O que é sexismo e seus reflexos deletérios contra a inspiradora da Lei Maria da Penha

O que é sexismo e seus reflexos deletérios contra a inspiradora da Lei Maria da Penha

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A partir da concepção do sexismo como sendo o conjunto de avaliações negativas e atos discriminatórios dirigidos às mulheres, em função de sua condição de gênero (Lips, 1993), o qual pode se manifestar sob forma institucional ou interpessoal, compreendendo-se que a primeira propicie contexto cultural adequado à segunda (Lott e Maluso, 1995)1 , podemos averiguar, não sem indignação à luz dos dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública sobre o aumento de feminicídios em 2023, sob a proporção de quatro mulheres mortas por dia2 , seu profundo arraigamento na sociedade contemporânea.

De piadas pueris e estereótipos aparentemente inocentes (“loira burra”, “feminista feia”, etc), a escalada de violência atrelada ao sexismo é célere e brutal, chegando à consumação de atos profundamente agressivos, tais como lesões corporais, tentativas ou consumação de feminicídios, estupros, danos morais, etc.

Vinculados todos nós à vida digital, cujos termos se estabeleceram em decorrência do veloz avanço tecnológico, assistimos rotineiramente e com perplexidade, o relato de fatos que envolvem manifestações ideológicas extremistas com infringência a direitos humanos, primadas aquelas pela ótica preconceituosa e iníqua.

O assédio digital consiste violência moral, restando previsto no artigo 146-A do Código Penal (incluso pela Lei 14.811/24).Em seu parágrafo único, dispõe a norma sobre o cyberbullying, ou seja, a prática de conduta por meio de rede de computadores, de rede social, de aplicativos , de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital ou com transmissão em tempo real. A pena prescrita não subsiste se a conduta constituir crime mais grave, hipótese em que as penalidades elencadas para caso de cometimento do derradeiro delito irão prevalecer.

Não sem provocar surpresa, noticiou-se publicamente que Maria da Penha Maia Fernandes, a farmacêutica que ficou paraplégica em virtude da prática de tentativas de feminicídio por seu ex-marido, crimes reconhecidos judicialmente sob a observância dos princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, foi alvo de ataques por intermédio de comunidades digitais que disseminam ódio às mulheres, circunstância que resultou na confirmação, pelo  Ministério das Mulheres, de que a vítima receberá proteção especial de agentes de segurança do Estado do Ceará, com projeto de transformação de sua residência (que habitou quando das agressões pelo ex-cônjuge) em memorial para servir como referência no combate à violência contra à mulher 3 .

Talvez seja mais ajustado considerarmos que, sem o enfoque multidisciplinar para os contornos da realidade brasileira, albergando Psicologia, Direito enquanto exteriorização da Ética, Antropologia, Psiquiatria, Medicina, o fenômeno em questão, o qual está intimamente ligado à violência em sua mais explícita acepção, não poderá ser compreendido, quiçá combatido.

Nossa sociedade a cada dia se torna mais violenta, mais transgressora e intolerante com a diferença. Mulheres são desrespeitadas e diminuídas, lamentavelmente sem contornos de excepcionalidade, também por outras mulheres, ainda que de maneira parcial, como legítimo substrato da cultura patriarcal e independentemente de caracteres socioeconômicos ou intelectuais que ostentam.

A indignação é justa e se impõe de modo cogente. A questão que se nos apresenta é como iremos superar tantas incongruências e excessos, que desmerecem direitos humanos e o conteúdo da Carta Magna, a qual preconiza a preservação dos mais elevados valores de uma nação.

A resposta não é dificultosa. Crimes cometidos por meios digitais podem e devem ser desvendados mediante rastreio de dados de IP de computadores e diligências diversas pelas autoridades investidas de poder de polícia judiciária e diversas que, para tal desiderato, necessitarão do implemento de medidas concretas, derivadas de dotações orçamentárias hábeis, para sua inderrogável consumação. Políticas públicas para prevenção e acolhimento das vítimas de violência doméstica e quaisquer outras formas de violência devem ser implementadas em caráter prioritário. E a educação, desde tenra idade, em escolas e entidades de alcance comunitário certamente contribuirá para que o extremismo seja cabalmente debelado, já que intolerável cogitar-se em flexibilização de condutas visceralmente dissonantes com o ordenamento jurídico.

Referências

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1. Ferreira, Maria Cristina, “Sexismo hostil e benevolente: inter-relações e diferenças de gênero”, trabalho apresentado no Simpósio Relações sociais de gênero: Possibilidades e perspectivas de análise psicossocial na XXXI Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, ISSN 1413-389X

2. publicacoes.forumseguranca.org.br, “feminicídios-2023”, Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Bueno, Samira, Sobral, Isabela, Lagreca, Amanda, Carvalho, Thais, acessado em 10/06/2024;

3. g1.globo.com, “Maria da Penha terá proteção após receber ameaças pelas redes sociais”, Gioras Xerez, 07/06/2024, acessado na mesma data;

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