O Racismo Antinegro não é uma “ira justificável”: as bases técnicas dos sistemas de aniquilamento

O Racismo Antinegro não é uma “ira justificável”: as bases técnicas dos sistemas de aniquilamento

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Frequentemente observamos práticas que apontam para a banalização e a suposta justificação da violência. Essa dissimulação ética deixa entrever uma técnica, uma composição de artefatos que corroboram fronteiras políticas projetadas para normalizar a brutalidade. Nesse sentido, a assimetria política significada como uma disposição natural e a violência administrada como um modelo de relacionalidade inescapável, sem possibilidade de análise, são aparentemente justificáveis.

Os valores que fundamentam e fazem circular o racismo, como técnica de destruição de sujeitos, revelam um interesse histórico, político, econômico e estético que visa organizar, por meio de artefatos políticos, o rebaixamento de sujeitos negros, designados à distância da humanidade, sobretudo de uma humanidade projetada aos moldes de exclusão e humilhação pública de corpos que escapam às normas brancas, ciseteronormativas e demais enquadramentos de clivagem e hierarquização.

Ao discutirmos identidade, como evento que se forja na relação e na conexão entre os sujeitos, percebemos a implementação sofisticada de sistemas historicamente fabricados para naturalizar a ausência e a degradação de sujeitos negros. Há, nesse movimento, um efeito de ocultamento da técnica racista, mascarado, sobretudo, pela destruição da crítica racial e pela herança histórico-política alicerçada no mito da democracia racial.

É importante dizer que o ocultamento e a dissimulação são princípios reguladores do racismo antinegro, enquanto mecanismo de destruição. O ocultamento da formação social e relacional da identidade mascara a manutenção de instrumentos políticos, imagéticos e objetivos que privilegiam sujeitos brancos e a branquitude, enquanto um modelo de reverberação das assimetrias raciais, sociais e políticas.

Em Patrícia Hill Collins,1 vemos que a violência é resultado de um processo sistemático e tecnologicamente produzido que intersecciona o racismo, o sexismo e outras fronteiras político-sociais, na forma de terror. O heterossexismo, como braço dos sistemas coloniais impetrados pela branquitude, é, na verdade, um modelo ideologicamente político que intensifica, de modos multifacetados, a norma da heterossexualidade, da masculinidade hegemônica e, por fim, da brancura, como engrenagens que regulam e decompõem a experiência, o reconhecimento e a possibilidade de legitimação de uma vida.

Nesse prisma, é possível entrever a articulação de um sistema técnico que regula os modelos de representação e de ação social. Essa tecnologia não potencializa o corpo, não amplia as possibilidades diante das nossas precariedades, mas, sim, intensifica a ruína das presenças marcadas pela coisificação — princípio máximo das políticas coloniais, igualmente comprometidas com o extermínio do outro. Dessa forma, vale a pena dizer que o sujeito racista não está sob a influência apaixonada, ou sob o efeito de uma “ira justificável” como decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao absolver, em segunda instância, em julho deste ano, dois torcedores do Atlético Mineiro acusados de cometer injúria racial contra um segurança do Mineirão.

A justificativa para a absolvição se assentou na premissa de que os acusados, na cena, temendo por sua vida, cometeram a injúria racial como manifestação da ira e do medo. Inegavelmente, o racismo se ocupa de fazer com que se mantenham os pactos políticos entre os semelhantes e, ao mesmo tempo, a supressão do direito, inclusive de existir, dos corpos significados à margem da humanidade. Evidentemente, a “ira justificável” protege as alianças narcísicas da branquitude, pois o racismo impede, inclusive, que as contraviolências sejam legitimadas, pois ele se articula, como sistema político, na anulação da agência e da insurgência.

As perspectivas decoloniais, em outra acepção, denunciam as estruturas que, ao naturalizar o racismo, como fundamento da injúria racial, atendem às expectativas antiéticas da memória colonial. É preciso quebrar o sistema, bem como todos os circuitos de violência, subordinação e banalização da vida que ele sustenta. Ser antirracista é não justificar, em nenhuma hipótese, a reverberação de políticas de extermínio, simbólicas e objetivas.

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Thiago Teixeira

 

Referências

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1. COLLINS, Patrícia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamile Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.

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