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O que é o feminismo?

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Feminismo é uma dessas palavras odiadas e amadas em intensidades diferentes.

Assim como há quem simplesmente rejeite a questão feminista, há quem se entregue a ela de corpo e alma imediatamente. Afinal, por que há pessoas que temem o feminismo e por que há outras tantas que depositam todas as fichas nele?

Talvez não haja um meio-termo entre o medo e a esperança em torno de um movimento tão expressivo como o feminismo, assim como talvez não haja um equilíbrio entre o amor e o ódio que o atinge. Chamar as pessoas para compreenderem feminismo – como filosofia, como teoria e como prática- tende a ser um bom começo, mas não resolverá muita coisa quando não aprofundarmos a compreensão acerca do seu sentido e da sua presença na sociedade em que vivemos.1

Atualmente políticos, pesquisadores, organizações públicas e privadas sempre afirmam introduzir as questões de gênero em seus trabalhos e pesquisas. Praticamente não se nega a necessidade do enfoque nas “questões de gênero”, entretanto não se observa tal comportamento quando a palavra feminismo é mencionada. Porque isso acontece? Porque a palavra gênero parece ser menos perigosa do que a feminismo?

Existem inúmeras possibilidades de resposta… a mais óbvia é de que desconhecem o que é o feminismo e suas realizações, mas talvez a mais realista seja a de que essas pessoas foram “desinformadas”, tendo em vista que ao longo de sua história o feminismo foi alvo de campanhas que fizeram com que a população de modo geral acreditasse ser este um inimigo a ser combatido, e não um ideal a ser seguido, ideal que luta pelo reconhecimento de direitos e oportunidades para as mulheres e, com isso, pela igualdade de todos os seres humanos.2

Acerca do pré-conceito existente na sociedade frente ao feminismo, destaca Bell Hooks:

Uma multidão pensa que o feminismo é sempre e apenas uma questão de mulheres em busca de serem iguais aos homens. E a grande maioria desse pessoal pensa que feminismo é anti-homem. A incompreensão dessas pessoas sobre políticas feministas reflete a realidade de que a maioria aprende sobre feminismo na mídia de massa patriarcal.3 

Imprescindível demostrar que o feminismo tem uma longa história como movimento social emancipatório, vejamos: em 1827 as brasileiras conquistaram autorização para estudar o ensino elementar; em 1932 veio a conquista do voto feminino; em 1962 foi sancionado o Estatuto da Mulher Casada que, entre outras coisas, instituiu que a mulher não precisaria mais da autorização do marido para trabalhar; já em 2006 foi sancionada a Lei Maria da Penha, uma das conquistas mais celebradas contra a violência doméstica; em 2015 foi sancionada a Lei do Feminicídio, que colocou a morte de mulheres no rol de crimes hediondos e diminuiu a tolerância nesses casos; a conquista mais recente foi em 2018, ano em que a importunação sexual feminina passou a ser considerada crime.4 Por todos os exemplos trazidos está mais que claro a importância do movimento feminista, que por conta de sua força crítica é capaz de impugnar, criticar, desestabilizar e mudar essa relação díspar e injusta ao qual as mulheres são submetidas.

Ao longo da história da sociedade ocidental, muitos discursos de legitimação da desigualdade entre homens e mulheres foram produzidos, a mitologia e as religiões são bons exemplos. A ciência e a filosofia ocidentais também têm funcionado como legitimadores da desigualdade e continuam, em maior ou menor medida, cumprindo essa tarefa.5

O termo feminismo foi primeiro empregado nos Estados Unidos por volta de 1911, quando escritores, homens e mulheres, começaram a usá-lo no lugar das expressões utilizadas no século XIX tais como “movimento das mulheres e problemas das mulheres”, para descrever “um novo movimento na longa história das lutas pelos direitos e liberdades das mulheres”.6 O objetivo das feministas americanas era um equilíbrio entre as necessidades de amor e de realização, individual e política, o que parecia algo muito difícil de conseguir.

Conforme Carla Cristina Garcia:

Em um sentido amplo, pode-se afirmar que sempre que as mulheres – individual ou coletivamente – criticaram o destino injusto e muitas vezes amargo que o patriarcado lhes impôs e reivindicaram seus direitos por uma vida mais justa estamos diante de uma ação feminista. 7 

Nas palavras de Bell Hooks:

Eu queria que tivessem uma resposta para a pergunta “o que é feminismo?” que não fosse ligada nem a medo nem a fantasia. Queria que tivessem esta simples definição para ler repetidas vezes e saber que: “Feminismo é um movimento para acabar com sexismo, exploração sexista e opressão.” 8 

Partindo dessa linha de intelecção, podemos compreender que o feminismo pode ser definido como a tomada de consciência das mulheres como coletivo humano, da opressão, dominação e exploração de que foram e são objeto, sendo este o movimento que as orienta em busca da liberdade de seu sexo e de todas as transformações da sociedade necessárias para alcançar tal fim.

As mulheres das classes mais baixas e dos grupos mais pobres, mais especificamente as não brancas, reforçam a imprecisão de definirmos feminismo como a busca das mulheres pela igualdade social e de direitos relativamente aos homens. A essas mulheres continuamente é relembrado que nem todas as mulheres têm o mesmo estatuto social. Ao mesmo tempo, sabem que muitos homens nos seus grupos sociais são explorados e oprimidos. Por saberem que os homens nos seus grupos não têm poder social, político e económico, não considerariam libertadora a partilha do estatuto social deles.9

Muitos pensam que feminismo se trata de um bando de mulheres bravas que querem ser iguais aos homens. Essas pessoas nem pensam que feminismo tem a ver com a aquisição de direitos e oportunidades iguais.

Não existe apenas um tipo de feminismo, mas vários, são muitas as correntes de pensamento que o compõem, sendo esta uma das características que diferencia o feminismo de outras correntes de pensamento político. O feminismo é constituído pelo fazer e pensar de milhares de mulheres pelo mundo. Uma das principais questões no discurso feminista é a nossa incapacidade de chegar a um consenso sobre o que é o feminismo ou de aceitar uma ou mais definições que sirvam de ponto de união.

O discurso, a reflexão e a prática feminista carregam também uma ética e uma forma de estar no mundo. A tomada de consciência feminista transforma a vida de cada uma das mulheres que dela se aproximam. A consciência da discriminação supõe uma postura diferente diante dos fatos. Supõe dar-se conta das mentiras. Supõe dar-se conta do machismo enraizado e das manobras realizadas para manter as mulheres em seu local de submissão. Supõe a tomada de consciência de que estamos sub-representadas na política. Supõe ver como a mulher é coisificada dia após dia na publicidade. Supõe saber que segundo a ONU uma a cada três mulheres no mundo já sofreu algum tipo de maus-tratos ou abuso.10

É desse modo que o feminismo se articula como filosofia política e, ao mesmo tempo, como movimento social.

Por fim, o feminismo é uma lanterna cuja luz é lilás. Ninguém sabe ao certo por que o lilás é a cor do feminismo.

Diz-se que a cor foi adotada em honra às 129 mulheres que morreram em uma tecelagem norte-americana no dia 8 de março de 1857 quando o dono da fábrica, diante da greve realizada pelas operárias, ateou fogo ao galpão com todas as mulheres presas dentro do prédio. Esta é a versão mais aceita sobre a origem das comemorações do Dia Internacional das Mulheres. Esta história conta que os tecidos em que estavam trabalhando eram dessa cor. Outra, que esta era a cor da fumaça que saía da chaminé que se podia ver a quilômetros de distância. Existem outras versões sobre esta história, mas tanto a cor quanto a data são compartilhados por feministas do mundo todo.11 

Para analisar, explicar e modificar essas realidades, a teoria feminista desenvolveu quatro conceitos-chave: androcentrismo, patriarcado, sexismo e gênero. Estes são intimamente relacionados e servem como instrumentos de análise para examinar as sociedades atuais, identificar os mecanismos de exclusão, conhecer suas causas e propor soluções para modificar tal situação. É sobre tais conceitos-chave que iremos tratar na próxima coluna.

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Sarah Batista Santos Pereira

 

Referências

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1. TIBURI, Marcia. Feminismo em comum: para todas, todes e todos. 4º ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018.

2. Garcia, CARLA CRISTINA. Breve história do feminismo. São Paulo: Claridade, 2011.

3. HOOKS, Bell. O feminismo é para todo mundo. 1º ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018, p.15.

4. ARAUJO, Ana Paula de. 5 conquistas do movimento feminista para conhecer. Disponível em: https://bit.ly/3lipBoA. Acesso em: 29 set. 2020.

5. Garcia, CARLA CRISTINA. Breve história do feminismo. São Paulo: Claridade, 2011.

6. Garcia, CARLA CRISTINA. Breve história do feminismo. São Paulo: Claridade, 2011, p.12.

7. Garcia, CARLA CRISTINA. Breve história do feminismo. São Paulo: Claridade, 2011, p.13.

8. HOOKS, Bell. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. 1. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018, p.12.

9. HOOKS, Bell. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. 1. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018

10. Garcia, CARLA CRISTINA. Breve história do feminismo. São Paulo: Claridade, 2011.

11. Garcia, CARLA CRISTINA. Breve história do feminismo. São Paulo: Claridade, 2011, p.15.

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