A Lei 14.193/2021 instituiu a Sociedade Anônima do Futebol no Brasil, novo tipo societário dedicado exclusivamente aos clubes de futebol profissional, prevendo novos meios de capitalização de recursos, formas especiais de pagamentos de dívidas, mecanismos de gestão, e em especial, um regime tributário específico, as chamadas SAFs.
Antes de adentrarmos ao tema objeto do texto é preciso esclarecer que os clubes de futebol no Brasil quase que em totalidade se organizam sob o formato de Associação do Art.53 do Código Civil de 20021 que assim estabelece:
Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.
Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos.
O fato de não possuir finalidade econômica quer dizer que o objetivo principal não é obter lucro, e sim de desenvolver atividades esportivas, sociais e culturais, muito embora, não seja vedado que lucrem e só lhes é proibido dividir tais lucros entre os sócios, devendo ser o dinheiro revestido em prol das atividades do clube.
Nas palavras da professora Maria Helena Diniz: 2
Tem-se a associação quando não há fim lucrativo ou intenção de dividir o resultado, embora tenha patrimônio, formado por contribuições de seus membros para a obtenção de fins culturais, educacionais, esportivos, religiosos, beneficentes, recreativos, morais etc.
Por se constituírem sob o formato associativo os clubes possuem uma série de benefícios fiscais.
Estabelece a Constituição Federal em seu Art.150 VI, “c” a vedação da cobrança de impostos sobre patrimônio, renda ou serviços de instituições que não possuem fins lucrativos, disposição reiterada pelo Código Tributário Nacional3 em seu Art. 9º, IV, “c”:
Art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
c) o patrimônio, a renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, observados os requisitos fixados na Seção II deste Capítulo.
O professor Rafael Marcondes4 especialista na tributação sobre as atividades esportivas deixa bastante claro a quais tributos os clubes de futebol não arcam:
Desse modo, estão contemplados tributos como: IRPJ, Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros (IOF), IPI, ICMS, Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e o ISS.
Os clubes que se constituem como associações civis além de não pagarem Imposto de Renda, CSLL e COFINS, por determinação legal, pagam 1% de PIS, 5% de contribuição ao INSS e 8% de contribuição de FGTS.
A constituição de uma sociedade anônima, por um lado representa a possibilidade de se obter novas formas de financiamento para o futebol brasileiro, mas irá implicar na perda deste regramento fiscal em que os clubes possuem carga tributária baixíssima.
Ao abandonar o regime associativo para aderir ao regramento das Sociedades Anônimas do Futebol entendeu o legislador que não seria razoável haver um abrupto aumento da carga fiscal, de forma a incentivar a conversão ao novo tipo societário houve a criação de um regime próprio.
Entendeu também o legislador, juntamente com os dirigentes de futebol, que não haveria condições de os clubes suportarem um aumento tão forte na tributação, o que poderia acarretar na perda da competitividade das equipes quando comparado ao mercado internacional, e concluiu que o novo modelo societário específico também necessitava de um regime de tributação especifico.
No texto original do projeto da SAF havia a previsão de criação de um regime tributário transitório, posteriormente convertido em definitivo pelos parlamentares, denominado TEF – Regime de Tributação Especifica do Futebol.
O TEF se propõe a ser um regime especial de apuração de tributos, em que se fará um recolhimento único, de alíquota de 5% sobre a receita bruta mensal da SAF, que englobará o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, CSLL, PIS, COFINS e contribuição ao INSS, tal programa não irá abranger as contribuições para o FGTS e tributos para os demais entes federados.
As Sociedades Anônimas do Futebol que optarem por adotar o TEF poderão usufruir do modelo indefinidamente, sendo que a alíquota de 5% sobre as receitas será cobrada nos 5 anos seguintes à conversão do clube em sociedade anônima.
Após os cinco anos iniciais de adesão ao TEF a alíquota irá passar para 4%, havendo a inclusão das receitas advindas da cessão de direitos econômicos dos atletas.
É importante ressaltar que a possibilidade de um clube de futebol se organizar de forma diferente do formato associativo não é nenhuma novidade, primeiramente se deu pela Lei Zico (Lei 8672/1993) e posteriormente pela Lei Pelé (Lei 9615/1998), mas a falta de regras, bem como um aumento abrupto da carga tributária afastaram o interesse dos principais clubes e de potenciais investidores.
A Lei 14.193 de 2021, além de tributação especifica, traz novas oportunidades de obtenção de financiamento, regimes de pagamento de dívidas e até mesmo possibilidade de se realizar recuperação judicial e falência, como meios atrativos para a adoção do regime societário.
Segundo dados da SportsValue5 em 2020 as dívidas das vinte agremiações que disputaram a Série A daquele ano somadas atingiam o patamar de R$ 10.2 bilhões de reais, sendo o Fisco Nacional o credor de R$ 2.7 bilhões, algo em torno de 25% deste montante.
Mesmo com todos os benefícios fiscais mencionados no decorrer do texto, as dívidas com a União são enormes, e só não são maiores porque alguns dos clubes se utilizaram da transação tributária, disposta na Lei 13.988/20.
Diante deste cenário, alguns questionamentos são levantados: estariam os clubes preparados para um (leve) aumento em seus encargos fiscais, assim como estariam atentos para a necessidade de manter uma boa equipe de tributaristas e contadores no seu plantel administrativo, e o principal, conseguiriam as Sociedades Anônimas do Futebol cumprir com suas obrigações perante o Fisco?
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Referências
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1. BRASIL. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: https://bit.ly/3C1Puir. Acesso em: 11 set. 2021
2. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 1 : teoria geral do direito civil. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 273.
3. BRASIL. Lei 5.172 de 25 de outubro de 1966 CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília 25 de outubro de 1966. Disponível em https://bit.ly/3n8sxUN. Acesso em 6 set. 2021
4. MARCONDES, Rafael Marchetti. Manual de Tributação no Esporte. São Paulo: Quater Latin, 2020, p. 90.
5. FINANÇAS dos top 20 clubes do Brasil. SportsValue. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3vvWHVJ. Acesso em: 20 out. 2021.