O que foi a polêmica da “taxação do sol” e o que a Lei n. 14.300 de 2022 representa hoje?

O que foi a polêmica da “taxação do sol” e o que a Lei n. 14.300 de 2022 representa hoje?

Energia Solar

O segmento da energia solar, até o ano de 2022, foi regulado, primordialmente, por Resoluções Normativas da Aneel. Por isso, a Lei n. 14.300 instituiu o Marco Legal da Micro e Minigeração Distribuída, ficando conhecida como o Marco Legal da Energia Solar.

As Resoluções n. 482 de 2012 e n. 685 de 2015 foram revisadas e deram base à formação do texto legal da Lei n. 14.300. A pressão dos setores privados, de empresas instaladoras e dos consumidores, bem como das concessionárias de energia elétrica, deu ensejo a promulgação de uma lei que visava maior segurança jurídica ao setor.

Nesse contexto, surge a discussão sobre a “taxação do Sol”.

Deve-se ter atenção quanto ao termo “taxação”. Isso porque, muitos sites que abordam o tema apresentam o processo de cobrança de percentuais sobre a distribuição como uma espécie de taxa ou de imposto. Mas, na verdade, a terminologia correta e adequada é tarifa. Inclusive, o Marco Legal utiliza a terminologia “percentuais das componentes tarifárias”. Veja-se o artigo:

Art. 27. O faturamento de energia das unidades participantes do SCEE não abrangidas pelo art. 26 desta Lei deve considerar a incidência sobre toda a energia elétrica ativa compensada dos seguintes percentuais das componentes tarifárias relativas à remuneração dos ativos do serviço de distribuição, à quota de reintegração regulatória (depreciação) dos ativos de distribuição e ao custo de operação e manutenção do serviço de distribuição:

I – 15% (quinze por cento) a partir de 2023;

II – 30% (trinta por cento) a partir de 2024;

III – 45% (quarenta e cinco por cento) a partir de 2025;

IV – 60% (sessenta por cento) a partir de 2026;

V – 75% (setenta e cinco por cento) a partir de 2027;

VI – 90% (noventa por cento) a partir de 2028;

VII – a regra disposta no art. 17 desta Lei a partir de 2029.

O termo correto é tarifa, pois a taxa enseja a prestação de um serviço diretamente pelo Estado. Conforme Regina Helena Costa (2019, p. 153) “taxas são tributos vinculados a uma atuação estatal diretamente referida ao sujeito passivo, que pode consistir no exercício do poder de polícia ou na prestação de serviço público específico e divisível, em utilização efetiva ou potencial”. Assevera que as taxas são inconfundíveis com impostos, pois os fatos que dão suporte à sua instituição jamais poderão constituir hipóteses de incidência daquelas (Costa, 2019, p. 154).

Além disso, não há que se falar em imposto observando a própria dicção do artigo 16 do CTN ao definir que o imposto é: o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação estatal que independe de qualquer atividade estatal específica. No caso da geração e transmissão de energia elétrica, a prestação do serviço público ocorre pela concessionária e permissionária de energia elétrica e não pelo próprio Estado. A tarifa visa custear os custos de operação, manutenção e investimentos do serviço de transmissão e distribuição de energia elétrica.

Superada essas questões, o termo “taxação do sol” foi utilizado durante a tramitação do PL 5.829 para dar amplitude à discussão da incidência de percentuais calculados sobre a Tarifa de Uso dos Sistemas de Distribuição (TUSD) e a Tarifa do Uso dos Sistemas de Transmissão (TUST).

Ao mesmo tempo, a difusão do termo deu margem à ideia de que haveria a cobrança de “taxas” pelo uso do sol. Contudo, a Lei n. 14.300 de 2022 não propõe nada disso. Por certo, inconcebível seria a cobrança de qualquer valor sobre o uso do Sol, dado que bem ambiental, de uso comum do povo (Fiorillo, 2018, p.198). O que se pretendeu com a formação da Lei foi uma redistribuição dos custos com a distribuição e transmissão de energia e a instituição de ordenamento sólido para assegurar o desenvolvimento do setor.

Alexsandra Maria de Almeida Soares e Cristiane Gomes Barreto (2022, p. 52-71) no artigo “Disputas e narrativas sobre o marco da geração distribuída no Brasil”, analisaram o discurso da arena política e de órgãos estratégicos sobre o assunto e chegaram a dois posicionamentos diversos:

Grupo 1: A favor das regras estabelecidas na RN n. 482 de 2012;

Grupo 2: Contrário às regras estabelecidas na RN n. 482 de 2012.

O Grupo 1, formado pela Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar), Ministério Público, Movimento Solar Livre e outros, defendia a manutenção do SCEE (Sistema de Compensação de Energia Elétrica, pelo seguinte:

Embora o SCEE permita a redução e até anulação de tarifas elétricas, os consumidores geradores continuam pagando pela taxa de disponibilidade, encargos e iluminação pública. É com base nessa relação que o Grupo 1 se posiciona a favor da manutenção do SCEE, principalmente por sua importância para a geração de energia fotovoltaica no país e por possibilitar contribuições ainda maiores para a matriz elétrica brasileira (Soares, Barreto, 2022, p.63).

Por outro lado, o Grupo 2, formado primordialmente pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e o TCU (Tribunal de Contas da União), defende que o SCEE subsidia o usuário da geração distribuída, pois, teoricamente, esse não paga pelo excedente de energia produzida injetada de volta à rede, além de ter a tarifa praticamente zerada:

É com base nesses argumentos que o Grupo 2 entende que o SCEE é um mecanismo de subsídio cruzado, no qual os não usuários de GD pagam pelas tarifas dos usuários de GD. Com base nisso, Marcelo Ramos classifica a RN nº 482 como uma “política de Robin Hood às avessas”, onde o “pobre” paga parte da conta do “rico” (Soares, Barreto, 2022, p. 64-65).

Essa análise é de grande valia para entender os diferentes posicionamentos em embate no momento de tramitação do projeto de lei e as discussões formadas para a implementação de percentuais tarifários sobre o excedente de produção não consumido e injetado na rede.

O Marco Legal disciplinou sobre a isenção das novas regras tarifárias aos consumidores-geradores que: (I) já haviam instalado os painéis fotovoltaicos até a promulgação da lei e (II) às unidades que solicitaram acesso na distribuidora em até 12 meses da data da publicação da Lei, prazo que se esgotou em 6 de janeiro de 2023. Esses possuem isenção dos percentuais sobre a TUSD e TUSD até 31 de dezembro de 2045.

Todos que instalaram a partir de 7 de janeiro de 2023, já começaram a pagar sobre o valor injetado na rede o percentual de 15% no ano de 2023 e agora, em 2024, o percentual de 30%. A posição do Grupo 1 sustenta que a implementação dessas medidas atua como um desincentivo para o setor solar. O Grupo 2 sustenta a realocação dos custos, para não onerar os consumidores que não possuem geração fotovoltaica.

Contudo, sobre o assunto, outra análise deve ser feita: a do payvack. Inegável que a maior busca do consumidor pela instalação de energia solar fotovoltaica está relacionada à economia que essa pode proporcionar na fatura de energia. Com a implementação de custos “adicionais” sobre o excedente injetado, o payback (ou retorno do investimento) pode variar a depender do estado brasileiro.

Ricardo Marques (2022, p. 1) analisou dois aspectos:

I – Adensamento: Em estados populosos, como o caso de São Paulo, o adensamento é maior, levando em conta a relação “Unidades Consumidoras x Área de concessão”, ou seja, há uma grande quantidade de unidades consumidoras na área de concessão. Em outros estados, como no Pará, a área de concessão é muito grande se comparada à quantidade de unidades consumidoras. Em sua análise, descreve que o Fio B (TUSD) é muito maior em estados com menor adensamento. Portanto, os percentuais tarifários serão mais sentidos (mais caros) nas unidades consumidoras e terão o retorno fortemente impactado, considerando, ainda, outro fator: que os estados com menor adensamento são os com maior desigualdade social.

II – Horário do consumo: Como a cobrança de percentuais se dá sobre o excedente não consumido e injetado, o horário de consumo impacta de formas diversas o consumidor. Àqueles que utilizam mais energia elétrica durante o dia, o custo será menor, dado que utilizam a energia no momento da geração (levando em consideração que é durante o dia que o Sol está nos fornecendo energia). Como não estão compensando energia da rede, não estão pagando percentuais tarifários. Já aos que geram energia durante o dia e compensam à noite, o custo será maior, pois pagarão os percentuais sobre todo o injetado durante o dia (não consumido).

O tema por si só é complexo e depende da análise de diversos fatores, não só jurídicos, mas econômicos e sociais. De toda forma, a Energia Solar hoje representa um percentual muito maior na matriz elétrica brasileira (17% na potência total instalada), do que se comparada a 2012, quando implementada a primeira resolução (Absolar, 2024, p. 1). O Marco Legal da Energia Solar, alavancado por um custo de instalação que vem sendo reduzido e pelo intuito do consumidor de economizar na fatura, vem sendo importante instrumento para o crescimento da energia solar no Brasil, que está em “ritmo” exponencial.

 

Referências

____________________

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENERGIA SOLAR. Mercado Infográfico: Panorama da solar fotovoltaica no Brasil e no mundo. Disponível em: link. Acesso em 08 mar. 2024.

COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional.  São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco; FERREIRA, Renata Marques. Parâmetros normativos vinculados ao uso da energia solar no país em face do direito ambiental brasileiro. Revista Jurídica, v. 02, n. 51, p. 182-210, 2018.

MARQUES, Ricardo. Entendendo a Tarifação do Fio B prevista na Lei n. 14.300: tema gera dúvida aos integradores que ainda não conseguem calcular o real impacto da tarifação do Fio B. Disponível em: link. Acesso em: 08 mar. 2024.

SOARES, Alexsandra Maria de Almeida; BARRETO, Cristiane Gomes. Disputas e narrativas sobre o marco da geração distribuída no Brasil: retrocessos para a Agenda 2030 e o Acordo de Paris. Sustainability in Debate, v. 13, n. 3, p. 52-71, 2022.

Compartilhe nas Redes Sociais
Anúncio