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O que ninguém te contou sobre o caso Hermès vs Rothschild

Hermès-vs-Rothschild

AS PARTES

Antes de iniciar a coluna do mês, quero apresentar brevemente os envolvidos no caso Hermès vs Rothschild.

Hermès é um grupo empresarial que atua no mercado de consumo de luxo de bolsas e acessórios com a fabricação de modelos artesanais, através da liberdade criativa que permita a elaboração de materiais úteis e objetos elegantes. Existe desde 1837 e tem ações listadas na Bolsa de Valores Francesa. A marca Hermès é mundialmente reconhecida por, dentre diversos outros produtos, sua linha de bolsas Birkin que cada unidade dificilmente é encontrada por preço inferior a 3 mil euros.

Por outro lado, Mason Rothschild é um artista de 28 anos que se define como um estrategista de marketing e empreendedor que veio da indústria fashion e criou a coleção de NFTs, a MetaBirkin.

 

NON-FUNGIBLE TOKEN OU NFTS

NFT é a sigla de Non-Fungible Token, que consiste em um ativo digital único que é criado e registrado na blockchain.1 Após a sua criação, os usuários interessados poderão realizar a compra diretamente do criador (ou também chamado de “mintar” a NFT), e também poderão revender no mercado secundário após a aquisição inicial. Quando essa revenda acontece, o criador poderá ter definido uma “comissão” a ser recebido sobre o valor da transação que ocorrer.

 

A CONTROVÉRSIA

Por volta de maio de 2021 Mason criou uma NFT que denominou “Baby Birkin” e a vendeu por aproximadamente 23 mil dólares, que vão em sua maioria para o artista. Quem a detinha, posteriormente a revendeu por aproximadamente 47 mil dólares e o artista também recebeu o “creator rebate”.

Já em dezembro de 2021 Rothschild criou uma coleção de NFTs chamada “MetaBirkins” com 100 unidades em que cada uma representava uma bolsa da coleção Birkin da Hermès. Nesses casos, o criador recebeu o valor de venda das NFT’s mintadas, bem como o “Creator rebate” de 0,5% do valor da transação no mercado secundário.

A marca Francesa levou a controvérsia até o Júri de Nova Iorque. Mason apresentou um requerimento de dispensa da demanda, que foi rejeitado em maio de 2022 e o caso foi julgado em fevereiro de 2023 pelo Júri.

 

DETALHES QUE NÃO PODEM PASSAR DESAPERCEBIDOS

Muito se discutiu sobre a possibilidade de um artista criar sua arte, ainda que digital, baseado em marcas registradas. Na decisão de rejeição do requerimento de dispensa da demanda apresentado por Rothschild alguns precedentes foram citados2 e diversas pessoas opinaram sobre o acerto ou incorreção da decisão do Júri de condenar Mason a pagar uma indenização à Hermès.

Em resumo, a questão que foi o cerne da controvérsia foi se as NFTs criadas por Mason estavam protegidas pela Primeira Emenda (Liberdade de Expressão), por ser consideradas comentários artísticos dos produtos da Hermès ou se a proteção marcaria vedaria o uso da propriedade industrial para as referidas NFTs. Para o crítico e testemunha de Mason, Blake Gopnik, o que Rotschild fez é o que basicamente todo artista sempre fez e a condenação não se justifica.

Ocorre que o uso da trademark da Hermès nos ativos digitais de Mason não foram o único fator relevante na discussão travada entre as partes perante o Júri. E as outras discussões agregadas se mostram muito relevantes, pois nos Estados Unidos o sistema jurídico tem um viés muito mais garantista do que estamos acostumados em relação à liberdade de expressão (e aqui temos a liberdade artística).

Foi aplicado para a solução o Roger Test (precedente do caso Rogers vs Grimaldi) que define se um trabalho artístico tem a proteção da Primeira Emenda se o trabalho for artisticamente irrelevante ou não induzir explicitamente o público a erro.

Também se mostrou muito relevante, e talvez tenha sido um fator importante para a condenação de Mason a prática de cyberposse, ou cybersquatting. Isso, pois foram três os quesitos apresentados aos jurados: se Mason infringiu trademap da Hermès; se houve diluição da marca; se houve a prática de cyberposse. Nos três o júri considerou Rothschild culpado.

 

CYBERPOSSE

A cyberposse, também denominada de cybersquatting, consiste na conduta de registrar como próprio o nome de um domínio de internet que contenha propriedade intelectual de terceiros.

No registro de domínios, como se sabe, vige a regra do first come, first served, isto é, será deferido o registro ao requerente que cumprir os requisitos e buscar o registro mais rapidamente. No entanto, nos requisitos não há nenhuma checagem sobre a titularidade de eventuais propriedades intelectuais indicadas no nome de domínio, motivo pelo qual não raras vezes ocorre a cyberposse.

Feita a breve explicação sobre o instituto, retorno ao case Hermès.

No julgamento, Rothschild foi considerado culpado de cyberposse, por indicar o nome da coleção “Birkin” no nome do seu domínio e, também, pela violação da marca. Para buscar a condenação do artista, a Hermès argumentou que havia explícita incitação do público a erro.

É possível verificar que ambos os fundamentos estão intrinsecamente relacionados. Isso, pois o público foi levado a pensar que a coleção de NFTs era da própria Hermès, não de um artista autônomo, além do seu design, pelo nome do domínio se referir a coleção da grife.

 

OPINIÃO

O caso Hermès vs Rothschild foi amplamente abordado pela imprensa e no meio jurídico brasileiro e estrangeiro. Isso, pois os temas relacionados a inovação e tecnologia tem um apelo importante ao público.

Ocorre que algumas peculiaridades do caso concreto não nos permite entender, de forma muito clara e pacífica, que os artistas não poderão se valer de releituras de marcas para a produção de seu trabalho em ativos digitais. Isso, pois no caso em análise foi essencial a conclusão do Júri de que Rothschild quis auferir lucro em cima da marca cuidadosamente construída pela Hermès ao longo de anos, refutando a ideia de que as NFTs seriam apenas uma abordagem artística sobre produtos de luxo.

Mostra-se razoável entender que se Mason não tivesse utilizado o nome da coleção no nome de domínio utilizado, o desfecho da questão seria outro, já que não se cogitaria que o público poderia ser enganado apenas pela releitura de uma icônica coleção de bolsas de luxo, sem qualquer menção a denominação Birkin.

O artista, no entanto, informou à imprensa quando do julgamento que pretendia recorrer do veredito. Nos cabe acompanhar para verificar o deslinde definitivo do feito. E, ainda, podemos acompanhar outros casos semelhantes, tal como o Nike Inc. vs StockX LLC para entendermos como será sedimentada as questões jurídicas relacionadas ao tema.

 

Referências

____________________

GOPNIK, Blake. A misguided jury failed to see art in Mason Rothschild’s MetaBirkins. Disponível em: https://wapo.st/3lnlOcx. Acesso em 14 de março de 2023.

INFOMONEY. Justiça condena artista que criou NFTs de bolsas da Hermès por “cyberposse”. Disponível em: https://bit.ly/3Fu8sCb. Acesso em 14 de março de 2023.

LEVI, Stuart D. Jury Finds That ‘MetaBirkin’ NFTs Infringed Hermès Trademark Rights. Disponível em: https://bit.ly/40611ZQ. Acesso em 14 de março de 2023.

MCDOWELL, Maghan. Hermès wins case Against Metabirkins over digital NFTs, Rothschild to appeal. Disponível em: https://bit.ly/3FrsoFX. Acesso em 14 de março de 2023.

UNITED STATES DISTRICT COURT. SOUTHERN DISTRICT OF NEW YORK. Veredict. Disponível em:  https://bit.ly/40aDCq2. Acesso em 14 de março de 2023.

1. Apenas para contextualizar, por blockchain podemos entender, de maneira extremamente superficial, como uma rede descentralizada de armazenamento de registros que gozam de imutabilidade e segurança.

2. Apenas para lembrar, no Commom Law há uma relevância extremamente grande na aplicação de precedentes como argumento jurídico.

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