestar informações completas e verídicas sobre todas as questões envolvendo a formação e a execução do contrato. Os representantes e os prepostos da seguradora, ainda que temporários ou a título precário, vinculam-na para todos os fins quanto a seus atos e omissões. Também, o corretor de seguro é responsável pela efetiva entrega ao destinatário dos documentos e outros dados que lhe forem confiados, no prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis. Sempre que for conhecido o iminente perecimento de direito, a entrega deve ser feita em prazo hábil. A lei também estabelece que pelo exercício de sua atividade, o corretor de seguro fará jus à comissão de corretagem e a renovação ou a prorrogação do seguro, quando não automática ou se implicar alteração de conteúdo de cobertura ou financeiro mais favorável aos segurados e aos beneficiários, poderá ser intermediada por outro corretor de seguro, de livre escolha do segurado ou do estipulante.
Dentre as alterações com relação à formação do contrato, a lei estabelece que a proposta de seguro poderá ser feita diretamente, pelo potencial segurado ou estipulante ou pela seguradora, ou por intermédio de seus representantes. A proposta feita pela seguradora não poderá ser condicional e deverá conter, em suporte duradouro, mantido à disposição dos interessados, todos os requisitos necessários para a contratação, o conteúdo integral do contrato e o prazo máximo para sua aceitação.
O contrato de seguro prova-se por todos os meios admitidos em direito, vedada a prova exclusivamente testemunhal. A seguradora é obrigada a entregar ao contratante, no prazo de até 30 (trinta) dias, contado da aceitação, documento probatório do contrato. Afirma a lei que o contrato de seguro deve ser interpretado e executado segundo a boa-fé. Se da interpretação de quaisquer documentos elaborados pela seguradora, tais como peças publicitárias, impressos, instrumentos contratuais ou pré-contratuais, resultarem dúvidas, contradições, obscuridades ou equivocidades, elas serão resolvidas no sentido mais favorável ao segurado, ao beneficiário ou ao terceiro prejudicado. Esse aspecto inserido pela legislação se adequa exatamente à principiologia do Código de Defesa do Consumidor. A nova lei também aborda o contrato de resseguro explicando que pelo contrato de resseguro, a resseguradora, mediante o pagamento do prêmio equivalente, garante o interesse da seguradora contra os riscos próprios de sua atividade, decorrentes da celebração e da execução de contratos de seguro.
A norma prevê a possibilidade de autorização da autoridade regulatória para isentar a responsabilidade da seguradora cedente no caso de cessão de carteira, situação em que uma seguradora repassa seus contratos vigentes para outra companhia, afastando a necessidade de concordância prévia dos segurados e beneficiários. Quando há cessão de carteira atualmente, a seguradora cedente continua responsável pelos contratos mesmo após o repasse deles a outra companhia. A seguradora que ceder sua posição contratual (cedente), no todo ou em parte, sem concordância prévia dos segurados e seus beneficiários conhecidos ou autorização prévia e específica da autoridade fiscalizadora, será solidariamente responsável com a seguradora cessionária.
A norma aumenta o prazo para aceitação tácita de uma proposta de seguro, de 15 para 25 dias, dando mais tempo à companhia para analisar se vai aceitar ou recusar uma solicitação. Somente se passar de 25 dias, a proposta será considerada aceita. A proposta feita pelo segurado não exigirá forma escrita em papel, permitindo meios digitais para a formalização do contrato — prática que já vem sendo utilizada pelas empresas de seguro. A lei também altera a vigência do prazo prescricional, ou seja, o intervalo de tempo em que um cliente pode entrar na Justiça contra uma seguradora. Atualmente, o prazo começa a contar a partir da data do sinistro, mas a norma altera para a data da negativa dada pela companhia.
O novo marco dos seguros também dispõe que o foro competente para as ações de seguro é o do domicílio do segurado ou do beneficiário, salvo se eles ajuizarem a ação optando por qualquer domicílio da seguradora ou de agente dela.
Nos seguros sobre a vida e a integridade física, o capital segurado é livremente estipulado pelo proponente, que pode contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com a mesma ou com diversas seguradoras. O capital segurado, conforme convencionado, será pago sob a forma de renda ou de pagamento único. É livre a indicação do beneficiário nos seguros sobre a vida e a integridade física. Salvo renúncia do segurado, é lícita a substituição do beneficiário do seguro sobre a vida e a integridade física por ato entre vivos ou por declaração de última vontade.
Nos seguros sobre a vida própria para o caso de morte e sobre a integridade física própria para o caso de invalidez por doença, é lícito estipular-se prazo de carência, durante o qual a seguradora não responde pela ocorrência do sinistro.
Em síntese, é uma nova regulamentação que trata de todo assunto de seguros no brasil em um único instrumento legislativo facilitando assim a vida do operador do direito e trazendo mais segurança jurídica ao mercado. Críticas e elogios já estão surgindo a respeito dessa nova legislação, como é natural em uma situação de novidade. O importante é que muitos aspectos necessitavam de uma regulamentação mais específica em razão da complexidade do tema e evolução da sociedade e seus problemas. Espera-se que essa nova possa trazer maiores esclarecimentos e segurança à todos aqueles que militam num setor tão importante da economia. Por mais que a nova legislação possa ter problemas e esteja sujeita a críticas, a evolução é sempre bem-vinda.
Referências
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1. SCHULMAN, Gabriel; BURGER, Marcelo Luiz Francisco de Macedo. Primeiras reflexões sobre a nova lei dos contratos de seguros e o direito de danos. Disponível em: link. acesso em: 17.12.2024.